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segunda-feira, 9 de junho de 2025

Usos alternativos da escada de emergência [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

 O clima não anda muito bom na empresa. Não que isso seja novidade - e nem é culpa especificamente da empresa (mas é também). “Não há trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar”, já dizia o Seu Madruga. Mas sempre dá para piorar. Dunker e Safatle apresentam o neoliberalismo, no nível micropolítico, como forma de gestão do sofrimento psíquico - a tal qualidade de vida que o modelo de gestão de pessoas 4.0 apregoa é coisa do passado, se é que algum dia existiu de verdade tal preocupação por parte das empresas (eu acho que sempre foi uma mentira). Atualmente, devem seguir uma versão corrompida dos dois fatores de Herzberg, as melhores, quando não é a lógica do chicote no lombo, mesmo.

Mas por que toda essa introdução? Hoje Goreti chegou com uma garrafinha nova. Um emoji feliz e os dizeres: “Uma garrafinha feliz, porque o resto aqui é só tristeza”. Ousado. Temero. Eu receio a hora que o chefe a veja. Talvez abra um sorriso sarcástico e pense “vamos apertar a coisa, para ele ver o que é tristeza de verdade”, e use seus conhecimentos de coach para assediá-lo. Ou seja mais direto e ofereça a porta da rua, caso ele esteja descontente - com certeza não vai demiti-lo, porque vai ser difícil achar alguém para substituí-lo. Mas pode ser que nada disso aconteça: ele não veja a garrafinha e vida que segue, em doses homeopáticas de assédio e ranço. Goreti já distribuiu exemplares do Manifesto Proletário, do Capirotinho, e até agora nada aconteceu - a não ser formas difusas de boicote, apesar que eu preferiria uma revolta, com coquetéis molotov, fascistas e militares pendurados de ponta cabeça e tudo o mais. Como isso não está no horizonte, nos resta as recusas silenciosas.

Está ruim para nós, mas está ainda pior para Shôri, colega do setor ao lado, apresentada a mim e a Macedo pelo Fernandez, Colega do Topo (que anda meio sumido). Fora os assédios no trabalho, ainda tem que dividir o fumódromo com a chefe - que faz questão de ir pouco depois de ela sair -, que aproveita o momento de relaxamento para cobrá-la mais por mais resultados (não foi engano o duplo mais). Cansada disso, Shôri passou a fumar escondida na escada de emergência - onde não há câmeras nem detectores de fumaça -, ao menos algumas vezes.

Pois estava ela, semana passada, terminando seu cigarro quando escutou um barulho estranho, alguns andares abaixo. Foi até a fonte de ruído e encontrou a funcionária de algum outro setor sentada, chorando.

Aconteceu alguma coisa? Está tudo bem?

Está tudo bem - foi a resposta em meio ao choro e soluços, e Shôri decidiu não insistir: se ela disse, está dito.

Voltou para o trabalho e refletiu: eis um bom uso para as escadas de emergência, sempre vazias (ou quase): melhor que chorar no banheiro, onde tem que segurar para não fazê-lo alto. Mal terminou seu raciocínio e resolveu aceitar a realidade, não a resposta: era óbvio que a moça não estava bem. Pegou um copo d’água, algumas folhas de papel toalha, uma barra de chocolates que guarda para emergências e foi ao encontro da mulher, que seguia chorando.

Olha, não sei o que aconteceu, mas te trouxe isto.

Foi aí que a mulher desandou a chorar de vez e contou do último episódio de assédio recebido. Nada de novo sob o sol, nem sob o teto da empresa; só uma gota a mais no co(r)po cheio.

Pois hoje estávamos conversando na escada de emergência quando escutamos uma voz:

Achei mesmo que fosse te encontrar por aqui! 

Pronto, a chefe encontrou Shôri, e vai tomar um sabão por estar fugindo do trabalho - além da advertência por estar fumando em local proibido. E eu vou de carona, mesmo sendo apenas fumante passivo. Nos viramos e demos com duas mãos segurando uma caixa de bombons.

Obrigada pelos chocolates.

Shôri mal teve tempo de agradecer, a mulher saiu, quase uma assombração, assim como chegou.

Pois é... um texto sem graça, mas achei gracioso o gesto de ambas.


09 de junho de 2025

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Acho que recebi um elogio [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Acho que recebi um elogio, não sei bem.

Macedo está de férias, tem feito falta. Não apenas por saber tudo do trabalho, como por ser um bom ouvinte - ainda que involuntário. Na falta dele, os colegas tagarelas que o cercam vão atrás de novas vítimas, digo, novos interlocutores. 

Hoje fui cercado pelos indivíduos que sentam à frente e à esquerda de Macedo, Mello, o colega que oferece chocolate e depois cobra um preço por isso (escutá-lo se repetir e se repetir e se repetir várias e várias e várias vezes por dia) e Pacheco, respectivamente. Costumo estar sempre de fones de ouvido, justo para tentar evitar certos tipos de interpelação, digo, de interação, e hoje cometi a séria falha de, após responder a uma questão de trabalho, não subi-los imediatamente. Foi a deixa. Já que estavam falando de música, julgaram que nada melhor que chamar o colega sempre com fones para a conversa.

Papo vai, papo vem, eu não conseguia achar uma sobra de respiro para voltar ao trabalho - por mais que estivesse enfadonho. E lá iam eles falando sobre punk, pós-punk, new wave, skate rock, e eu só ouvindo. Se me perguntassem, capaz de eu dizer que gostava apenas de Chico, Vandré, Gil, Caetano, Arrigo, só para conseguir fugir da conversa - e quem disse que me perguntaram?

A certa altura, com uma meia hora de parlatório, entraram no assunto Iggy Pop - ambos muito fãs. O colega do chocolate-com-papo (que aceitei desta feita, porque o papo já tinha chegado, ao menos pude aproveitar o chocolate) contou que foi no show de 2009 e fora muito bom.

Eu bem queria ter ido, mas era menor de idade na época - respondeu Pacheco.


Foi quando ao menos consegui participar da conversa.

Fui em 2005 e foi muito louco! Ele pulou no meio da galera, depois chamou para subirem no palco, pegaram o microfone dele para cantar I wanna be your dog, e os seguranças totalmente perdidos.

Que idade você tinha para conseguir entrar no show em 2005? - perguntou, incrédula, Pacheco

Contei minha idade, e ela se mostrou estarrecida:

Julguei que tivesse a minha idade, entrando nos trinta.

Não, já passei dos quarenta.

Nossa, então você até que está conservado!

Fiquei tentando entender o porquê de ter me subtraído mais de dez anos. Seriam minhas roupas sem passar? Meu corte de cabelo diferentex? Não sei, e não tenho Macedo aqui para perguntar. Mas nas entrelinhas foi possível ler: se para quarenta eu estava “até conservado” (feito um picles?), para o trinta que ela (e quantos mais no setor?) achava que eu tinha, devo estar só o pó da rabiola. Não tiro a razão. 


