Mostrar mensagens com a etiqueta Crônica. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Crônica. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Tilt Test e crise no setor [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Estamos em crise aqui no setor - e não é nada relacionado ao trabalho. Até porque se fôssemos ficar mal ou em crise por conta de nossa labuta, só sairíamos da cama para pular da janela - ainda que meus colegas me julguem um pouco exagerado nessa minha colocação. Assumo que pode ser, mas pedir o boné não parece uma alternativa viável no momento, em que rareiam empregos similares ao atual e não me anima a ideia de morrer de fome. Goreti sugeriu o Onlyfans, muita gente diz que dá bastante dinheiro, mas não acho que seja para nenhum de nós bombar nessa rede social - sem falar que é aquela: são quantos milhares de produtores de conteúdo para cada um que faz sucesso?

Enfim, a crise se deu por conta do Tilt Test, relatado em minha última crônica. Mais especificamente, a quem escolhi como acompanhante para o exame. Ou melhor, por não ter escolhido os demais para serem meu acompanhante no exame - exceção feita ao Desembargador, que sairia de férias dali dois dias e tinha que deixar alguns quiproquós em dia, para poder voltar na maciota. 

Notei que Carnegie andava um tanto lacônico e parecia arredio para com minha pessoa. Primeiro achei que fosse da minha cabeça, mas como seguia nessa toada, resolvi perguntar ao Macedo o que teria acontecido com nosso nobre colega.

Não conta para ninguém, mas ficou um climão, um ciúmes geral de você ter me chamado para ser seu acompanhante.

Mas que raios de ciúmes é esse?

Foi um turno inteiro que pude descansar, pôr minhas leituras em dia, sendo que eu tinha sido o último a sair de férias.

Eu te chamei porque você mora do lado do local do exame!

Sim, levantei essa hipótese para eles...

Eles?!

Ah, sim, você não notou nada de diferente com Meireles e Goreti?

Notei, mas achei que não fosse nada.

Eles aceitaram mais de boa o argumento da proximidade da minha morada, o Carnegie segue chateado, enciumado.

Em particular, conversei com Carnegie, que negou qualquer incômodo e disse que eu quem via coisas. Mais tarde, convoquei os colegas para uma reunião no bar, na sexta, para decidirmos critérios de escolha ou mesmo uma escala de acompanhantes para exames futuros no setor - e ele foi um dos mais entusiasmados com o tópico. Sinto que não foi sincero comigo ao se dizer de boa.


15 de abril de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Tilt Test [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Dia desses andei tendo umas vertigens estranha. Uma vez, vá lá, acontece. Duas, a gente fica alerta. Quatro, aí a preocupação aperta - ainda mais depois de consultar o Google. Porque se as vezes que tive essas vertigens foram em casa, sem maiores riscos, imagina se a tenho na rua, se desmaio no meio do centro de São Paulo num início de noite ermo. Ou, então, acontecer de eu ir num restaurante caro e logo em seguida ter a tal vertigem e devolver a comida, como aconteceu na terceira vez - em que acreditei que a tontura era por conta de algo que comi, mais especificamente um gorgonzola com nozes, macadâmia e damasco, turbinado por fungos outros, que só vi depois de vários pedaços -, seria muito frustrante e uma grande perda de um dinheiro que não me sobra tanto assim.

Após a quarta vertigem em menos de um mês, como disse, fui perguntar ao Google o que mais poderia ser, além da óbvia labirintite com a qual eu já havia me auto diagnosticado. As opções iam de estresse e ansiedade a tumor no cérebro em estágio avançado - e eu estou com uma pinta estranha nas costas, já faz um tempo, que temo poder ser um melanoma, vai que já se espalhou...

Conto para o Brotinho, que praticamente me obriga a marcar médico - o que eu já ia fazer, a diferença é que por influência dela acabo indo para um neurologista e não para um oncologista, como pretendia.

O médico me faz uma série de perguntas, descartando logo de cara minha nova certeza (de início, achei que era só porque não é a área dele): tem dormido bem? Não. Se exercitado? Não. Tem andado estressado? Muito - afinal, nos encarregaram de preparar pequenos cursos de apresentação do setor aos novos contratados, o que já me desagradou, mas tudo piorou quando Desembargador propôs que sejam teleaulas, proposta aceita com entusiasmo pelo chefe, que anunciou esses dias que já tinha alugado o estúdio.

Até a labirintite ele praticamente descartou de cara, centrando no estresse. Por via das dúvidas, preferiu que eu fizesse alguns exames. Um deles, que necessitava de acompanhante, era o “Tilt Test”. Chamei Macedo para me acompanhar, e ele concordou que o exame soava assaz interessante pelo nome.

Sabe como é?

Segundo o médico, me amarram numa mesa e medem minha reação às inclinações dela.

Achamos muito pouco para um exame de nome tão convidativo. E enquanto esperávamos eu ser chamado, ficamos imaginando o quão interessante não seria.

Lembramos dos tempos do fliperama, quando chacoalhávamos demais a mesa de pinball e vinha o aviso de tilt. Nos pareceu razoável, chacoalha pra lá, chacoalha pra cá, tipo o brinquedo samba dos antigos parques de diversões, mas em versão compacta, e vê como o sujeito lida com todo o sacolejo: se só fica tonto, se passa mal a ponto de querer devolver o que poderia ter no estômago (fica como caso hipotético porque eu estava em jejum, inclusive de água), até o ponto de desmaiar - daí a necessidade do acompanhante. Achamos que um chapéu mexicano compacto seria pouco provável, pois exigiria uma sala muito grande - mas não deixaria de ser interessante, a pessoa presa pelos pés, sendo rodada alucinadamente, ver se reagem bem a esse teste, ao que eu lembrei que aí não seria tilt.


Entrei na sala, colocaram o eletrocardiograma em meu peito e o medidor de pressão no braço. Me amarraram numa maca simples. Fiquei a me perguntar se seria manual o tal tilt test, um enfermeiro bombado dando trancos na maca, sacolejando-a e inclinando-a até eu passar mal - não seria um emprego tão chato assim, além do mais. Mas, quê?! Eu imaginando que seriam poucos minutos sem fim de angústia e sensações diversas no meu corpo, mas nos quarenta minutos que durou, tudo o que passei foi tédio. Vinte minutos inclinado a vinte graus, outros vinte a quarenta graus, depois volta. Me perguntei se o jejum antes de evitar sujar a sala toda, não era para evitar refluxo, mesmo.

Está tudo bem? Não está passando mal, muito enjoado?

Me pergunta a enfermeira, como se eu tivesse passado por um teste pesadíssimo.

Do lado de fora, Macedo me esperava ansioso pra saber como foi.

Todo esse tempo, deve ter sido sofrido, não? Ou essa demora foi para conseguir ficar bem até conseguir se levantar de novo?

Como a desocupada leitora, o desocupado leitor que chegou ao fim deste texto, Macedo também murchou com todo o sem graça do tal "Tilt Test". E, sim, era só estresse, mesmo.


09 de abril de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Reorganização do setor e palestra motivacional antilimpeza [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Creio já ter comentado aqui que o chefe do setor, preocupado com “a evolução pessoal” dos seus subordinados, promove todo mês uma palestra motivacional com algum convidado que ele julga especial. A única coisa boa, segundo os colegas, é o lanche que ele leva - realmente ele gasta do salário para isso -, mas não me impressiona, dadas minhas mil chatices gastronômicas.

Assim como falar que a bola é redonda, sei que é um juízo analítico dizer que palestra motivacional é chata e perda de tempo. Quer dizer, pensando que os estadunidenses chamam de bola um trem em forma de carambola, acho que Kant está superado. Destarte, trago o que talvez seja novidade para alguns: palestra motivacional é chata e perda de tempo. O que não quer dizer que não haja palestras do gênero que são piores e as que são mais piores ainda.

Foi o caso deste mês. Mas, diante do que foi apresentado junto, nem foi tão ruim assim.



Nossa reunião mensal de ajuste da equipe começou com Duchas, um cabeça de planilha que chegou há dois ou três meses, metido a simpático, mas muito prepotente. Pelo visto, apesar de seu MBA em gestão por processos, ele é incapaz de fazer uma conta mais complexa sem apelar para o Excel (capaz de dizer que 2+5x0=0 e se achar esperto por ter sacado a pegadinha). Também parece não muito esperto para entender processos. Talvez se fizesse análise e entendesse um pouco os meandros de seu cérebro um tanto engessado, quem sabe ele pudesse palpitar em processos alheios, inclusive os visíveis. 

