terça-feira, 31 de janeiro de 2006

Relato de viagem 4

Eu vi pingüins! De verdade! Eles espirram (espero que não seja a gripe aviária...)
Pois bem, chegamos a Patagônia. À primeira vista a paisagem surpreende: uma estrada pista simples, reta a perder de vista, divide a planície de vegetação quase desértica. À segunda vista uma nova surpresa: a paisagem não muda, assim como a estrada, reta quase todo o tempo (tivemos a capacidade de tirar foto de uma curva!).
Nossa primeira parada patagônica foi Puerto Madryn - lê-se Mádryn, assim como se pede talharini al gráten, e não al gratén, a nao ser que queira ver o garcom de cabeleira bizarra fazer careta. Chegamos pouco antes das 15h, depois de 17h de viagem, com janta e almoço melhores do que nos últimos dois dias, e três filmes incrivelmente péssimos, entre eles, "A fantástica fábrica de chocolates", em versão (muito) maniqueísta do Tim Burton. Nossa pergunta ao chegar a Madryn foi: "em que fim de mundo nos enfiamos?", já que a cidade estava deserta. Mas às 18h as pessoas saíram da praia e/ou siesta, e a cidade desdesertificou.
O albergue da juventude estava lotado, mas logo ao lado estava "El refugio", que bem poderia se chamar "O albergue ao lado estava lotado", dada sua localização estratégica. Apesar de segunda opção, o albergue é bom e aconchegante, sem comparações com o de Buenos Aires.
No dia seguinte à nossa chegada acordamos cedo para visitar a Península Valdés, em uma excursão de cinco pessoas: o motorista Hugo, o"guia" de primeira viagem (literalmente) Alejandro, o alemão companheiro de quarto Johann, o Phah e eu. O guia era um figurinha chatinho, que assobiava para qualquer par de pernas e uivava ao vislumbrar qualquer buraco, sem se importar muito se as pernas eram de cadeira e os buracos de tijolo de furo. Embromava feroz um inglês e não conseguia ficar quieto - nem que fosse para dizer de como é bom ficar em silêncio, só escutando as ondas, blábláblá. Mas o que mais me irritava é que ele falava qualquer pavada, mas não dizia "yo no sé" ou "Ai don nou". Mas deixemos o pobre Alejandro em paz.
As paisagens em Península Valdés são fantásticas: flores de deserto com um "rio" de água salgada ao fundo, conchas fossilizadas e bichos até então só conhecidos por nós através do Discovery Channel: leões-marinhos (eram 1722, uns 180 machos, 706 femeas, e uma cambada de filhotes), elefantes-marinhos (lentos... davam cinco barrigadas para frente e paravam uma hora para caminhar outras cinco barrigadas), e, claro, os já supracitados pingüins de magalhães - todos os bichos mui simpáticos. Enfim, nao me alongarei fazendo descrições que de nada valerão - quem sabe as fotos deixem perceber algo do lugar. O triste é que os turistas jogam lixo no chão, assim como tentam alimentar os pingüins (os tatus eles conseguem) com pão e, apesar dos pedidos de silêncio, assobiam para ver se os elevantes marinhos levantam a cara e deixam ver a "tromba".
Isso me fez pensar que espécie de turismo é esse que estamos fazendo. Queremos conhecer lugares, mas no tanto que nos é permitido: não vamos além da cerca, não jogamos lixo no chão, não assobiamos para elefantes marinhos, não alimentamos os animais, não mijamos no mato. Creio que é o mínimo que qualquer pessoa deve fazer. Mas minha pergunta é: estamos realmente "conhecendo" algo, ou estamos simplesmente "vendo"?
Queria ter conversado com uma mocinha que estava em nosso quarto e viajava há sete meses, mas ela já havia partido quando voltamos de Valdés: é possível conhecer um lugar ficando somente uma semana nele? Será que conseguimos nesse turismo ficar um pouco mais de tempo em um lugar sem nos entediarmos? Essas viagens parecem ser feitas somente de primeiras impressões e supresas.
Elas são legais porque parece que perdemos a capacidade de descobrir o novo, o impressionante (que sempre ocorre) no quotidiano. Imagino que depois de sete meses viajando assim se aprenda (ou reaprenda) a ver todas as cores que podem haver na "mesmisse" (além de outras coisas que são sabidas mas não lembradas, mas que o Mattia Pascal já falou muito bem e não convém repetir). Também me pergunto que relação, que elo, pode haver entre alguém e um lugar em quatro dias. E como passamos essa situação sem nos incomodar - estaremos acostumados a não possuir tal elo? Estaremos, no fundo, buscando algo além de paisagens e animais exóticos?
Falo, falo, falo, mas chegamos ontem e amanhã partimos para Trelew.
A ver.