21 de maio de 2025

 

Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas

terça-feira, 13 de maio de 2025

Macedo está há três dias de férias [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Nota-se a importância de alguém pela falta que faz quando está ausente. Lembro de quando tirei trinta dias seguidos de férias. Quando voltei, na segunda-feira, a colega Bella me viu, fez cara de estranhamento e perguntou:

Você não veio quinta e sexta da semana passada, veio?

Pois é, trinta dias ausente para acharem que eu tinha pego um atestado curto.

Apesar que, pensando bem, também dá para notar a ausência de alguém pelo alívio que traz. Pelo visto, não é meu caso; e não vou citar exemplos, mas quem me lê assiduamente (sim, tenho desocupadas e desocupados leitoras e leitores) sabe a quem me refiro, ao menos algumas dessas pessoas.

Quem está de férias agora é Macedo. É apenas o terceiro dia, mas parece fazer trinta. Estamos todos aqui perdidos, batendo cabeça e sentindo falta do nobre colega. Noto que ele é uma espécie de professor de jardim da infância, com as crianças sempre carentes de atenção, umas pedindo informações, outras pedindo ajuda, outras querendo conversar, e ele se desdobrando para atender a todos, o que faz com uma impressionante paciência de professora do ensino infantil. Detalhe: além de ajudar colegas inoperantes (como este escriba), ele convive com tagarelas à esquerda, à direita, na frente e atrás (sendo que nenhum desses sou eu). Tudo isso e ainda dá conta de fazer sua parte do trabalho com esmero.

Por respeito às férias de meus colegas, evito mandar qualquer tipo de mensagem, até para que a pessoa não se lembre que sou também um colega de trabalho e, portanto, ele tem emprego e que uma hora as férias acabam - sempre cedo, muito mais cedo do que deveria. E costumo esperar a recíproca. Pois tem quem não se aguente - e nem falo de Robervals com sua culpa cristã, por roubar os bombons que eu nem sabia que tinha ganhado. Pouco antes das onze, Macedo me manda uma mensagem indignado (do jeito que ele consegue se indignar), pois Gambitto, o golden boy do setor e aspirante a novo Doutor Sabujinho, havia perguntado se ele iria participar da reunião (on line) da tarde. “Completa falta de noção”, foi minha resposta. Pouco antes da uma, ele me manda nova mensagem, ainda mais indignado: agora era a chefe perguntando se ele iria participar da reunião. Sem saber o que dizer, me restringi a dizer “Completa falta de noção, nível superior hierárquico. Você está de férias!”.

Como ele havia dado abertura, achei que poderia mandar algo também, e no meio da tarde enviei uma postagem engraçada do instagram, que tinha a ver com ele (enviei pelo whats, pois sei que não abre o chat do insta). Seria só hoje, depois voltaria a meus princípios de classe e não o lembraria de que eu existo. A resposta dele foi desoladora:

Depois vejo, agora estou em reunião.


13 de maio de 2025


Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas

 


segunda-feira, 17 de março de 2025

O garalho de meu sobrinho [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

Meu sobrinho veio passar o sábado comigo, a pedido do próprio, que me acha legal – para infelicidade de meu irmão e minha cunhada. Já contei alhures que ele estuda numa escola de metodologia Wondermort, e por isso os pais o privam de muitas coisas – não que precisem ensinar a ser um canalha super adaptado ao mundo cão laboral em que vivemos, mas acreditar que criar uma criança alienada do mundo vai lhe dar repertório quando crescer não me parece muito razoável. Não sei bem a idade de meu sobrinho, suponho que tenha algo entre sete e doze anos, mas não é certeza – eu achava isso há uns dois anos, mas pelo visto ele era mais novo.

Pois fomos ao teatro, ver uma peça infantil que muito lhe agradou – houve consentimento de meu irmão, que deve ter analisado bem a sinopse, antes de autorizar -, tanto que o moleque ficou matraqueando sobre o espetáculo por muito tempo. Depois do almoço viemos para minha casa, fazer hora e jogar algum jogo de tabuleiro permitido até que o sol arrefecesse um pouco (porque anunciaram que a onda de calor havia passado, mas esqueceram de avisar que só a onda passaria, o calor persistiu) e fôssemos ao parque.

Nesse ínterim, eis que contra todas minhas admoestações, Carnegie, o Arauto do Apocalipse, me manda uma mensagem de trabalho no whatsapp. É de conhecimento público e notório que se tem uma coisa que me causa ira é receber mensagens de trabalho fora do expediente; que dizer, então, em pleno final de semana – já sacrifico quarenta horas semanais de minha vida, o pouco tempo que me resta quero utilizá-lo para mim, nem que seja para passá-lo com meu sobrinho. Acho que desta vez me fiz entender quando perguntei para ele se gostaria de receber uma figurinha do Corinthians às onze horas da noite de domingo, depois do Palmeiras tomar uma goleada do Timão em pleno Parque Antártica.

Diante de tão inoportuna mensagem, não tive como não conter a exclamação “caralho!”, dita assim, clara e límpida, na frente de meu sobrinho puro e ilibado. Consegui me conter a tempo de seguir enfileirando palavrões, mas ele ouviu e se animou com a palavra, parece que a sonoridade lhe agradou:

Caralho! Caralho! Caralho! Que significa caralho, tio Sérgio?

Não falei caralho.

Falou, sim.

Não. Foi garalho, com g de grilhões, respondi – nessas horas sempre gosto de ampliar o vocabulário do menino, ainda que ele raramente me pergunte o que significa a palavra que ensino.

E o que significa garalho?

Quer dizer “Que coisa”. Recebi uma notícia aqui, e ao invés de dizer “que coisa”, acho mais fácil e mais bonito falar “garalho”. 

Vi que havia sido infeliz na minha colocação e complementei: 

Mas você, que é criança, melhor seguir dizendo “que coisa”, está bem?

Convenhamos, não menti de todo: os linguistas vão dizer que vale o contexto da palavra mais que seu significado cru. Ele anuiu, se deu por conformado e seguimos nosso sábado.

Na quarta-feira meu irmão me ligou. Quando isso acontece, sei que lá vem bronca.

Escuta aqui, Zé Bobão (sim, meu irmão me chama de Zé Bobão quando está muito puto comigo, era como ele me tirava do sério quando éramos criança), já não pedi trocentas vezes para você não falar palavrão perto do meu filho?

Palavrão?, perguntei como quem não está entendendo o motivo de tudo aquilo.

Sim! E ainda ensinou ele errado!

Como assim?!

Não seja cínico! O menino agora está sofrendo bullying na natação. Estão chamando ele de garalhinho.

Como assim?! Por que isso?!

Aconteceu qualquer coisa na aula, e ele soltou um sonoro “garalho”. Ao repetir uma segunda vez, tentaram corrigi-lo e ele insistiu - ainda insiste - no tal garalho. Se fosse ensinar um palavrão, ensinasse logo certo, caralho!

Espero que ele não esteja aí perto. Ou você está querendo ensinar palavrão para ele?

Ele está na aula. E pare de dar uma de desentendido!