Após dois meses de análises pormenorizadas dos processos e funções do setor, ele apresentou o novo organograma e as novas funções de cada um. Simplesmente parece que ele deu um título a cada um dos números da roleta do Jogo da Vida, girou e pôs na planilha - salvo os de algumas pessoas, que esses ele encaixou com carinho (ou por necessidade) em locais chave. 

O Doutor Sabujinho, por exemplo, ficou também com a função de zelar pela reputação do setor e fazer uma espécie de Relações Públicas com os demais setores da empresa. Macedo perguntou (entre nós, é claro) como um engenheiro assediador de novinhas poderia colaborar na imagem do nosso setor. Carnegie acha que ele pode apagar os rastros dos assédios - o que muitos dos colegas de bancadas duvidaram, pois isso exigiria capacidades cognitivas que ele até agora não demonstrou ter. Eu sugeri que seus anos de Uber talvez tenham lhe dado algum repertório de falar platitudes, o que, aliado ao seu puxa-saquismo, permita passar uma impressão que o chefe e o Duchas crêem seja positiva.

No grupo das pessoas que tiveram suas novas funções escolhidas por necessidade, está Apolônia, que não é uma das mais antigas do setor, mas é das mais experientes. Podemos dizer que é quem mais sabe ali de como tudo funciona. E isso foi um detalhe quase insignificante para Duchas na hora de remodelar o setor. pois se pensou nela na hora de escolher sua função, não quis se rebaixar a perguntar a uma funcionária só com nível superior (negra, ainda por cima), como ele poderia ajeitar tudo. Foi dela que partiram as perguntas mais contundentes. Basicamente um “lembrou de combinar com os russos?”, mas em outros termos, para não fazer com que achem que haveria comunistas entre nós.

Diante da gagueira do sabe-tudo que só não sabe o básico, o chefe interveio, dizendo que esse tipo de detalhe (sim, o básico agora é detalhe) seria ajustado com o tempo, pois aquele projeto - como todos os do gênero - passaria por pequenas revisões conforme fosse implementado - o que fez com que eu me despreocupasse com minha nova função, pois certamente, após uma dessas pequenas revisões, seria a mesma com outro nome.

Mas essa parte ainda foi divertida, ver Duchas em calças curtas não sabendo responder o óbvio. Dureza foi a palestra motivacional que veio a seguir. Eu tinha o contrário no início deste texto, né? É que sempre que vou falar de um dos momentos da reunião, ela parece o pior, porque os dois foram sofríveis.

A palestrante começou com aquele papo de “não sou intolerante religiosa, tenho até amigos que não são cristãos” (faltou complementar: “eu só quero que eles sofram e morram agonizando”), mas que sua palestra se pautaria nos valores judaico-cristãos “que, afinal, são os valores do povo brasileiro”. Nessa hora já deu vontade de soltar um “Che, pelotuda, entonces me bê mi pasporte argentino; o puede ser de coreia, que dá fripas pra más países, che!”, mas óbvio que fiquei quieto - tento evitar que minha raiva ponha meu emprego em risco. 

Contou ela da sua vida pessoal anódina, que não dá nem para competir com Pollyana, de tão insossa - é de soçobrar qualquer motivação para se viver, talvez daí seu mérito -, de como era a louca da limpeza, até o momento em que sua filha avisou que ela não tinha olhos para outra coisa. Foi nesse momento que ela aprendeu a dialogar - e daí veio todo aquele blábláblá fértil como uma mula. Confesso que me surpreendi com esse ponto: imaginei que ela teria encontrado o deus judaico-cristão nessa hora, que lhe teria dito para pegar uma faca e partir para cima da filha, por ter questionado a autoridade materna, contra o que está na Bíblia, mas parece que esse deus (ao menos o judaico-cristão que ela se pauta) a abandonou e que foi bem sem graça mesmo tudo isso. 

Ao fim, me restou apenas a preocupação com o grau de sujidade que não deve estar a casa da palestrante depois de sua epifania judaico-cristã-motivacional antilimpeza.


20 de março de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Desalienando (mais um pouco) e cafeinizando (um pouco demais) meu sobrinho [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


Tem gente, viu, que vou te contar: não aprende. Eu sou uma delas, mas não é de mim que vou falar hoje. Não sobre isso. E sim sobre meu irmão, que resolveu ficar bravo comigo por ter cuidado de meu sobrinho.

Pois eis que ele, querendo tirar um fim de semana para o casal, despacha o moleque para passar o fim de semana comigo. Isso não é de todo um problema, gosto do garoto, que tem entre seis e doze anos - não sei direito e, já disse, não vejo três ou seis anos como grande diferença para precisar toda essa precisão de idade -, ele é bem comportado e permite exercer meus dotes pedagógicos. 

Junto com a criança chegou uma mala de roupas, outra de comidas, como se na minha casa só tivesse pão e água, e uma lista com um sem fim de proibições que a escola Woldemorf impõe, que faz eu me sentir um carcereiro, um São Pedro laico, um não-cuidador - além de ficar com dó da criança, de não poder tanta coisa numa idade em que se deveria experimentar muito da vida. Dentre os itens estão a proibição de celular, tablet, televisão e cinema, “mesmo de filmes que VOCÊ julgue educativos”; de esportes radicais, programas noturnos, uso de furadeira, roçadeira, serras de todo o tipo; o uso de serrote é permitido, desde que “com supervisão de um adulto responsável” - e achei que havia aí alguma indireta, porque ele não falou “sob sua supervisão”, mas de um genérico “adulto responsável”. Também estavam proibidos “refrigerantes industrializados, sucos prontos, drogas lícitas e ilícitas, cappuccino, café com ou sem açúcar”. E isso reforçou minha impressão de que ele me acha um idiota, como se eu fosse dar conhaque no café da manhã pro menino antes de ele fazer dezoito anos. Reforçou também minha impressão de que à pobre criança melhor não conhecer a felicidade, para não sofrer quando adulto - ainda que a pedagogia Wondermort diga o contrário. Sobrou, então, teatro infantil e parque durante o dia, leituras e conversas durante a noite.

Creio que meu irmão deixa a criança comigo como forma de cobrar a dívida que tenho com ele - um empréstimo que fez para que comprasse meu teto, e que pago religiosamente 2% ao ano (2% é a quantidade que devolvo do empréstimo, não os juros, afinal, usura entre família é pecado; a não ser com os parentes fascistas, como ele mesmo faz, e eu acho que 2% de juros ao mês é pouco, mas o dinheiro é dele).

O fim de semana passou relativamente tranquilo. No sábado assistimos à peça "Quando eu morrer vou contar tudo pra deus", sobre uma criança africana tentando migrar para a éden europeia, que fez com que eu tivesse que explicar algumas coisas sobre o mundo a ele, já que os pais o mantinham na ignorância. Expliquei sobre guerras, genocídios, exploração capitalista, hipocrisia europeia-ocidental, a inexistência de deus, tudo, claro, adaptado à sua presumida idade e sem detalhes chocantes - até porque eu mesmo não gosto desses pormenores do mundo-cão. Ele se mostrou impressionado, quis saber mais sobre o genocício palestino e porquê as pessoas passam fome na África.

No domingo pela manhã que, talvez, eu tenha dado vacilo. Seguindo os hábitos adquiridos em minha experiência portenha, acordei cedo e preparei um mate - aqui conhecido como chimarrão -, com a melhor das minhas ervas (leia-se a mais forte) e ofereci uma cuia ao menino. Pus açúcar, claro (antes que algum eventual gaúcho venha me criticar, aviso que na Argentina eles tomam com açúcar, porque a erva deles é forte demais). Na lista de proibição falava-se em café, não em cafeína. A primeira cuia ele tomou lentamente, como se degustasse da bebida. Foi bonito de ver, era um novo mundo de sabor que desabrochava à minha frente. Seguimos a conversa enquanto mateávamos, sendo que a segunda e a terceira cuia ele tomou mais sofregamente. 

Comecei a notar alguns comportamentos diferentes, de modo que neguei a quarta cuia. Ele até tentava permanecer sentado, mas o bicho simplesmente quicava no sofá à minha frente, falava numa velocidade de locutor de futebol em transmissão AM tudo o que tinha aprendido durante a semana na escola. Juro que vi ele tremendo. Temi que a cafeína tivesse ligado o temido botão de ligar do garoto, que se tornaria o saci de duas pernas e viraria minha casa de ponta cabeça, roendo os pés do meu sofá e arranhando as almofadas, enquanto não lhe oferecesse mais um pito, digo, cuia - óbvio que eu não ofereceria um calmante natural a ele, já fiz duas vezes o famoso “curso do padre Ticão”, e aprendi com Sidarta Ribeiro que maconha só depois dos trinta. Lembrei do Tweek, personagem do South Park. Para redução de danos, fomos ao parque, bater uma bola - na verdade, eu jogava a bola para ele ir buscar, pra ver se ele gastava todo aquele excesso de cafeína antes de voltar para casa. Como o método Wondermort cria a criança para ser quase um golden retriever (que sabe cozinhar, costurar e cantar, além da taboada), deu certo. Quando meu irmão veio buscá-lo, início da noite, estava babando no sofá (e agora tenho isso para jogar na cara dele, pois a mancha segue lá, três dias depois, sei lá que alimento radioativo tinha na mala de alimentação saudável da criança).