Puerto Madryn, 31 de janeiro de 2006

domingo, 29 de janeiro de 2006

Relato de viagem 3

A grande questão do dia que se nos tomou hoje foi: o que há nas Guianas, já que lá não ocorrem nem eleições, nem revoltas, nem catástrofes naturais? Por falar em castástrofes - não que haja mais ou seja mais chocante do que no Brasil -, mas choca, ainda mais quando estamos alegres viajando, ver criancas vendendo rosas em porta de museus, cantando no metro, bêbados pedindo un cigarrillo, vendedores de sinal que vem se lamentar - buscar alguém que compreenda seu drama? - e você não entende, e o sinal abre, e você prefere mesmo não entender. E olha que falo das regiões nobres - essas em que comer banana na rua chama a atenção - de Buenos Aires.
Visitamos La Boca e San Telmo, bairros mais modestos, operários. Prédios mais feios, ruas menos arborizadas, mais pichações. No meio disso tudo, o Caminito, turístico e artificial, com suas casas coloridas como antigamente, não porque achem importante preservar a memória, mas porque podem lucrar com ela. Quem vai a La Boca, vai a La Bombonera, o estádio do Boca Juniors, mesmo sem ser fanático por futebol. Queria ter a oportunidade de ver um jogo, mas nem por isso deixamos de comemorar um gol (temos foto provando). Na ausência de jogadores usamos a imaginação, o tio que cortava grama e o robozinho de explorar Marte que irrigava o campo.
Meio-dia encaramos a tradicional Parrillada. Para azar do Phah, ficou contra o vento e não teve muito apetite por causa do cheiro de banheiro público que provinha do assado argentino (que tem rins, intestidos e outras coisas). Ah! Também tomamos soda, daquelas com sifao, que a Mafalda usava no seu traje espacial! (por falar em Mafalda, tive que me segurar para nao comprar um boneco de uns trinta centímetros dela).
Uma coisa que há tempo nos intriga: como uma velhinha faz para atravessar a rua em Buenos Aires? Oito pistas e quinze segundos. Nem nós, que caminhamos rápido, conseguimos chegar do outro lado sem o homenzinho comecar a piscar. Só tomando um táxi! No caso da Boca a pergunta é: como uma velhinha faz para caminhar pelas calçadas, que não são regulares, possuem degraus - e não sao dois ou três -, e chegam a mais de um metro de altura?
Outra coisa que nos intriga: nossa cara de estrangeiro - sueco? -, principalmente do Phah. Falo em espanhol e as pessoas insistem em falar ingles conosco - e não que meu espanhol seja ruim, apenas tem um sotaque indefinido. Hoje mesmo, no albergue, tivemos que escutar de uns brasileiros: "com essa cara de gringo?!"
Hoje seguimos para Puerto Madryn, na esperança de ver Pingüim, do ônibus não quebrar, como sempre acontece quando o Phah está viajando, que o ritmo do nosso passeio diminua - ou entao não ficaremos dez dias viajando - e que a água lá seja diferente da de Buenos Aires - mesmo as engarrafadas. É uma das coisas que estamos "extrañando": água! A água aqui é pesada, demora pra matar a sede, enfim, é ruim! Ah, também esperamos que a frota de onibus urbano das proximas cidades tenha ao menos vinte anos, e que isso diminua a poluicao.
Saudações,
2.
Bs As, 28/29 de janeiro de 2006