Claro, resumi um pouco o sermão do meu irmão, porque ele é bastante prolixo quando diz respeito a me dar broncas envolvendo seu pimpolho (espero que seja um pouco mais breve com a criança, porém não creio). Nesse meio tempo, consegui pegar o dicionário e ver se não existia mesmo a palavra garalho. Havia “garalhar”, que significa “gralhar”. Não ajudou muito, mas gralhar, além de ser barulho de gralhas, tem como sentido figurado “tagarelar”. Ah, salvador pai dos burros!

Escuta aqui, eu falei e quis falar garalho, mesmo, nunca pensei em caralho!

Ah, conta outra!

É sério. Ele voltou do teatro todo empolgado, não te contou?

Sim, gostou muito da peça. Não fuja do assunto.

Então, veio que veio tagarelando, e eu disse “que garalho”, “que tagarela”, do verbo garalhar.

Você quer que eu acredite nessa lorota idiota?

Pois busque no dicionário.

Ele fez a busca e teve que dar o braço a torcer, ao menos eu achei que seria assim - nessa hora também fui puro e ilibado.

Certo, existe garalho. E por que você deu o significado errado da palavra? Quando perguntei se ele sabia o que significava garalho, ele disse que era “que coisa”.

Que coisa! Sério? Acho que me entendeu errado. A certa altura eu falei, “Que coisa, garalho”.

Ele disse que você explicou que garalho significava “que coisa” de modo mais bonito.

Ainda tentei desconversar, entretanto, no fim, tive que assumir o caralho involuntário. Ele não me deu razão para a vocalização do referido vocábulo, apesar de eu tê-la. E ainda emendou mais um sermão - haja paciência, o pai me enche mais que o filho! Próxima vez que me escapar um palavrão, preciso consultar o dicionário antes, para a desculpa colar melhor.


17 de março de 2025



Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas


terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A confraternização cheia de mistérios [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Então é dezembro, último mês para tentar que o ano tenha sido mais que trabalhar, fazer faxina e marmita aos finais de semana (e quando falo marmita, estou sendo literal, aquela com arroz, feijão e mistura), viajar nas férias (cuidando para não gastar demais) e se queixar da vida. Mas não desanimo, vale lembrar que o Paraná Clube, em 2020, perdia de dois a zero para o Bahia de Feira de Santana até os 46 do segundo tempo e conseguiu a virada - se o Paraná consegue isso, qualquer pessoa consegue dar uma reviravolta no ano em dezembro (pedir demissão seria um exemplo, ainda que não esteja entre minhas alternativas, graças ao senhor Boleto).

Fim de ano traz, além dessa sensação de desperdício, por não ter feito quase nada, a Simone, o Roberto Carlos e agora, segundo o Brotinho, a Mariah Carrey (já não bastasse o rélouim e a bléquifraidei) e todos aqueles eventos desnecessários (os melhores), quando não desesperantes: reunião de família (a coisa boa do bolsonarismo foi acabar com esse evento de irritação e hipocrisia, como se realmente nos quiséssemos bem, quando no fundo só queremos fofocar e falar mal da vida alheia, mesmo), amigo secreto (para gastar dinheiro e ganhar algo indesejado em troca) e confraternização de fim de ano na empresa (são cerca de 1700 horas anuais em convívio com pessoas que não faço questão, por que sofreria outras quatro ou até mais?). Também é momento de rever amigos que não vimos o ano todo, em bares lotados, tentando encaixá-los numa agenda caótica por conta desses mesmos encontros.

Enfim, quase me desviava do móbil desta crônica, que é a confraternização aqui da empresa. 

Fui a uma e me arrependi - não sei onde estava com a cabeça. Decidi que nunca mais. A deste ano, menos ainda, pois terá um elemento novo: cada um paga a sua parte - e o valor é bem mais caro que um PF no centro, e eu desconfio que a comida não seja muito melhor que um por quilo daqui que se pretenda chique, que comentei alhures. Então é isso: não bastasse todo o ano junto a essa gente, ainda tem que pagar para passar um tempo a mais - e depois do expediente! 

Desculpem-me, colegas, mas um panetone caro compensa mais que sua companhia. Apesar que mesmo que fosse de graça eu não iria: ficar em casa sem fazer nada é mais interessante - e não que eu tenha uma má relação com a parte boa da equipe, digo, com boa parte da equipe.


Eu já havia avisado que não iria e dava por encerrada essa história para mim, quando o nobre colega Macedo - que também não vai porém é mais bem relacionado - me contou que havia um elemento especial, que me fez lembrar de um meme que comenta que só é a favor da escala 6x1 quem tem amante no serviço. Pois bem, a inovação maior é que será proibido celulares: eles ficarão do lado de fora. Isso mesmo: confraternização da firma virou uma reunião secreta - talvez para substituir o amigo secreto? Fosse qualquer outra festa, quero dizer, com outras pessoas, esse elemento iria me aguçar o interesse: afinal, se não é para filmar, coisas interessantes devem acontecer. Entretanto, o que me fica é a desconfiança de que algum superior, cidadão de bem e defensor da família tradicional, já esteja no modo pegação (quem sabe sem o Doutor Sabujinho as mulheres tenham baixado a guarda) e não quer que sua mulher veja o batom na cueca (ou na calcinha) em algum grupo de whatsapp - ou no Insta.

É certo que pode não haver provas materiais, contudo Macedo recordou que não tem como deixar de convidar todo o setor, por razões óbvias de criar o maior climão, fora a acusação de assédio moral. Nisso, Metodista, a pessoa que mais sabe dos subterrâneos do setor, assim como da empresa, já confirmou presença - logo ela, que nunca vai a confraternizações da firma.

Parece que só proibir celular não vai ser suficiente para manter os segredos.


03 de dezembro de 2024



terça-feira, 12 de novembro de 2024

Um bairro feito em coletividade

Este final de semana fiz um passeio pelas ruas do Bixiga, na região central da capital. Apresentado como afroturismo, ele é organizado pelo Coletivo Negros do Bixiga, idealizador também do projeto que resultou no documentário homônimo lançado este ano (@negrosdobixiga).

O roteiro não é curto, tampouco longo, porém exige tempo para a imersão pelo bairro proposta por Wellinton Souza, nosso guia e integrante do Coletivo, e poder perceber as sutilezas da relações que se tecem nesse território, um local de resistência em meio a disputas contra a população que o ocupa - em boa medida formada por trabalhadores e estratos mais desfavorecidos da sociedade - vários que moram nos cortiços ainda muito presentes no bairro.

Passando por lugares significativos, conhecidos ou nem tanto, como a Rua Rocha, o sítio arqueológico Saracura Vai-Vai, a Casa do Mestre Ananias, apresenta também alguns recantos absolutamente inesperados, como o Viveiro Comunitário do Bixiga Denuzia Pedreira Bastos, em um pequeno terreno. O roteiro fala também de personalidades negras do bairro (e algumas italianas), como o artista e idealizador do Museu Afro, Emanoel Araújo, os sambistas Geraldo Filme o Pato N’Água (morto pelo esquadrão da morte, em 1968), e outros, além de proporcionar conversas com pessoas que fazem o dia-a-dia do bairro - sem falar dos encontros fortuitos entre o Wellinton e outros moradores, mostrando na prática uma relação muito diferente da que encontro nos bairros de classe média onde residi e resido. Um roteiro que realmente vale a pena fazer!