Mas não foi só a mancha que me sobrou para além do final de semana. Na segunda-feira, logo cedo, recebi um áudio absolutamente irado de meu irmão, me criticando ferozmente por ter apresentado um pouco do mundo a uma criança alienada (claro, os termos dele não foram esses), ao comentar das guerras, da fome, do genocídio, do lawfare e da falta de sentido na existência - o que não nega que a vida tenha valor, segundo Camus, que cheguei a ler um trecho para ele. 

Eu acho que esse pretenso esporro foi só para agradar à esposa - ou então eles tem problemas cognitivos e não conseguiram ainda entender que eu sou eu, para confiar o filho a mim, assim, sem uma lista deverasmente extensiva do que não fazer e do que fazer, e que eu vou desrespeitar em parte, de qualquer modo. E se ele ficou pistola só de termos tido uma conversa saudável, estou só esperando a hora que souberem que dei chimarrão pro menino.


29 de fevereiro de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Musculoso e desmoralizado [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem g

Você que me acompanha, a desocupada leitora, o desocupado leitor, deve ter notado que falei do meu brotinho recentemente - a que me ensinou que o novo cringe é não ser cringe -, o que significa que a alergia dela a gatos passou, assim como a vontade de motel, para alívio do meu bolso, e de transar no quarto ao lado do dos avós, para alívio da minha consciência. 

Sem ter que gastar em motel e querendo ganhar (ou seguir com, segundo ela) uma boa impressão, decidi começar a fazer academia e usar cremes, até para não acabar acabado como o colega doutor Sabujinho. E também para ninguém ficar achando que sou o tiozão decadente que pega moças mais novas todas lindinhas só porque paga as contas, vulgo suggar daddy - ou mecenas, para não ser cringe -, sendo que essa possível impressão é algo que incomoda muito meu broto. 

Minha primeira sorte é que ela tem mau gosto para homens (já brigamos por causa isso e não tem como ela me provar o contrário estando comigo). A segunda é que salvo o motel, todas as demais contas, cada um paga a sua - a vez que ofereci pagar o Uber dela, não teve papas na língua:

Quando você pagar meu aluguel e meus luxos, deixo gastar com essas miudezas.

Contudo, quando saímos juntos, eu pago a conta inteira, e ela me faz o piques em seguida. Não, isso não é um desejo de fingir que sou o tiozão da lancha, é só que meu cartão dá o triplo de milhas e vamos viajar para o estrangeiro nas próximas férias escolares. Calma, meu brotinho não é tão jovem, ela é pedagoga, e não estudante, muito menos secundarista (não sou o doutor Sabujinho, por favor!).

Hoje, no almoço, até o nobre colega Macedo notou que minha pele estava melhor - o que mostra que eu estava já meio mal encaminhado. Isso mostra que o creme faz alguma diferença, assim como a expectativa para encontrar meu broto depois do expediente. À noite foi a vez dela notar minha evolução estética e falar de meus músculos recém surgidos. O duro é que ela o fez de uma maneira não muito lisonjeira.

Estávamos no banho, ela foi esfregar minhas costas quando notou minha nova forma, e não se furtou a exclamar:

Nossa! Que costas musculosas são essas?! Eu já tinha notado os braços.

E antes que eu pudesse perguntar “gostou?”, ela me questionou de pronto:

Você tem batido muita punheta?

Eu desacreditei incrédulo da desconfiança dela. Murchei.

Poxa, como assim punheta? Tenho ido na musculação quase todo dia!

E eu lá vou saber? Você nunca posta!

Também não posto vídeo me masturbando.

Mas é diferente.

Parece que é a foto que faz ficar musculoso, não os exercícios.

Não é isso, mas selfie de academia é bom tanto para estimular a continuar quanto para acompanhar a evolução.

Entendi seu argumento milenal, ou geração z, ou geração y, ou funeral, ou geração a, ou b, ou x (nunca sei quem é de qual geração nessa classificação dos publicitários de segunda categoria), e tomei uma resolução: a partir de agora, me esperem, vai ter todo dia uma dúzia de fotos comigo defronte o espelho  da academia, mostrando os músculos e o suor escorrendo. E fazendo duck face! E com frases motivacionais de pura vida e gratidão! Mentira! Minha resolução é ver se se masturbar dá mesmo tanto músculo, porque é bem mais interessante que ir puxar ferro. 

Me desejem sorte (e mandem um vídeos motivacionais para isso).


21 de fevereiro de 2024

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Fernández e o bloquinho da Especular Chalana de Franca [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


“Quem é você, diga agora, que eu quero saber...”

“Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem amigos importantes e vindo do interior”

Pus Chico e Belchior neste começo para o texto não quebrar de todo o clima do carnaval, assim como Fernández F (F de “Funcionário do Topo”, não se esqueçam [https://bit.ly/cG221205]), sempre tem seu clima quebrado, até ir pro bloco. Ainda que não seja o mais empolgado com o carnaval (do tipo preocupado com fantasia e que fala no assunto desde que o ano velho terminou e o novo não começou de verdade), não se furta a essa mostra de brazilidade, sendo que o grande momento do carnaval paulistano para ele é a Especular Chalana de Franca. 

Como de costume (ao menos desde que conheço Fernández), o horário do bloco foi às 9h da madrugada. Como de costume, Fernández estava puto com isso:

Não basta eu precisar lembrar todos os dias ditos úteis - que são inúteis para as tarefas que são minhas, de meu interesse - que sou um trabalhador fodido; até no carnaval, vem a Especular Chalana de Franca me lembrar que eu faço parte desses 30% da população que tem que agradecer que pode ser útil aos 1%, enquanto tem 69% que malemal sobrevivem! Porra, nove horas da manhã?! 

E não adianta pedir calma.

Nove horas da manhã! Eu entro no trampo a essa hora! Só que como o bloco é mais longe, eu preciso acordar ainda mais cedo, em pleno carnaval! No meu tempo, matinê era para crianças! E era à tarde, ainda por cima! Eu não quero voltar a ser criança, isso eu faço na praia, eu quero voltar a ser adolescente, porra!

Essas frases com “no meu tempo” sempre me irritam, e Fernández sempre solta ela no carnaval e eu o corrijo, com a sábia frase da minha avó a uma conhecida dela, vinte anos mais nova: “se você está viva, este é o seu tempo, trate de aprender a viver nele”; ele se desculpa e assim seguimos também essa tradição nossa. A parte do “quero voltar a ser adolescente” em pleno carnaval eu ignoro, porque ele não tem culpa se quando eu era adolescente eu não tinha lá muito sucesso com os brotinhos, fosse carnaval ou velório - mas nos velórios eu entendia as razões de meu insucesso (evitar a palavra “fracasso”, me ensinou o nobre colega Carnegie tempos atrás).

Esse palavreado todo de Fernández é antes do Carnaval, claro. Este ano, fugindo à nossa tradição, não foi proferida a última vez na sexta-feira, mas no domingo de carnaval, quando fomos almoçar na Ocupação Cozinha 9 de Maio (por conta da posse de Mandela, em 1994), e meu broto até se assustou, pois dali iríamos para o Bloco do Fuê (“Quebrando os ovos do patriarcado pra fazer bolo de capitalista à clara em neve”, diz seu slogan). Quando meu nobre colega foi ao banheiro, ela me perguntou se ele gostava mesmo de carnaval, ou ia apenas para prestigiar Meireles.

Nos despedimos no fim daquele bloquinho, ele ainda não sabia se iria para casa, dormir cedo para a Especular Chalana de Franca, ou ficaria um pouco mais. No dia seguinte, passei a ficar preocupado: início da noite perguntei como tinha sido no tão aguardado bloquinho, e ele nada de responder, até quarta-feira. Pensava em passar no seu setor antes do fim do expediente, mas nos trombamos sem querer no corredor: ele de óculos de sol e bananas de ouvido. Entendi seu recado, apenas disse que da próxima vez que avisasse que estava tudo bem, ao que ele se desculpou e reclamou que eu não precisava gritar.