sábado, 28 de janeiro de 2006

Relato de viagem 2

Depecepções à parte com o albergue fulero que estamos (mas é bem localizado), com beliches altas que nos dificulta subir nelas e café da manha fraquinho, café, pão, manteiga e uma geléia - não tem doce de leite!!!
O olhar afiado do Phah não deixa passar nada, o que tem nos proporcionado boas gargalhadas nestes primeiros dias aqui em Buenos Aires. Por exemplo, a pizza de presunto, traduzida para o inglês como "pizza the ham" (temos foto provando). Estamos descobrindo aqui as maravilhas da libre concurrencia: passagem para Puerto Madryn, vimos em umas quatro empresas, AR$ 152,00. Cedê do Gotan Project, uma banda muito legal que escutamos aqui, as cinco lojas que pedimos o preço encontramos os mesmos AR$ 24,00. Viva o capitalismo de mercado!
Depois de visitar o Museo Nacional de Buenos Aires, que tem alguns Rodin muito legais, encontramos, adivinhem só, um mercado! Que maravilla! Aqui só tem mercadinho e quiosco - umas aberturas onde se vende bolachas, refrigerantes e tranqueiras do gênero. Na volta fizemos algo que chocava todos com quem cruzávamos na rua e, fosse época da ditadura, era capaz de eu agora ser um desaparecido político. Buenos Aires, como eu disse, até buteco tem jeito chique. Pois estávamos em um bairro que não pode ser considerado propriamente como um bairro operário, e eu resolvi comer uma banana. Me senti um astro de cinema, como todos me olhando passear com uma banana pelas revendas de carros Audi, Alfa-Romeo e Ferrari. Se eu tivesse andado pelado teria chocado menos.
Hoje é dia de comermos parrillada, quero ver se o Phah encara os intestinos e afins do boi.
Por enquanto é isso. Tinha mais, mas eu esqueci.
Saudações,
2.
Bs As, 28.01.06

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Relato de viagem 1

Bs As, 2,6,1,6
Pensamento do dia: nunca subestime o tamanho de um país.
Turista bobo é mesmo uma alegria: qualquer coisa que vê acha o máximo, maravilhoso: "mira vos, que hermosa vaquita!", "mira vos, que linda praza de pedágio para pista simples y sin acostamento!". Bem, se eu estiver de bom humor, eu sou um turista bobo. E ontem eu estava: troquei a passagem de uma empresa nacional pela concorrente argentina e ao invés de carro convencional de um eixo, carro leito, com dois, café da manha, janta e 10% mais barato.
Nao cheguei a achar as vaquitas lindas, mas a aduana em Puerto Iguazu foi interessante: parecia saída de um conto do Quiroga (só nao consigo me lembrar o nome). Uma sala com as paredes internas forradas de madeira, meio caindo, tudo muito sujo, um ventilador de chão que só tinha hélice e haste, na mesa do funcionário o valque-talque e um rádio pra escutar o jogo. As luminárias, algumas queimadas, outras quebradas, e as demais sujas que não iluminavam muito. Como a casinha tinha janela dos dois lados, via-se do outro lado mato. Cena quirogueana. Sem contar pisar na espuminha com sabao, e os carros passarem no tanque com sabao para entrar no país, digno de explicacoes científicas que o Quiroga adorava dar em seus livros - explicacoes da mesma época, diga-se de passagem
Enquanto espero meu irmão (que era para chegar as 11h, mas deve chegar lá pelas 15h ou 16h) uma volta pela Buenos Aires. Nao achei que está mais sul-americana que na outra vez que vim, sete anos atrás. Um pouco mais suja, mais pedintes e vendedores ambulantes, mas nada comparado ao centro de Sao Paulo. Só não está mais conseguindo esconder os pobres dos turistas, coisa que a Europa também não tem conseguido. Mas segue hermosa e chique. Qualquer butecão é chique, o que me inibe um pouco.
Também não sei se entendi direito o que falaram no rádio: parece que hoje é o último passeio das madres de la plaza de mayo. Foram 1500 quintas-feiras de protesto. Segundo a entrevistada: ´los desaparecidos estan desaparecidos´. Acham que o presidente, ´el loco´, segundo pichações que vi na estrada, assumiu a causa delas e está tratando bem. Agora se dedicarão a outras causas: desempleados, niños con hambre, etc.
E como eu disse: nunca subestime o tamanho de um país: Buenos Aires - Puetro Madryn, 17 horas de viagem, e nãoo as 9 ou 10 que eu esperava...
Pois bem. Volveré ao terminal rodoviário, onde estive as últimas duas horas e meia, esperar mi gracioso hermano.
Saludos,
Dalmoro