O que talvez sintetize a atmosfera do bairro seja uma grafiti pelo qual passamos, e que não teve qualquer menção. Um grafiti comum, sem destaque, longe dos painéis com técnica de grafitti que tem ganhado o estatuto de arte e começam a colorir a cidade nas paredes dos prédios - depois de anos sendo reprimidas nos muros.

Imitando a lógica dos totens espalhados por todos os lados de “Eu amo o lugar” - ou o evento, o time, etc -, tal grafiti tinha uma pequena e significativa diferença: ao invés de “EU [coração] BIXIGA”, ele trazia a primeira pessoa do plural: “NÓS [corações] BIXIGA”. Contra a lógica do individualismo, o Bixiga enquanto resistência se afirma também como coletividade, no plural das pluralidades que o habitam - com as bençãos de Tia Eliza.



12 de novembro de 2024


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Desfazendo-me

Calendários de bolso de 1975 e 1996, uma nota fiscal de quando morei com minha mãe, após o falecimento de meu pai; programas de orquestra, revistas de teatro, quatro anos de minhas crônicas encadernadas; um recorte de jornal de 1972, outro da greve dos bancários de 1990, uma foto do Motorhead autografada, bilhete do meu irmão avisando que foi na casa de um amigo, declaração de imposto de renda de 1990 de meus pais, carteirinha da minha mãe da biblioteca pública de Pato Branco e a minha de meio passe em Ribeirão Preto, recorte de 1992 com dicas de investimento, cartões telefônicos, um cartão de visitas com a sutil indireta “Disfarce... e saia de fininho que você aqui não está agradando”, caderno da minha mãe de 1968, DVD sobre Jango, do filme Pachamama, do Erik Rocha, de Sonhos, do Kurosawa, do NME Aniversário (no qual achei um texto meu que não lembrava); muitos CDs de blues, CD da Swan, da Tresbella Big Doce Band, do curso de alemão que não fiz; planta da reforma da casa de Pato, feita em 2021; nota fiscal da compra da Biblioteca Científica Live, em 1971; revistas dos GPs de Fórmula 1 a que assisti, guias de viagens que nunca fiz, mapas turísticos de cidades que visitei, bilhetes de metrôs de Lisboa e Barcelona, a carta com meu rendimento no vestibular da Fuvest, quando fui aprovado em psicologia; a revista dos 500 GPs e um capa de filme fotográfico com propaganda da Fórmula 1, de 1988; livro dos recordes de 1996, partituras - algumas que acalentaram meus dias de fossa da adolescência, outras que nunca toquei -, um guia turístico de Curitiba, de 1991; “livros” que escrevi para a matéria de português quando tinha dez, onze anos; vinte anos de agendas, bottons da Del-O-Max e do Pumas, um mini transmissor FM, instruções para uma prova de datilografia, cadernos e cadernetas variados - escritos, desenhados e totalmente em branco -, livros, muitos livros (de etiqueta, de despertar interesse científico em crianças, da coleção Os Pensadores); um gibi do Cascão, alguns do Recruta Zero; o primeiro livro que eu lembro de ter querido comprar - “História dos povos indígenas - 500 anos de luta no Brasil -, cocar, arco, flechas e flauta peruana de enfeites; panfletos do show da Cássia Eller, Almanaque Abril de 1971 (com um marcador na págida do “Calendários passados e futuros”, cujo futuro termina em 1999), camisetas da época do ensino fundamental que foram promovidos a panos de tirar pó e hoje são fiapos. Me desfaço. Abro caixas aleatórias - não são os espaços reservados para lembranças - e delas saem memórias e mais memórias; minhas, dos meus pais, da burocracia, de consumo. Nesses pedaços de papel e quinquilharias, imagino o que meus pais não viveram, no que não pensavam para terem separado aquilo; lembro dos muitos que fui e de tudo o que fracassei - felizmente - para me tornar quem sou. Não são pedaços apenas do passado, mas do futuro do pretérito. Me perco em relembrar e imaginar possibilidades. “Eu sou a continuação de um sonho”, fala a atriz na peça Reset Brasil, a que fui assistir hoje. Sou a continuação dos sonhos de meus pais, meu avós, de meus sonhos de antigamente. Mas sou também os sonhos abandonados pelo caminho - até para dar espaço a novos sonhos. E sejam individuais, sejam coletivos, eu sigo sonhando - e vivendo. 


28 de outubro de 2024













terça-feira, 10 de setembro de 2024

A Legião dos Esmurradores de BÍblia do Centro e AdjacênciaS e as rinhas de pregadores [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Quem anda pelo centro de São Paulo já deve ter se deparado com algum pregador alucinado esmurrando a Bíblia como se fosse a origem de todas as suas frustrações existenciais, decepções com a vida e abdicação de desejos. Ao parar para ouvir, ou ouvir sem se deter, mesmo, dá para ver que fazem pregações moralistas, teoricamente defendendo o que estaria escrito no referido livro - talvez em algum evangelho oculto. 

De início (uma década atrás, pelo menos) eram dois ou três, que não pareciam ter conhecimento um do outro, apesar de todos socarem sem dó a Bíblia. Com o passar dos anos, além de se aprimorarem na arte de esmurrar o livro cristão, foram se unindo, crescendo, fazendo sucessores. Sucesso, não fazem, a não ser pelo freak show que oferecem aos transeuntes da região central. Hoje devem estar em sete, pelo menos - já dá para dizer que são uma legião. Daí que eu e Macedo os denominamos Legião de ESmurradores de BÍblias do Centro e AdjacênciaS (LEsBiCAs).

Tem o Atarrachadinho sem pescoço que só sabe falar que “dar o cu é pecado!”, “chupar rola é pecado!” “se esfregar no pinto de outro homem é pecado!”, e por aí vai. Tem o senhor do Radinho, que usa o livro sagrado como antigamente se usava radinho de pilha nos estádios de futebol, com a diferença que de tempo em tempo desce a Bíblia para esmurrá-la com a raiva de um pênalti perdido aos 45 do segundo tempo - coisa que se alguém fizesse com um radinho de antanho perderia o aparelho, por mais robusto que fosse. Outro ancião melhorou na técnica do esmurro, parece ter uma pedaleira dupla na mão de tanto que sua Bíblia reverbera. 