Deixei para perguntar como tinha sido na sexta, quando marcamos de almoçar. O encontrei ainda com cara de ressaca - ao que ele disse que já estava bem, quase 100% recuperado -, contou um pouco do que lembrava, que no domingo havia achado mais fácil virar a noite e ir direto para o bloquinho, disse que tinha aproveitado bem a folia e concluiu:

Foda que já este fim de semana tem mais, no pós-carnaval. Eu estou que quase não aguento, mas que se há de fazer? É a vida...

Por um instante fiquei a pensar se esse conformismo se referia ao trabalho ou ao carnaval, mas aí lembrei do que ele sempre fala do horário da Especular Chalana de Franca, e vi que se referia a ambos.


16 de fevereiro de 2024.

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Há dois anos, eu preparava minha nova identidade

Numa conversa, em sua última semana de vida, estávamos minha mãe, eu e meu irmão em sua cama. Ela dizia que partia tranquila, ia feliz: tinha tido bons pais, um bom marido, bons filhos - uma boa vida, em suma. Ela estava sendo sincera, ainda que eu desconfie que a depressão - escancarada de vez durante a pandemia -, tivesse feito com que desejasse encerrar seu ciclo prematuramente: ela tinha 69 anos e não aparentava a idade, seja pela aparência, seja disposição física, seja pela mente aberta (meu pai, que partira seis anos antes, aos 61, também guardava essas características). Lembro de uma vez, antes da pandemia, quando contou da conversa com a vizinha, vinte anos mais nova, que dizia que não entendia a nova geração, pois era “de um outro tempo”, ao que minha mãe respondeu: “se você está viva, seu tempo é este também”. Isso não é pouco para uma senhora que sempre viveu no interior, longe de qualquer grande centro - médio, que seja -, numa cidade provinciana e super conservadora (61% de votos para Bolsonaro em 2022).

Como disse, acreditei que fosse sincera quando disse que partia feliz, mas não conseguia entender. Sinto que começo a apreender outras camadas do que ela dizia - obras do Tempo. 

Ano passado, a cada dia de janeiro e fevereiro, percorri em lembranças seu último mês, o que havíamos feito na mesma data do ano anterior, em especial na última semana, quando era evidente que o fim se aproximava a uma velocidade estonteante, e incapaz de ser revertido, nem mesmo retardado (e nem fazia sentido retardá-lo, pelo contrário) - tudo isso em meio a um calor mortífico que assolava a Pato Branco de tanto agrotóxico no ar (teve dia de 38ºC, 15% de umidade relativa do ar e baixa pressão atmosférica).

Este ano, não. Vem lembranças dos últimos momentos, mas com outro tom - uma alegria apesar da dor da ausência, e mesmo algumas lágrimas. Recordo que há exatos dois anos, 7 de fevereiro, eu fazia minha nova identidade, depois de mais de vinte anos - a anterior era de agosto de 1999, eu a fizera para facilitar minha vida no vestibular, já que era difícil imitar minha assinatura de 1989, com sete anos. 

Em 2000 eu começaria uma vida nova, longe quase mil quilômetros de casa e de meus pais - ainda que tenhamos mantido sempre a proximidade, por telefone, por visitas a cada dois meses, pelo menos, pelo carinho e consideração, sempre presentes. 

Em 2021, nessa mesma semana de minha nova identidade, eu começaria uma nova vida - e a distância intransponível para meus pais eu agora precisaria aprender a encurtar com lembranças e afetos. Como as que me vêm agora, gostosas, acalentadores, quase um abraço que o passado me dá - que eles me dão desde um outro tempo -, ou como quando conto dos detalhes dos móveis que agora vivem comigo, trazidos de Pato, aos amigos e, em especial, à Lia, que me ouvem com paciência e carinho.

Apesar de meu pai ter tentado se segurar mais à vida, na hora que ficou evidente que o fim estava próximo, ele também soube se despedir com serenidade e alegria. Ambos, conscientemente, foram impávidos, apaixonadamente e tranquilos diante do destino humano que os chamava para seu último ato. E eu, ao que parece, só agora começo a vislumbrar o óbvio - que nunca esteve realmente oculto.


07 de fevereiro 2024


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Quartos de motéis: sobre a falta que faz um Bandejão na vida de um empreendedor [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Tempos atrás saí com um brotinho, um pitelzinho maroto que me fez sentir o puro tio da Suquita - referência que ela não tinha -, que me explicou que o novo cringe é não ser cringe. Ou seja, se você usa gírias supimpas atualizadas você está sendo cringe. Réchitéguificadica. As afinidades entre nós foram muitas, mas tivemos algumas dificuldades logísticas e de humor sem graça.

Após ter vindo até meu lar - cinco dias depois, para ser mais exato -, o pitelzinho me avisou que era alérgica a gatos (por mais que eu não tenha visto ela espirrar, lacrimejar, ficar com o nariz vermelho, nada, e ainda que seus avós criem coelhos em casa, para consumo próprio), e não seria de bom alvitre ir à minha residência novamente. Sugeriu que eu poderia ir até sua casa, só teria que ser mais tarde: seus avós dormem pesado e não haveria problemas. Recusei, não só por não confiar em sonos pesados alheios (já tive péssimas experiências), assim como o receio de que me confundissem com algum sobrinho deles - imagina o forféu que não seria o grupo de whats da família, os avós escandalizados que a neta está saindo com um parente, e a discussão sobre quem seria esse parente misterioso. Mas, claro, o que eu disse foi que não podia porque ficara de cuidar do sobrinho - o que era verdade [bit.ly/cG240112].

Assim, sobrou a opção motel - que não acho ruim, mas é caro, ainda mais quando tenho que soltar todo o tutu sozinho. Fui pesquisar na internet algum que fosse interessante de custo e, quem sabe, de instalações também. 

É muito evidente quando o dono do motel deve ter estudado na Universidade ou em alguma outra instituição pública ou não. E quem lia o Trezenhum. Humor Sem Graça. quando ele ia ao ar (ou leu o livro, que ainda está à venda, diga-se de passagem e não sem propósito), vai se lembrar e entender o porquê. Quem não leu eu explico logo: os nomes dos pratos do Bandejão da Universidade nunca eram “bife ao molho escuro” (salvo uma vez, quando o estagiário conseguiu um emprego e deixou o Bandejão órfão de criatividade), e sim “bife parisiense”, “bife primavera”, “bife italiano” etc, sendo que todos eram bifes no molho escuro, um com cenoura, outro com batata, outro com cenoura e milho (o primavera), mas que em nada alterava o sabor ou a apresentação do referido prato de bife ao molho escuro - isso quando achávamos uma batata ou um milho. Aos motéis, enfim.

Sim, sei que os quartos são identificados por números - e não apenas os sexuais 69, 29, 24 -, porém antes disso eles parecem ser obrigados a ter um nome fantasia. Alguns moteis se saem relativamente bem, dando a descrição do quarto como nome - não raro com um “luxo” “premium” “prime” “black” “gourmet” “vip” ou “top” para dar um ar mais high society. Vale lembrar que “não raro” quer dizer nem todos - e é aqui que se vê que faltou um estágio no Bandejão para dar um nome mais charmoso para o básico sem graça. 

Creio que não será exaustivo trezer aqui os exemplos alguns belos nomes sem sentido para suítes de moteis. 

Logo no primeiro que vi: “casual”, “louge”, “acaso”, “trip”, “tantra”, “design”, “deluxe”, “loft”. O que liga lé com cré nesses nomes, não sei. Mas uma "suíte trip" é para quê, uso de alucinógenos? "Suíte tantra" vem com massoterapeuta incluso? E a "suíte kitnet-com-nome-chique"? "Suíte louge" seria tipo uma sala de reunião refinada? Pior é a "louge com lareira": ir pra uma suíte acender fogo e ficar fedendo fumaça? Em outro, temos a "Zapt", a "Erótica" e outras, todas absolutamente iguais, salvo a posição do ar-condicionado e a cor da cabeceira da cama. 

E que tal chamar de "suíte espuma" porque tem hidro e teto de bolinhas? Outro deu nomes de frutas. Fiquei a me perguntar se seria para um casal depois de brincar de salada mista, porque, como de praxe, as suítes não tinham diferença de uma pra outra, salvo a “morango” (que não tinha na brincadeira... seria um sinal?). Um dos moteis colocou “Suíte Family” para a que tem piscina: é motel ou é clube? Suítes “selinho”, “beijo”, “beijo roubado”, “beijão” e “beijão molhado”, que tal? Senti até o cheiro de bife rolê do Bandejão ao ler esses nomes.