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Pré-relato de viagem

Seres, Ceres e Serafins,

Eis-me aqui novamente a vos encher a caixa de e-meio. Poderia prometer ser breve, mas como sei que não o serei, prefiro não prometer nada. Incomodo esta vez mais para avisá-los de que incomodarei mais vezes. Mas, calma! Não se trata de algo tão fatídico. Como muitos devem estar sabendo – e vários outros devem estar cansados de saber –, pois repito desde setembro a mesma ladainha, irei, acompanhado do meu irmão, desvendar novas terras – novas para mim e para ele, é bom deixar claro.

A idéia original era puxar as barbas do Fidel. Como sairia claro, decidimos um passei pelo cone sul, visitando Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai. Como faltaria tempo – nem cheguei a ver os custos –, optamos por algo más sensillo: Patagônia e Terra do Fogo. Tenho sérias pretensões de escrever, vez ou outra, relatos dessa viagem. Vontade tenho, mas não sei se terei tempo, meios materiais e condições psicológicas. Portanto, este e-meio serve de alerta: pode ser que vocês recebam e-meios com "relatos de viagem". Se não quiserem receber essas abobrinhas, podem me mandar um e-meio pedindo, ou então podem simplesmente bloquear o endereço, sem dó – já estou mandando pelo gmail para deixar essa possibilidade. Já se alguém estiver interessado em ver pingüim e passar frio conosco, é só mandar um e-meio que eu dou nossa coordenada e seguimos todos juntos rumo ao fim do mundo!

O roteiro da viagem é muito simples. Primeiro, Buenos Aires hermosa, que dizem não estar mais tão hermosa assim. Depois, Puerto Madryn e Península Valdés, ver pingüim. Daí, descemos um pouco mais, para ver mais pingüins, e assim vamos, descendo e vendo pingüins, até chegarmos em Ushuaia, já na Terra do Fogo. Dali subimos pelos oeste argentino, vendo morro, gelo e passando frio, até chegarmos em Bariloche, ou alguma cidade mais barata nas redondezas. Novamente Buenos Aires, comprar livros do Quino, e tomamos o caminho da roça. Serão cerca de 30 dias de viagem, mais de seis mil quilômetros, que faremos com a cara e a coragem. Coragem essa feita especialmente para a viagem, que atende pela alcunha de Visa, e nos dá a esperança de não passar nenhum grande aperto. Meu pai já me avisou: gaste somente se tiver necessidade. Ocorre que esqueceu de dizer que tipos de necessidades. Mas como sou um filho cônscio, não irei gastar em extravagâncias – até mesmo porque sei que o limite não me permitirá voltar para casa em carro próprio.

Antes que me cobrem fotos: esse departamento fica a cargo do meu irmão, chamado Fabrício, conhecido nas bocas como Gã, e doravante tratado como Phah. Se ele baixar as fotos em alguma página, alguma coisa do gênero, eu aviso; senão, sei lá – minha máquina ainda é das analógicas.

Bem é isso. Espero que a viagem seja tranqüila, sem ônibus pinga-pinga, bêbados gritando e motoristas que gesticulam enquanto dirigem – como na minha última viagem Campinas-São Paulo. Nos vemos na volta! Ou, como diria aquele famoso governador daquele famoso estado mexicano: hasta la vista, beibe!

Saudações,

Dalmorito


ps: aquela máquina anunciada outrora continua à venda!

(Pato Branco, 23 de janeiro de 2006)