Tem também um que chamamos de Franguinho, pois esmurra sem critério e sem força sua Bíblia. Geralmente ele não está sozinho, está com dois ou três dos esmurradores, ao menos, assistindo. Por um tempo, estavam os outros seis lá, só o observando pregar, no alto da ladeira General Carneiro - como se fosse o alto do monte das oliveiras. Levamos um tempo para entender o que se passava ali. De início achávamos que era algo como uma defesa de tese - mas não fazia sentido tantas defesas da mesma pessoa. Nossa segunda alternativa foi que se tratava de treinamento, mas nunca vimos ninguém intervir, ninguém ensiná-lo como se esmurra de verdade uma Bíblia: eram sempre eles assistindo ao pobre coitado perdendo os pulmões e fazendo calo nas mãos sob o sol do meio dia. Terceira explicação, que acabou aceita: era teste de CNH de esmurrador de Bíblia, e ele não conseguia passar, por isso também não pregava sozinho, como já havíamos visto todos os demais fazerem. Tanto que foi depois que pararam de se reunir seguidamente ali que passamos a vê-lo esmurrando solitariamente a Bíblia pelo centro.

O trem fica interessante mesmo quando rola uma rinha de pregadores. Explico. Algum outro pregador das adjacências, provavelmente sem conseguir vencer a concorrência dos que aparentam ser mais sérios, resolve que a culpa dos seus problemas de baixo quórum é dos LEsBiCAs - apesar de eles não terem quórum algum -, ou então acham que discutir eles pode dar alguma visibilidade, quem sabe um verniz de pregador sério da Bíblia. 

Contudo, preciso admitir: não é fácil tirar os esmurradores do sério, ou melhor, do seu transe.

Já vimos um pregador que foi até o alto da General Carneiro questionar onde estavam os calos nos joelhos, e diante da sua exaltação, ser tirado por outras pessoas, sem fazer com que o Franguinho se alterasse. Esta semana presenciamos outra contenda teológica: a cada frase falada pelo atarrachadinho sem pescoço, a cada soco dado na Bíblia, o pregador desafiante o desafiava: prove, prove, prove, prove. E nada: o esmurrador seguia impassível em sua pregação, como se seguisse pregando para ninguém, como faz todos os dias.

Mas eles não têm sangue de barata, preciso admitir. Já presenciei um grupo de adolescentes perturbar o veterano Atarrachadinho sem pescoço. Não sei se falaram alguma coisa ou se apenas dois dos homens do grupo se beijaram na sua frente, sei que ele estava totalmente transtornado com aquele grupo, gritando a plenos pulmões que dar o cu era pecado e coisas nessa linha - daí que também o chamamos do Atarrachadinho do cu piscante. Contudo, se a discussão for pelo lado pugnoteológico, eles permanecem imperturbáveis, invencíveis.


10 de setembro de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.



quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Um trauma chamado restaurante por quilo do centro [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


Faz um bom tempo comentei que costumo ter minhas três opções de almoço, ainda que o centro tenha centenas de restaurantes, os mais variados - ao menos aparentemente. De lá para cá, pouca coisa mudou: sigo frequentando duas das três casas de pasto referidas dois anos atrás, tendo substituído a terceira. Sou uma pessoa de hábitos. Vez ou outra cedo às pressões de Macedo, meu nobre colega e companheiro de almoços, e vamos a algum lugar diferente - ou mesmo ao terceiro restaurante de antanho, só para confirmar que segue salgado (não falo do preço, que nesse sentido se aplica só à sobremesa do local).

Nessas variações, acontece de irmos a algum restaurante por quilo do centro. E até hoje,  tem sido sempre uma decepção. Mais que isso, já se transformou num trauma. Um trauma reiterado a cada padaria que serve almoço, a cada portinha de sobrado com uma escada para um grande salão, a cada restaurante e lanchonete apertada. 

Existem basicamente três tipos de restaurantes por quilo no centro.

O primeiro são uns que tem pela cidade toda, a mesma apresentação visual, o mesmo preço, a mesma comida salgada, muda só o nome e o endereço.

O segundo são os baratos: tem um bifê (ou buffet, como preferem os chiques) com poucas opções, saladas desmilinguindo de tão cozidas, arroz, feijão, macarrão e a maior variedade é de frituras.

Por fim, há os por quilos caros e que parecem bons, alguns até tentam parecer chiques: os pratos (aqui me refiro ao utensílio) são enormes, para perdemos a noção do quanto estamos pegamos, bifê amplo e sortido, tanto nas saladas quanto nos pratos quentes, e churrasco (bregamente chamado de grill) também com muita variedade. Dentre esses, tem os que - além do trauma - me deixam puto da vida, porque claramente roubam no peso (a partir dos 400 gramas preciso empurrar a comida, mas nesses como 600 e não me pesa, e não, não é a comida que é leve). Não que os outros sejam honestos (e já vou explicar o porquê), mas esses tem uma desonestidade explícita e que poderia ser enquadrada por uma fiscalização.

Enfim.

Em um dia comum, num desses pseudo-chiques, me sirvo de sushi, ceviche, salada de broto de bambu, de cenoura, de tomate, de pepino e de agrião (pulo as conservas, também fartas), no bifê quente, pego paella, salmão ao molho de maracujá, arroz branco, bobó de camarão, fraldinha ao molho madeira, nhoque, tutu de feijão; na churrasqueira, picanha ao alho, fraldinha e frango. E aí vem o passe de mágica que só esses restaurantes conseguem: praticamente tudo tem o mesmo gosto! O agrião não arde, a cenoura parece um chuchu, o tomate parece a cenoura, o pepino o tomate, e o chuchu, esse eu não peguei para saber se tem gosto de alguma coisa outra. O sushi e o ceviche, por seu turno, se não são de chuchu, eu realmente não sei do que seriam. Nos pratos quentes, alguma diferença no molho de maracujá - ruim -, porque peixe, frango, frutos do mar, carne bovina, tudo tem o mesmo gosto, um indefinido tempero que vale para tudo. Paella, bobó de camarão e molho madeira são a mesma coisa - e ruim! Esses restaurantes parecem bandas de formatura, que tocam de tudo, mas sempre do mesmo jeito, de modo que só quando você escuta a letra (e entende o que estão cantando, porque isso também não é sempre) que descobre se estão tocando Beatles, Nirvana, Beyoncé, Banda Calypso, Leandro e Leonardo, Raça Negra, Titãs, Vivaldi, Shostakovich ou funk pancadão. Aí está a desonestidade do lugar: o vasto bifê não é nada mais que uma versão ampliada e repaginada dos por quilo baratos; se fôssemos dividir por gosto, teríamos umas três saladas, duas conservas e seis pratos quentes (contando o churrasco), no máximo, e raramente seriam bons.

Ainda assim, de vez em quando eu cedo à minha esperança de achar uma casa de pasto  por quilo realmente boa e honesta e às pressões do Macedo, e vou a um desses restaurantes. Sou uma pessoa de hábitos - e reclamar é um deles.


21 de agosto de 2024


PS: Lembrei apenas depois: os restaurantes que querem parecer chique ainda põe azeite de oliva de marcas boas para temperar a salada, mas quando você usa é capaz de sentir o sabor dos oliveirais do Mato Grosso...