As temáticas BDSM também estão em alta. Via de regra, uma pior que a outra; e o nome mais comum é, preste atenção a desocupada leitora, o desocupado leitor em toda a originalidade: “50 tons”. Nenhuma suíte “120 dias”, frustrante. Um motel tenta um cafona “50 tons de amor”. Outro, que deve ter feito Universidade, meteu nessa temática o nome de “Bastilha” (vários motéis colocam nomes de cidades, principalmente europeias, principalmente dentro desse principalmente as francesas, e sinceramente espero que não seja uma referência aos hábitos de limpeza dos povos civilizados que nos colonizaram, mas tenho minhas dúvidas). Já outro, claramente não afeito ao Bandejão, colocou logo “Suíte clássica com X” - visto que é basicamente isso que há nesses quartos “sadomasoquistas”, salvo um, que parece ser o porão de uma casa velha. Destaque também para um motel que colocou o nome do quarto como “suíte 50 tons sem hidro”: não seria mais sensato destacar o que tem nos quartos, e não o que falta? Nem eu consigo ter tanto antitino comercial! (Gostei do termo antitino, além de parecer algum princípio ativo de remédio homeopático, antitino, dá uma cacofonia gostosa de falar, antitino. Experimente você aí). E é aqui que a gente vê a falta que faz ter convivido com nomes criativos para o mesmo bife ao molho escuro.

Um, em meio a suítes “luxo”, “vip” e “presidencial” (quase todo motel tem uma, deve ser uma fantasia comum se achar presidente, ainda mais depois que um apedeuta microcéfalo e micropeniano chegou ao Planalto) mete uma “suíte acessível”: é para a pessoa se sentir quase constrangida a escolher outra, ou vai ver é uma suíte BDSM com viés sociológico (escroto, mas sociológico). Outro não tem papas na língua: é “simples”, “hidro” e “temática” sem tema algum - talvez seja um convite à criatividade do casal, pensar algum tema naquelas paredes brancas e espelhos por todo lado.

Por fim, depois de muitas pesquisas e cálculos, levei meu broto no quarto “Luxo Super Premium” (que é sem hidro, apesar de não avisar), um nome de impacto (sem ser tão brega) e sem grande impacto no meu orçamento. Quatro dias depois ela me mandou mensagem, avisando que estava com micoses. Perguntei se isso não seria um sinal de afinidade extrema, pois eu também!

Casal unido, pega micose unido!

Ela não gostou da minha brincadeira e me pôs na geladeira. Próxima vez pego a suíte New York e ela que não reclame se acaso tiver ratos andando por cima de nós enquanto nos divertimos.


05 de fevereiro de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

PS2: sim, a imagem que ilustra este texto, essa pia que parece de uma churrasqueira de república masculina, é de quarto de motel, de uma "Suíte 50 tons".


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Fim de tarde na sala da casa de Pato Branco


Na sala, a tevê muda - esperando o jornal começar para ver as manchetes. Mãe borda no sofá, pai, na cadeira, lê uma revista - deve ser a Carta Capital -, com a perna direita cruzada sobre a esquerda. Chuvisca lá fora. Pai larga revista, esfrega os dedos nas palmas das mãos.

Vai seguir chovendo, olha como está lisa minha mão - e mostra à minha mãe.

É verão, por isso a claridade ainda é grande, mesmo já tendo passado das sete. Chove, mas um sol tímido se apresenta pela casa. A temperatura está amena. Meu pai se levanta.

Deja, você podia aproveitar e me trazer uma cuia.

É para já - ele responde e se encaminha para a cozinha. Logo dá para ouvir o barulho da chaleira sendo aberta, a seguir do forno do fogão, onde foi pegar um pedaço de salame.

Essa não é uma lembrança, isso não aconteceu. Quer dizer, não até cinco minutos atrás. Hesito em chamar de imaginação ou sensação essa nova vivência que me veio ao tomar este chimarrão já lavado e encilhado, neste início de noite chuvoso. Pego a prancheta, coloco Mogwai, What are they doing in heaven today, que muito ouvi lembrando da Misson, e construo esta nova lembrança de um dia banal de meus pais.


12 de janeiro de 2024

Dumbo e a importância do bullying na formação do caráter e do sucesso [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

É sabido que gosto de crianças - guardada razoável distância. Acho elas fofas, lindas, espertas, interessantes. Isso tudo desde que não ultrapassem 40 decibéis, mantenham o dobro da distância social defendida na pandemia, e tenham a energia de uma pilha falsificada Eveready do gatinho. Se não for assim, se a criança me estressar, é bom os pais saberem que retribuirei com um trauma ou uma fobia nova. De qualquer modo, preciso ampliar meus critérios, que estou muito bonzinho. Afinal, mesmo assim, decidiram enviar para passar os embalos de sexta à noite comigo meu sobrinho de oito ou nove ou dez anos. Ou sete, não sei e não creio que um ou três anos faça muita diferença. 

Cá estamos, eu na poltrona, ele no canto oposto do sofá, respeitando o distanciamento social; ele olha para mim ou para o nada, sem fazer nada (e sem sono, tampouco, parece que a bateria estava não necessariamente fraca, antes mal regulada); e responde laconicamente às minhas perguntas, num tom quase inaudível.

A situação me agonia. Ele está com um celular, mas não se interessa; trouxe um livro, mas não se interessa (e não sei se cabe oferecer algum outro, do Donaltien Alphonse François, talvez? Sei que não é para sua idade atual, mas um dia será, e é bastante vívido!), e eu constrangido de seguir minhas buscas de moteis com ele ao lado. Óbvio que não vou tentar animar a criança: vai que ela está em stand by e quando for ligada sai em correria ensandecida pelo meu apartamento, roe meus chinelos, mija no pé da minha mesa... sei que tais atos costumam ser hábitos mais caninos que humanos, mas vai saber se as crianças brancas não estão se organizando mundialmente para receber menos brinquedos e mais atenção e carinho, e para tal, não estão agindo como “pets” para conseguirem lograr esse seu objetivo?

Enfim, com a situação parecendo uma guerra de trincheiras estagnada, decido que a partir daquele momento “minha casa, minhas regras”, e resolvo pegar um desenho animado para assistir, queira ele ou não, ou melhor, possa ele ou não: porque seus pais querem ser descolados mas elitistas ao mesmo tempo, e colocaram o menino numa escola Woldemorf, e não sei se ele já pode ver tevê ou o que - ainda que tenha celular...

Ele me olha assustado quando ligo a tevê, como se estivesse fazendo algo proibido. Decido por um desenho clássico e instrutivo: Dumbo. Pergunto se já tinha assistido, faz que não com a cabeça (talvez tenha falado também, mas não ouço) e falo isso que acabei de contar a você, desatenta leitora, desatento leitor, que é um desenho clássico e instrutivo.

A história é conhecida dos mais antigos, que já adentram a idade que poucos superam, a dos “enta”. Uma mãe elefanta, cujo sonho de vida é ter uma cria, demora para parir (talvez por toda a adrenalina liberada, que não permitia a bolsa romper), e esse atraso faz que dê a luz a um elefantinho com fimose nas orelhas, Jumbo.

Jumbo sofre bullying desde que nasceu, sendo ridicularizado pelos outros elefantes - que o chamam de Dumbo (e eu não entendi o jogo de palavras) -, e pelas crianças que visitam o circo antes do espetáculo para poder ajudar a torturar os animais. 

Mamãe elefanta, que dá muita importância à opinião dos outros, parte pra porradaria para proteger o filhote e acaba indo para a solitária circense, apartada de todos os demais - Dumbo, inclusive, que sequer mamou desde que nasceu, mas já marretou prego.

Sozinho e repelido por seus pares, Dumbo é rebaixado a palhaço e com isso é excluído de vez do grupo dos elefantes - pelos próprios -, e passa a ter como único amigo um rato, que é também seu coach e empresário (ou seja, de se questionar se é mesmo seu amigo). Os palhaços é que ganham notoriedade com esse reforço no espetáculo, cuja função é pular de trapézios cada vez mais altos numa piscina de chantily. Num desses pulos, já devidamente treinado por corvos para usar suas orelhas para voar - graças ao rato-coach -, Dumbo sai voando e planando, e se torna a grande atração, o grande astro do circo, de modo que ele e a mãe ganham um vagão especial só pra eles, enquanto o dono do circo enche as burras de dinheiro e todos os demais animais seguem explorados e mal pagos (só para constar, Dumbo é explorado também, ele não virou o dono dos meios de produção porque produziu conteúdo de sucesso no circo). Destaque para a importãncia de encher a cara desde criança, como forma de liberar os potenciais artísticos de qualquer ser.

Como sei que nas escolas Woldemorf é importante sempre conversar para aprimorar o conhecimento da criança, e é preciso mostrar o mundo sempre bonito, sempre o lado bom das coisas, findo o filme, consigo, finalmente, engatar uma conversa - é sobre a moral do desenho. Moralismo sempre dá muita conversa, não adianta.

A conversa é longa, cheia de rodeios e umas horas carente de senso de realidade, mas ao cabo conseguimos chegar a uma posição de consenso e edificante: foi graças ao bullying, às humilhações, à exclusão que os outros elefantes fizeram com Jumbo que ele pode descobrir e vivenciar seu potencial, e desse modo ganhar vários confortos que seus iguais não tinham, justo porque ninguém ali se destacou, conseguiu virar um astro, um influenciador. Ou seja, só o sofrimento traz recompensas ao trabalhador e o sucesso ou fracasso depende exclusivamente de cada pessoa, de como cada uma reage ao que a vida lhe dá - no máximo cabe ser bem assessorado. Tivesse ele sido tratado bem desde sempre, com suas orelhas diferentes do comum sendo ignoradas por serem algo sem relevância - como é o caso -, ele não teria sido mais que um elefante, fazendo o trabalho pesado de empurrar jaulas na chuva, para depois voltar para a sua, e no palco sendo só mais uma atração anônima entre tantas. Meu sobrinho hesita sobre essa conclusão, mas quando pergunto o nome de outro elefante da história, ele não sabe responder e precisa dar razão aos meus argumentos.

Ele se mostra contente com nossa conversa filosófica e a conclusão positiva que conseguimos chegar do bullying e sua importância. Sequer começamos a discorrer sobre as implicações práticas, como na escola, onde poderá estimular o sucesso dos coleguinhas ao ridicularizar seus pontos destoantes e/ou vexatórios - mas tenho certeza que ele as alcançará por si. Nessa hora seu celular toca, alguns de seus estimados progenitores avisa para ele ir se aprontando, que logo chegarão para pegá-lo. Olho para o aparelho, pergunto se tem o jogo da cobrinha.

Tem, mas meu pai não me deixa jogar, é só para ligação mesmo.

Vai sobrinho, vai ser Dumbo na vida.


12 de janeiro de 2024.

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

O novo estagiário [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

A ideia era falar sobre as férias, já que recém retornei das minhas merecidas e insuficientes. Contudo, por ser um assunto com muitos desdobramentos necessários, deixo para um futuro indefinido, e hoje me centro no retorno a esse espaço que me acolhe por oito horas todos os dias - também passando ao largo de toda a tristeza que é isso, apesar dos amigos que tenho no trabalho, que são boas pessoas, mas é muito mais divertido encontrá-los no bar, e boa parte dos colegas é muito mais agradável nem encontrá-los, sequer lembrar que existem.

Enfim, cheguei das férias um pouco atrasado, porque me parece justo a primeira semana ser para se reaclimatar aos horários e todo o sofrimento da labuta. Fui para minha baia, com aquela sensação de que valho um pouco menos que um boi - o que mostra minha condição privilegiada, estar próximo ao valor de um boi e não de um bife de acém -, olhei ao redor, em busca dos quatro rostos novos prometidos para a virada do ano. Identifiquei apenas os dois estagiários - até porque a aparência destoa bastante. O que me chamou a atenção, contudo, foi que um deles estava ocupando a mesa do Desembargador (que havia sido de férias imediatamente antes de mim). Pior: o dito cujo vinha com uma desenvoltura que eu gostaria ter aos meus vinte e poucos anos, e agia como se fosse funcionário há anos, inclusive me cumprimentando animadamente - que respondi com frieza, porque é da minha natureza ser desconfiado. Ele não tardou para vir até mim, e antes de se apresentar já anunciou:

Preciso te contar as novidades!

Olhei perplexo aquele rosto que destoava da voz:

Desembargador?!

Dizem por aí que a barba é a maquiagem do homem. Reparo em alguns de meus colegas: Macedo, Carnegie, Desembargador, doutor Sabujinho, Martão e eu mesmo, todos com as faces cobertas em parte ou totalmente por pelos faciais. Se é assim, estamos mal: mesmo “maquiados”, seguimos com uma aparência que até nossas mães não conseguem elogiar muito esfuziantemente, porque sabem que a realidade foi um pouco dura conosco - menos com o doutor Sabujinho, que além de feio é acabado, apesar de ser o mais jovem dessa lista, e a mãe dele só é capaz de elogiá-lo se for mitomaníaca, porque para tudo há limites.

Pois é, o jovem imberbe na verdade não era o novo estagiário, e sim o próprio Desembargador desembarbado.

Aproveitamos as férias em Punta Cana e noivamos! E mostrou a aliança. 

A barba feita era por conta de ele e o noivo terem decidido limpar a cara e assim permanecerem por um mês, para marcar esse novo ciclo da vida de ambos. Reparei bem, me pareceu quase reserva de mercado: juro que vi pelo menos duas grandes espinhas no seu rosto, o que ele nega; e quem na nossa idade iria dar em cima de um rapazote que você jura que passa horas trancafiado no banheiro se masturbando e sonhando com sua primeira vez?

Me mostrou a foto do noivo, e depois de me certificar que o homem da foto era seu companheiro há mais de um ano, que eu bem conheço, creio que entendi melhor a importância do ato: caso algum dia acontecesse de terem que tirar a barba sem avisar, eles precisam ser capazes de se identificar.

Cumprimentei-o pelo noivado, desejei felicidades ao simpático casal e já avisei das minhas restrições alimentares para o jantar. E decidi escrever este texto para discretamente sugerir que deixem a barba, fica melhor.


11 de janeiro de 2024

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Martão, aprendiz de Rivarola em como ser inconveniente [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça]

Já comentei alhures do colega Rivarola, o doutor Sabujinho do setor. Um colega servil com os chefes, desleal com os colegas e assediador das colegas. Um tipo feio, que parece figurante d'Os Simpsons, inconveniente, chato e de piadas precárias. 

Sempre me pergunto se alguém consegue achá-lo interessante, e penso que sua esposa tem uma auto-estima sofrível para aceitar estar com ele - porque se concordasse com as ideias liberais dele, teria largado um fracassado desses, que mesmo com doutorado no exterior e MBA numa das melhores escolas do Brasil, foi por um tempo motorista de Uber, como forma de complementar a renda, pois o sustento quem leva é a esposa (até hoje o salário dela é superior, mesmo eu não sabendo quanto ela ganha). E pior que nem é porque ele não aprendeu nada nesse MBA - o problema é mesmo de incompetência.

Uma coisa que aprendi com chefes formados nessas “melhores escolas” é que assédio moral e terror psicológico são a maneira de gestão de pessoas preferidas deles. Não conheci um chefe liberal dessas escolas que não fosse um filho da puta sem escrúpulos e ética. Pois foi com a chegada de uma nova colega, a Lima, que notei todo o esquema pelo qual Rivarola mescla assédio sexual com o moral. Na verdade, essa deve ser a única chance de conseguir dar uma escapada da “patroa” (provavelmente ele deve usar esse termo na roda dos amigos da igreja) sem precisar pagar para um prestadora de serviços sexuais, injustamente mal afamadas (e não há ironia nessa frase). Uma moça novinha, pouca experiência de vida, menos ainda de mercado, recém chegada a uma grande empresa costuma chegar sempre acuada: vai ser difícil se levantar contra o assédio - de um colega que parece tão popular e querido, ainda por cima -, e pôr seriamente em risco o emprego recém conseguido.

Acho que sua esposa sabe o marido que tem e por isso não se incomoda de ele ser esse galanteador fajuto, pois nunca vi suas empreitadas terem sucesso - que fosse um segurar a mão mais longamente (sem ser em joguinho pré-adolescente dele), uma bitoquinha, uma troca de olhares calientes, nada, nem no serviço nem nas confraternizações. Desembargador discorda, diz que apesar de ele ser acabado e desagradável, deve conseguir, sim. Meirelles não acredita, e se arrola o local de fala de mulher sensata. Nisso eu que preciso discordar dela: pois se ela é, sim, sensata, isso não vale para todo mundo - a começar pela esposa do doutor Sabujinho. Sem argumentos, ela resmunga concordância e admito ter ganhado o dia aí, porque consegui ser mais rápido que a Papa Léguas do raciocínio, logo eu, que sou sempre o último a entender as piadas, quando entendo. Todos democratas no grupo, recorremos aos princípios da pólis ateniense, e para não perder tanto tempo discutindo o sexo do anjo, fizemos uma votação, cuja tese vencedora foi a de ele não consegue nada, digo, que ele segue os mandamentos da igreja e é fiel, até que se prove o contrário.