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Um colega imperial [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]



Precisava de material de um outro setor e mandei um e-mail à pessoa responsável. Educadamente ela me respondeu que somente César Augusto estava autorizado a fazer tal pedido meu setor. Me veio o estranhamento: quem é César Augusto? É certo que não sou a pessoa mais sociável, mas não me lembrava de ninguém com esse nome. 

Dei uma passada de olhos pela sala. Seria um dos novos funcionários? Algum novo estagiário que eu não percebera? Algum colega que eu sempre esqueço o nome, por nos chamarmos pelo sobrenome (ainda que eu sempre saiba o nome de quem sei o sobrenome)? 

Não conseguindo lembrar de nenhum César Augusto, fui pela lógica: quem na sala parecia subir num pedestal quando era chamado? Pedestal não por metidez, mas pelo próprio nome, afinal, César Augusto é imponente demais para alguém com feições como a minha, por exemplo. Novamente, sem sucesso na minha segunda tentativa de adivinhar quem era o misterioso colega César Augusto. 

Envergonhado, pedi ajuda ao nobre colega Macedo. Ele ajudou, mas poderia ter sido mais direto, não ter respondido minha pergunta com outra pergunta (o Chaves já ensinava que só os idiotas fazem isso).

Macedo, sabe me dizer quem é o César Augusto?

Sabe aquele que senta na terceira baia?

O Nilo, claro que sei! Que tem ele? (só os idiotas respondem a uma pergunta com outra pergunta, eu sei).

Sabe o nome dele? Não digo o sobrenome.

Sei, sim. César.

Pois então, tem um Augusto entre o César e o Nilo. Na verdade um Augusto Trajano.

Olhei novamente para o Nilo. Uma boa pessoa, jeito de bonachão, baixinho, fala baixa também, tranquilo, almoçamos seguidamente eu ele e Macedo (havíamos almoçado juntos no dia anterior), parece o Júlio, do Cocoricó, não parece alguém com nome tão imperial, César Augusto Trajano Nilo da Silveira.

Acho que as pessoas deveriam poder mudar de nome quando adultas, para melhor se adequar ao seu estilo. Até isso acontecer, pedi para Macedo não comentar com Nilo minha gafe e torço para que ele não acompanhe meus textos.


16 de agosto de 2024


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Reformas das calçadas do centro sentidas no trabalho [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Há um meme na internet que põe três variáveis para os serviços, nos quais só se pode escolher dois: ser rápido, ser barato e ser bom. Se é rápido e barato, não é bom; se é rápido e bom, não é barato; se é barato e bom, não é rápido.

O meme é engraçado e quase realista, ainda que às vezes ele se equivoque: dá para algo ser lento, caro e ruim. Parece que as reformas da prefeitura nas calçadas do centro de São Paulo seguem essa conjunção de tudo do pior.

Ainda que, penso agora, a questão de rápido ou lento não seja exatamente um ponto: o importante é que as obras fiquem prontas na antessala da eleição, para o prefeito mostrar que fez algo, mesmo que tenha sido uma obra inútil e que serviu para fechar ainda mais lojas de um centro cujo comércio já estava devastado pela pandemia.

Mas os reflexos para os prédios da região também não foram menos desastrosos - ao menos no edifício onde trabalho. Comentei alhures da vez que a filha de uma funcionária meteu um “banheiro interditado” que obedecemos fielmente por uma semana, até descobrirmos que nunca esteve; também falei das marcas de animais na porta da cabine, provavelmente de algum mamífero que sobe pelo ralo ou retrete [https://bit.ly/cG230706]. Pois essas obras pelo centro fizeram relembrar dessas historietas, com agravantes.

Para além da barulheira que se estendia há mais de mês, com marretadas, britadeiras e máquinas cimenteiras disputando o ambiente sonoro com músicos, pregadores e esmurradores de bíblia, a coroação foi quando deram a obra em frente por encerrada.

Dois dias depois, um dos banheiros do andar foi interditado. Dia seguinte, o outro banheiro do andar e banheiros de outros andares também foram interditados. Ainda assim, recebemos notícia da chefia, dizendo que usássemos os banheiros dos andares que ainda não estavam entupidos (os mais altos), e seguíssemos normalmente com os trabalhos. Assim se tentou fazer, mas esse terceiro dia praticamente todos os banheiros do prédio foram sendo interditados, um depois do outro, com animais e excretas fugindo das retretes dos andares mais baixos. Para evitar que se tornassem chafarizes de merda, cortaram a água do edifício também. A contragosto das chefias, os funcionários foram mandados para casa no meio do expediente. No quarto dia, sexta-feira, fizemos todos teletrabalho, para desespero dos chefes, que assim podem comprovar que rendemos tanto em casa quanto de corpo presente.


Dado esse festival de interdições, investigação vai, investigação vem, e os banheiros seguiam entupidos, nada descia, pelo contrário, muita coisa subia. Foi no domingo que descobriram o que havia acontecido: na reforma das calçadas, haviam obstruído a saída de esgoto do prédio.

Conseguiram desobstruir a tempo para terça-feira voltarmos no meio do expediente. Ponto para a prefeitura, rápida nesse momento, deixando apenas como efeito colateral britadeiras destruindo o resto da calçada recém feita para adequá-la às saídas de esgoto do edifício.

Da nossa parte, lamentamos duas coisas: a velocidade com que resolveram esse problema  - sempre dizem que destruir é fácil e rápido -, e o fato de não haver reformas do tipo na frente da casa do chefe.


15 de agosto de 2024.


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Sanspaieux, a professora com um sonho da casa própria em SP [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


Vida de professor não é fácil. Brotinho tem uma amiga, a Sanspaieux, que é professora da rede pública há vários anos. Dava aula no estado, prestou concurso da prefeitura, prometendo a si própria que se passasse iria comprar um apartamento e sair do aluguel. 

Pois passou - e foi fazer as contas para a casa própria. Descobriu que com o novo emprego até conseguiria pagar as prestações, porém não conseguiria mobiliá-lo - e sabemos que nos apartamentos de hoje em dia, se não for móvel sob medida, você não cabe na casa, simples assim. Solução: manter os dois empregos por um ano. Como era pouco tempo, decidiu encarar essa aventura.

Pois surgiu um novo problema: uma escola na zona leste, a outra no extremo sul: não tinha como chegar a tempo no segundo emprego se não tivesse carro. Decidiu, então, comprar um carro. Comprou um celtinha usado, inspirado num deputado que - esperamos - será o novo prefeito de São Paulo. 

Claro, que isso não poderia acarretar um novo contratempo: para pagar o carro e mobiliar a casa, precisaria ficar dois anos - e não mais apenas um - com dois empregos. Quem aguenta um, aguenta dois, pensou, e seguiu firme na sua promessa de casa própria.

Como já teria o carro, resolveu comprar um apartamento em algum lugar bem localizado, na região central, perto das coisas que ela gosta de fazer, e não perto do emprego. 

Tudo ia bem para Sanspaieux - salvo sua saúde física e mental -, saindo de casa às seis e meia da manhã, voltando sete da noite, com reunião às sete e meia duas vezes por semana. Isso até seu celtinha deixá-la na mão. E não foi de uma vez. Num dia, furou o pneu. Foi atrás de borracheiro e chegou em casa quase dez da noite. Dois dias depois, o carro pifou de vez. Chamou o mecânico, que avisou que iria precisar de no mínimo sete dias úteis para consertar. Nos relata ela seu diálogo epifânico:

Mas, moço, eu preciso do carro para trabalhar!

Você trabalha com o que?

Sou professora.

Ah, achei que fosse Uber. Vou pôr o seu como semi-prioridade, mas antes de quatro dias não fica pronto.

Pelas suas contas, como ela mora longe dos dois trabalhos, até poderia ir de transporte público ao primeiro emprego, saindo uma hora antes, depois teria que pagar uber para o segundo emprego, e na volta, novamente transporte público, chegando cerca de nove da noite em casa. Inviável, não só pela questão do tempo, como pelo gasto com uber, que comeria o que ela ganharia no mesmo período com um dos empregos e mais um pouco. 

A solução foi dada pela conversa com o mecânico: alugar um carro e fazer Uber nos trajetos e mais uma horinha depois do expediente. Assim o fez. Problema: se com isso ela quase conseguiu fechar o aluguel do carro, para pagar o conserto do seu celtinha vai precisar fazer mais um tempo de Uber, para complementar renda - mesmo odiando dirigir, ainda mais em Éssepê, não sendo alguém que se anima muito em conversar com estranhos (ainda mais essa galera que fala merda pelos cotovelos, já xingaram professores umas três vezes, nos conta, quase em lágrimas), e estando cansada de tanto trabalhar. 

Ela tenta se conformar: é só por dois meses. Sanspaieux merecia ser entrevistada em qualquer um desses podcast de coach, mesmo sem ser uma, para ensinar resiliência e pensamento positivo - ou auto-engano, como preferir. Ao menos ela tem sua casa própria!


01 de agosto de 2024.


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Chamar as coisas pelo nome - máquina caça-níquel [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

Caminhávamos para almoçar na Liberdade quando passamos em frente a uma loja cujo ramo eu desconhecia, mas foi o ensejo para Macedo comentar que se sente mais tranquilo agora que a esbórnia, digo, o parlamento está para aprovar o projeto de lei para legalização dos jogos de azar, pois vão poder chamar os estabelecimentos pelo seu nome verdadeiro.

Foi quando reparei no interior da loja. Toda colorida, com várias máquinas de garra, dessas em que você pesca um bicho de pelúcia ou uma bugiganga qualquer. Segui sem entender. Macedo explicou que essas máquinas são sabidamente viciadas, e pouco importa a habilidade do jogador, se não for a vez da garra pegar com força a quinquilharia almejada, não vai trazer nada. Não é o que diz nosso judiciário, nem nossa grande imprensa, mas eles parecem entender desse assunto tanto quanto eu - com a diferença que eu não tenho nenhum interesse oculto com relação a esse tópico. 

A principal discrepância entre essas máquinas e as de caça níquel que abundam nos cassinos clandestinos do mesmo bairro da Liberdade, conforme irmã Makioka, é que o prêmio é em quinquilharia, não em dinheiro - mas depende da sorte de qualquer modo - e não se pode fumar dentro do estabelecimento.

Num país em que a mídia vende loteria como investimento (está no Estadão Investimento!), aposta esportiva como se fosse algo racional (aí tem um sem número de influenciadores, sem falar na mídia corporativa que faz propaganda dos “bets”), nada mais saudável que cassinos infantis com suas máquinas caça-níquel disfarçada de jogo do tigrinho, digo, da garrinha, para treinarmos desde cedo a habilidade de nossas crianças na arte da aposta! Quem sabe no futuro não possam lançar todo um parque infantil, um Las Vegas for Kids, com essa temática também!


25 de junho de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


PS2: Links afins ao tema desta crônica:

https://bnldata.com.br/analise-em-maquinas-de-pelucia-revela-que-existe-programacao-que-controla-o-a-forca-da-garra/

https://www.conjur.com.br/2021-out-27/maquina-bicho-pelucia-nao-jogo-azar-empresario-absolvido/

https://einvestidor.estadao.com.br/webstories/5-loterias-mais-faceis-de-ganhar/


segunda-feira, 10 de junho de 2024

Sorteio de par de ingressos para motivar a equipe [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Não sei por que cargas d’água alguém no setor de RH achou que seria motivacional fazer sorteio de um par de ingressos (às vezes mais) para qualquer evento aleatório na cidade. O que isso implicaria numa melhoria do clima na empresa, não sei. Chego mesmo a imaginar ressentimentos por gente que gostaria muito ir a uma determinada atração acabar vendo seu colega que só participou do sorteio porque era de graça ir ao tal evento e ainda falar mal. Quisesse motivar os funcionários, um reajuste no salário ou três dias de teletrabalho motivariam muito mais! Os dois ao mesmo tempo, então... mas sejamos realistas, a ideia não é motivar, nem melhorar rendimento, é entreter antes que alguém pule do décimo andar e suje a imagem da gestão de pessoas e, por tabela, da própria empresa.

Alguns desses eventos são claramente uma furada, e desconfio que os convites sejam distribuídos gratuitamente às empresas, na esperança de um fiasco um pouco menor. Outros eu nem sei dizer, porque é tão fora da minha realidade, que eu me pergunto porquê ele existe e por que alguém iria. Por exemplo, que sentido faz ir a um encontro de motos em Interlagos, ainda mais pagando!? Aí vejo quem ganhou o tal ingresso e noto o abismo que há entre mim e tal evento. 

A explicação mais plausível para esses sorteios quem deu foi irmã Makioka, que não vê outro motivo que não que o gerente do RH ter um caso com alguma promoter de eventos heterotop. 

Mas ele não é casado?, questionou o Desembargador.

Um motivo a mais para agradar a amante, rebateu irmã Makioka.

Por aclamação, aceitamos tal explicação como sendo a verdadeira, até que a verdadeira de verdade apareça - se é que vai aparecer.

Não são todos que participam do sorteio: primeiro o RH manda o convite, quem quiser participar preenche um formulário. São os inscritos que participam desse grande bingo oculto (fosse ao menos um bingão com cartelas e números sendo cantados durante o expediente, quem sabe ajudasse de fato). Até hoje, nunca participei - pela razão simples de que nunca apareceu nada que prestasse (as entradas para a Fórmula 1 não são por sorteio).


Isso quase mudou semana passada, pois se o evento era furada, havia seu lado positivo. Contudo, o que prometia ser razoável se mostrou o cúmulo do cúmulo. 