Pior que nem era dele que eu queria falar. É da minha suspeita, despertada com a chegada da colega Líbero e confirmada agora: Rivarola está fazendo seguidores. É Martin, que quase tem um chilique se não falamos “martãn”, com esse ã francês bem assinalado, de onde eu prefiro chamá-lo logo de Martão, e me justifico com minha caipirice de quem fala “croisã” na padaria - e com recheio, ainda por cima! Enfim, Martão chegou pouco depois de mim no setor, não parece personagem decadente d'Os Simpsons, mas o Batatinha com pitadas do Gênio, da turma do Manda Chuva, da Hanna Barbera, só que insosso e muito bobo (por falar e Hanna-Barbera, sim, eu sei que se eu puser um chapéu e um suspensório verde eu pareço o Zé Buscapé). Quer dizer, eu achava ele muito bobo até isso - agora já está em outro patamar.

Pois na apresentação de Lima, ainda no grupo de whats, um dos colegas foi traído pelo corretor e soltou um “seis bem vinda, Lima” (a vírgula do vocativo fui eu quem pus). Demos todos as boas vindas virtuais, ainda que minha vontade fosse dizer “pêsames, você veja que merda o capitalismo faz com a gente: você vai ter que trabalhar aqui, e nem é o pior lugar”. Na segunda-feira, quando chega a infeliz para o trabalho presencial, Rivarola, tendo feito a avaliação da colega e achado que vale a pulada de cerca que ele tanto deseja, não perdeu tempo e para o setor todo ouvir soltou um “Seis bem vinda, Lima! Bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda”, com amplo e bôbo gestual - um pateta ridículo. Algumas pessoas deram uma risadinha amarela, uma que outra pessoa achou graça (certeza que é liberal e votou no coiso, ao menos no segundo turno), Lima ficou sem graça, visivelmente acuada, mas sorriu, ia fazer o que?; Carnegie ficou puto, como sempre, mas não sei como conseguiu não falar alto, permitindo que só nós da baia ouvíssemos: 

Esse filho da puta é engenheiro e não sabe nem contar: deu sete bem vindas, porque teve o primeiro. E, por fim, concluiu: sete é o número da mentira.

Achávamos que a cena constrangedora de assédio na frente de todos já tinha acabado, mas eis que entra em ação Martão, e mete os mesmos sete bem vindas de Rivarola.

Martão se perdeu no desenho e achou que o cósplei magro do Barney Gumble é o Manda Chuva.

Com essa minha frase arranquei mais risadas dos colegas próximos que Rivarola da sala toda.

Uma discussão até começou, mas preferimos pensar melhor, com calma, em casa. Para amanhã, se nada mais urgente aparecer, na nossa conversa de pós almoço iremos deliberar se o paspalho-mor do setor é Rivarola, o doutor Sabujinho, pela originalidade, ou Martão, o Batatinha-Gênio, por nem isso ter e imitar uma pessoa desnecessária, que talvez só ele veja como alguém legal.


13 de dezembro de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Sobre os tempos que não voltam mais [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça]

Estávamos conversando aleatoriedades no pós almoço e acabamos entrando no papo “de um tempo que não volta mais”, como diz o poeta - ainda que esteja pra ver tempo que volte (a não ser como farsa), e mesmo ver algum poeta de verdade usar uma frase tão ruim. Enfim, conversávamos sobre nossa juventude, em especial os tempos de faculdade. Quem falara até então fizera questão de contar seus feitos pretéritos - quase difíceis de acreditar, a se ter como parâmetro as tristes figuras atuais, Dons (e Donas) Quixotes derrotados pelos moinhos de vento (ok, exagero, estamos todos ótimos, nem parecemos tão velhos assim).

Nisso, Macedo, talvez também descrente daqueles feitos todos, resolveu encarnar o Álvaro de Campos, e sem mudar o assunto, resolveu diversificar o tom da conversa, ao melhor estilo do Tabucchi: “Perguntei-lhe sobre aquele tempo, quando ainda éramos tão jovens, ingênuos, impetuosos, tontos, despreparados. Algo disso restou, menos a juventude - me respondeu”. Contou dois de seus feitos em não conseguir ficar com ninguém.

Eu ia perguntar se ele estava contando isso para provar aos solteiros da mesa que um início pífio não necessariamente não culminaria num final feliz, redentoso - e esse papo good vibes era mais a cara do Carnegie, que já tinha contado seus feitos futebolísticos, que só não tinha virado um grande astro ludopédico porque se recusava a vestir um uniforme que não fosse verde, e o seu amado clube não o quis, digo, ele teve outras prioridades e precisou abdicar do esporte -, mas Goreti se intrometeu e interjeitou, cabal: 

Esse é dos meus!

Como assim? Não entendi e pedi para ele se explicar. 

Empolgado, contou que não era só um pega ninguém (palavras dele), como ainda conseguia se queimar com as garotas nas baladas: no meio da tentativa de corte vinha uma frase absolutamente infeliz, e a seguir, rapidamente, a consciência de que tinha falado merda e perdido a chance - só não mais rápido que havia sido pra proferir tamanha groselha. Preferia nem se alongar muito, e como o atacante que perde o gol a dois metros do travessão e sem goleiro, isolando a bola nas arquibancadas, ele perdia o gol e já saía para buscar a bola e não voltar. 

Pior - continuou ele -, dei fora em duas garotas que eu estava super apaixonado. E contou os casos. 

Me sensibilizei com sua tentativa de não deixar Macedo sozinho como o fracasso juvenil, mas éramos da mesma faculdade e eu conhecia sua fama.

Que fama?!

Achei manjado esse lance de se fazer de humildão, depois de desentendido. Entretanto, me pareceu tão convicente nessa atuação que resolvi entrar no jogo e ver até onde iria.

A de mineirinho come quieto.

De onde você inventou isso?!

Inventei coisa alguma, era sua fama!

De onde inventaram isso?!

Ué, sempre tinha um monte de mulheres correndo atrás de você, você acha que a gente não sabia que você devia ficar com a maioria delas, só não saía contando por aí.

Que mulheres correndo atrás de mim?!

Muitas! Você arrancava suspiros apaixonados, quase o Tom Cruise da faculdade (só se for no tamanho da napa, ele pontuou). Era um dos mais requisitados! Disse o nome de três delas. Ele murchou e disse que era apaixonado pela primeira citada.

Pois ela era por você, achamos que vocês tinham ficado, não tinha dado liga e por isso ela parou de falar de você. Na verdade todo mundo achava que você tinha ficado com as três.

Certo, as mais cobiçadas da faculdade, totalmente factível! Quem mais?

Disse mais uma.

Ela não me achava com cara de psicopata?

Isso você soube, é? Mas uma coisa não invalida a outra.

Vai ver ela tinha uma paixão pelo perigo - completou Macedo.

O perigo com o Goreti é a de morrer esperando - contra argumentou Meireles.

Garantiu que não tinha ficado com ela também, porém ainda não me convencia que não era o galã pega todas da faculdade, por mais que Meireles confirmasse que já tinha ouvido suas histórias de fracasso. Sem falar que isso acabava até com a moral da história do Macedo (ao menos a que eu tinha imaginado), já que Goreti era um dos solteiros da mesa - e é solteiro não por convicção.

Com quem você viu eu ficando, ou soube de boa fonte, salvo minha namorada do primeiro ano e a ficante do último semestre?

De fato, eu nunca tinha visto ninguém além dessas duas, e ninguém tinha nunca contado uma fofoca do tipo. Mas e a fama?

Eu quem pergunto: por que você nunca me avisou?!

E eu lá ia saber que você não percebia as mulheres caindo em cima de você?

Porra, eu com essa fama toda e não pude aproveitar! E você só me conta duas décadas depois!

Macedo, talvez um pouco decepcionado por ver que seu caso era menos de competência e mais por outros atributos, assim como abriu, fechou o assunto:

Pois veja pelo lado bom, caro colega: ficou com a fama sem ter tido todo o trabalho.

Achei justa a colocação, Goreti é que já vai para mais de uma semana desolado com os tempos que não voltam mais.


09 de novembro de 2023


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Carrinho de picolé

Há quatro anos minha mãe veio a São Paulo para meu aniversário - e, de quebra, conhecer o apartamento para o qual eu havia recém mudado. Chegou no fim da tarde e no outro dia pela manhã, tão logo acordei, me perguntou, perplexa:

Dani, eu meio que acordei de madrugada com galinhas cantando, como acontecia quando eu era criança. E não deu a impressão de que foi um sonho.

De fato, não havia sido um sonho: no pátio da escola em frente havia várias galinhas, que faziam barulho o dia todo - que eu adorava, diga-se de passagem.

Mas não estamos a um quilômetro da avenida Paulista?

Em Pato Branco, minha mãe só voltaria a ter esse tipo de experiência no fim de sua vida, quando voltamos a morar com ela e meu irmão pegou quatro galinhas para criar no quintal.

Somado a isso, o fato da rua ser muito silenciosa fazia com que eu me sentisse em outro lugar, no interior ou em outro tempo, ainda que pudesse desfrutar das vantagens da maior cidade das Américas em vinte minutos de caminhada. As galinhas, infelizmente, sumiram no meio da pandemia. Restou a escola, cuja algazarra dos alunos todas as manhãs remete à minha infância: na esquina de onde morava, estava a escola Dona Frida, a segunda escola da cidade, e a hora do recreio a gritaria era tanta que abafava até mesmo o som da serraria que ficava a uns cinquenta metros (sentido centro da cidade). Esse fuzuê foi muitas vezes meu despertador. Foi a destruição dessa escola, que era também a casa da dona Frida, uma das pioneiras da cidade e então com Alzheimer, que fez com que eu deixasse de reconhecer Pato Branco como minha cidade - se reduzindo, então, à casa de meus pais.

Hoje, sem galinhas na escola e um ano a mais para pôr nos formulários, acordo cedo e tomo café com Lia. Ela sai para o trabalho e eu volto a dormir. Era para eu estar no início de minhas férias, mas o burnout chegou antes e com ele a licença médica. No meio da manhã, tal qual minha mãe quatro anos atrás, acordo com sons familiares, e me questiono se sonhei ou não. Apuro os ouvidos e novamente toca o “apito de picolé”, que me leva à casa de meus avós maternos, na periferia de Ponta Grossa (em Pato Branco os vendedores com carrinhos ainda não tinham incorporado essa tecnologia). 

Havia os picolés de água, que eram doces, mas perdiam o gosto muito cedo e eu ficava incomodado de jogar fora o gelo que sobrava (meu pai toda refeição ressalva o “com tanta fome no mundo, nunca desperdice comida!”), havia os de leite, que eram melhorzinhos, e havia os de massa, meus favoritos, mas além de serem caros, segundo minha mãe, eu só comprava se fosse comer em casa, com uma colher de verdade, porque o sorvete vinha com uma colherzinha de pau e desde cedo eu tenho ojeriza a esse tipo de artefato na boca - mesmo que seja ver outra pessoa: meus amigos e colegas de trabalho sabem, já presenciaram meu escândalo involuntário quando essa cena aterrorizante acontece em minha frente.

A recordação é nostálgica e gostosa. Apita novamente. Sinto falta o barulho das galinhas de meus avós para a lembrança ficar completa - Ponta Grossa era um permanente domingo para mim, mesmo eu já crescido. Vou até a janela, não vejo nenhum sorveteiro. Será algo na escola? Ouço outras duas apitadas até que surge em meu campo de visão um homem oferecendo amolação de facas e outros objetos cortantes. É então que noto que a lembrança é boa porque meus pais tinham emprego, salário, podiam pagar um sorvete desses; não eram eles a empurrar esses carrinhos baixos, todos os dias, debaixo do sol, no calor, assoprando o dia todo as mesmas notas, contando trocados para ver se pagavam as contas básicas do dia.

A memória é traiçoeira. O que para mim é algo gostoso, no fundo é só o apito da precariedade na qual vive a maior parte da população, situação piorada desde 2015, quando foi empurrada para uma sobrevivência indigna pelas nossas elites  - coloniais, mesquinhas e pusilânimes -, e justificada a quem sofre esse açoite desnecessário por uma mídia sem escrúpulos e por mercadores da fé que fazem da religião uma droga - mas não o ópio apontado por Marx, e sim aquela entregue às crianças-soldado, descrita por Ahmadou Kourouma.

O apito do picolé passa. A lembrança dos cheiros e texturas da casa de meus avós também se esvai. A exploração e as injustiças sociais perduram.


19 de outubro de 2023


sexta-feira, 21 de julho de 2023

Banheiro interditado, 2 - o desvelar de um mistério [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça.]

Nos anos 90, as pessoas mais antigas vão se lembrar (não que eu tenha como me lembrar disso! Foi uma dessas que me contou, me falha a memória se foi o nobre colega Carnegie ou a nobre colega Meireles), havia uma propaganda de refrigerante em que, num primeiro momento, um líquido verde insinuantemente refrescante era despejado num copo; no momento seguinte a câmera abria o plano e no vasilhame do qual tal líquido saía e lia-se “óleo de fígado de bacalhau”; a seguir a voz em off recitava o slogan: “imagem não é nada, sede é tudo. Respeite sua sede”. Moral da propaganda: podemos ter sede do que for, inclusive de óleo de fígado de bacalhau, e isso merece ser respeitado por todos. Havia também quem interpretasse a mensagem como um alerta de que as imagens enganam, mas não acho que uma propaganda teria interesse em ludibriar alguém.

De qualquer modo, vou utilizar essa segunda interpretação para falar de criança: aparências enganam. Crianças bem comportadas, ou costumam ser pobres crianças reprimidas e infelizes; ou não são tão bem comportadas assim. Falo por experiência própria: sempre fui essa criança exemplo para professores e pais de amigos: artes fazia algumas, claro, mas eram coisas simples e não mereciam nem uma bronca de verdade. As artes mais espoletas, que mereciam ir para direção, tomar bronca, chamar os pais, quando não faziam a coordenação quase ter um chilique, essas eu nunca fiz - apenas era o mentor intelectual para meus coleguinhas com menos tino (e menos ideias).

Uma das grandes estratégias que criei quando criança foi sugerir que dois colegas arranjassem qualquer pretexto para serem levados pela professora para a coordenação, deixando livre até sua volta ou a chegada do bedel para outro colega aprontar alguma, como esvaziar o extintor de pó no corredor (outra ideia minha). Deu muito certo! O problema foi que meu colegas adoraram a estratégia e depois de três vezes ficou evidente o estratagema. Houve outros casos, mas não me lembro agora - nem depois, e se alguém lembrar, não é verdade!

Em meu último texto acerca do ambiente laboral no qual me encontro, comentei do banheiro, o aviso de interditado numa das cabines, ainda antes dos efeitos se fazerem sentir pelas vias olfativas, a estranheza de tal aviso estar escrito em giz de cera, e as marcas na porta da outra cabine - não sabíamos se de um rato (ou outro animal) ou de alguém com prisão de ventre violenta. Terminava as referidas linhas com um serviço de utilidade pública, sugerindo ao dono do intestino com sérios problemas de tráfego que comesse mais fibras. 

Se essa sugestão foi útil, não sei - creio que não -, porém o texto não deixou de ter suas utilidades. Duas, para ser mais específico.

Isso graças à colega Nudd (sim, tenho uma colega a uma letra de ser uma Ludd, e nem isso a sensibilizou a se tornar uma ludista). Ela leu meu texto e o pavor do rato no banheiro se espalhou agora também entre a ala feminina do setor. A tese de Macedo, o nobre colega, das marcas serem de alguém com prisão de ventre, não convenceu - também ninguém se apresentou como sendo o autor daquelas marcas de unhas na porta da cabine. 

Eis a primeira utilidade pública: agora temos todo um setor com medo de se sentar no trono durante o expediente. Provavelmente os chefes, se ficarem sabendo da minha existência e destas mal traçadas linhas, vão me agradecer, pois isso significa menos tempo ocioso. Claro, como bons liberais que são, tem suas limitações cognitivas, e nenhum momento em seus MBA de gestão de pessoas e negócios eles devem ter se questionando se uma pessoa com vontade de ir ao banheiro renderá mais que uma pessoa com suas funções fisiológicas elementares satisfeitas - o importante para eles é que seus subordinados fiquem o maior tempo possível na posição de trabalho, mesmo que não estejam trabalhando (para um liberal, imagem é tudo; e sede dos outros, ou qualquer outra necessidade que não lhe renda lucro, não é nada).

A segunda utilidade pública foi saber que nosso estranhamento com o cartaz não era sem motivo - a começar pelo fato de que a cabine não parecia estar com problemas naqueles dias. Estamos em julho, ou seja, férias escolares. Consequência lógica: volta e meia algum colega traz seu pimpolho para passar oito horas aqui, por falta de para onde despachá-los e não terem ainda idade para ficarem sozinhos em casa. A colega Nudd foi uma que trouxe a filha algumas vezes - uma garota de uns dez anos, muito bem comportada, ainda que faladeira, se lhe derem atenção. Pois ao se deparar com a foto que ilustrava o texto anterior, com o aviso de banheiro interditado escrito em giz de cera azul, de pronto a colega Nudd reconheceu a letra da filha - ou seja, não havia interdição alguma na cabine. 

Sim, uma criança bem comportada - como eu era.


21 de julho de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.