Começa pelo evento: ver o Pateta e o Miquei patinarem no gelo - além de várias princesas. Que lá eu quero ver Carreta Furacão Gurmê, ainda mais no gelo?! Crianças talvez ainda achem graça, mas é de se perguntar que pai e mãe levaria seu pimpolho ou pimpolha a um evento brega desse tipo - não preciso de resposta, foi só ver novamente quem ganhou o ingresso. Deixando de lado de lado a parte brega e o completo vazio da apresentação (puro consumo de indústria cultural, sem nada a acrescentar na vida de uma pessoa, talvez apenas o esquecimento da própria miséria), a cereja do bolo veio no final da mensagem que avisava do sorteio: a atração seria às 15h30 de uma sexta (que foi o que me fez cogitar disputar, para sair mais cedo, na hora do almoço, para ter tempo de chegar), mas que o ganhador ou ganhadora deveria compensar as horas que sairia antes.

Depois dizem que esse tipo de pataquada serve para motivar a equipe...


10 de junho de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


terça-feira, 7 de maio de 2024

Enfermaria ortopédica [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Volta e meia Goreti se queixa que já é hora de uma nova pandemia. Mandamos ele calar a boca, Meireles até se benze e pede proteção aos seus axés, mas ele não arreda pé:

Poder trabalhar de casa, diminuir o ritmo, curtir um pouco a vida, que não só nas férias.

E as férias, vamos ficar sem curtir, em compensação! - retrucamos.

Não tivemos nova pandemia (não por enquanto), mas epidemia estamos tendo - a de dengue (por sorte, o presidente atual não diz que é só uma gripezinha, um resfriadinho, nem manda a galera acumular água parada em casa). Aqui no nosso setor, ao menos, um outro espectro ronda - infelizmente não é o do comunismo, pelo contrário, está mais próximo do anticomunismo, mesmo -, o espectro da epidemia dos problemas ortopédicos.

Em meu último texto comentei do saci em quarenta e cinco graus no qual Macedo se transformou por um final de semana, graças a um quiropraxista baratinho a que foi. O que esqueci de contar foi que ele travou a lombar brincando com o filho. Antes dele, eu já havia comentado do meu tilt test. Porém, antes de todos, quem inaugurou essa fase foi a colega Bella (que não é de Isabela), que torceu o pé indo para o refeitório (ela alega ser acidente de trabalho, eu não sei nada sobre isso para opinar). Como ela conseguiu tal proeza, ninguém até agora conseguiu explicar - e ela fica brava quando se faz o questionamento nesse tom, só aceita desejos de melhoras e não julgamentos de descoordenada -, mas parece que foi aí que o anjo da lâmpada fio solto, o qual está a fazer vários terem algum quiproquó ortopédico (ok, o meu não foi bem ortopédico, mas poderia ter sido, por isso, entra, e também para efeitos estatísticos e eu poder escrever minha crônica).

Semana passada, Meireles também torceu o pé, mas foi enquanto fazia seu jogging - ao menos um pouco mais nobre torcer o pé enquanto se está correndo, ou quase isso, do que quando se está carregando uma marmita. Não perca a conta, desocupada leitora, desocupado leitor, já foram quatro. Esta semana foi a vez de Carnegie chegar desconjuntado: foi jogar futebol, diz que marcou vários gols, foi o melhor da partida, mas ao chegar em casa, sentiu as costas, e no dia seguinte, travou. Melhor para ele, admito, que está com trinta sessões de fisioterapia, e basicamente vai passar um mês e meio trabalhando seis horas por dia - já discordamos calorosamente sobre isso, e eu insisto que ele saiu no lucro, ao que ele reclama da dor (homem choraminga por qualquer coisa e com isso perde o lado positivo das coisas).

Conversávamos sobre essa maré de azar ortopédico, se alguém teria desconjurado qualquer santo (tipo o Barrichello, que deve ter atropelado um despacho com seu velotrol tunado quando era criança, e desde que entrou na Fórmula 1 nunca mais um brasileiro se saiu bem no esporte; pior: Senna morreu e ele meteu uma parafusada no Massa quando ele estava para ser campeão), se seria influência do El Ninõ, se seria culpa de libra em tensão com Marte, enfim, estávamos buscando o que haveria em comum em todos esses casos, para além da idade, que recusamos em assumir: eu sou a pessoa mais atlética do grupo; Bella (que não é de Isabela) se contundiu caminhando, Meireles, fazendo jogging depois de uma manifestação, Macedo brincando com o filho, Carnegie jogando futebol. A discussão no café ia acalorada quando Macedo deu não bem uma explicação, mas seu veridicto, científico, ao qual não pudemos nos opôr:

Vocês não percebem?! Sedentarismo previne vários problemas de saúde!


07 de maio de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Tilt Test e crise no setor [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Estamos em crise aqui no setor - e não é nada relacionado ao trabalho. Até porque se fôssemos ficar mal ou em crise por conta de nossa labuta, só sairíamos da cama para pular da janela - ainda que meus colegas me julguem um pouco exagerado nessa minha colocação. Assumo que pode ser, mas pedir o boné não parece uma alternativa viável no momento, em que rareiam empregos similares ao atual e não me anima a ideia de morrer de fome. Goreti sugeriu o Onlyfans, muita gente diz que dá bastante dinheiro, mas não acho que seja para nenhum de nós bombar nessa rede social - sem falar que é aquela: são quantos milhares de produtores de conteúdo para cada um que faz sucesso?

Enfim, a crise se deu por conta do Tilt Test, relatado em minha última crônica. Mais especificamente, a quem escolhi como acompanhante para o exame. Ou melhor, por não ter escolhido os demais para serem meu acompanhante no exame - exceção feita ao Desembargador, que sairia de férias dali dois dias e tinha que deixar alguns quiproquós em dia, para poder voltar na maciota. 

Notei que Carnegie andava um tanto lacônico e parecia arredio para com minha pessoa. Primeiro achei que fosse da minha cabeça, mas como seguia nessa toada, resolvi perguntar ao Macedo o que teria acontecido com nosso nobre colega.

Não conta para ninguém, mas ficou um climão, um ciúmes geral de você ter me chamado para ser seu acompanhante.

Mas que raios de ciúmes é esse?

Foi um turno inteiro que pude descansar, pôr minhas leituras em dia, sendo que eu tinha sido o último a sair de férias.

Eu te chamei porque você mora do lado do local do exame!

Sim, levantei essa hipótese para eles...

Eles?!

Ah, sim, você não notou nada de diferente com Meireles e Goreti?

Notei, mas achei que não fosse nada.

Eles aceitaram mais de boa o argumento da proximidade da minha morada, o Carnegie segue chateado, enciumado.

Em particular, conversei com Carnegie, que negou qualquer incômodo e disse que eu quem via coisas. Mais tarde, convoquei os colegas para uma reunião no bar, na sexta, para decidirmos critérios de escolha ou mesmo uma escala de acompanhantes para exames futuros no setor - e ele foi um dos mais entusiasmados com o tópico. Sinto que não foi sincero comigo ao se dizer de boa.


15 de abril de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Tilt Test [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Dia desses andei tendo umas vertigens estranha. Uma vez, vá lá, acontece. Duas, a gente fica alerta. Quatro, aí a preocupação aperta - ainda mais depois de consultar o Google. Porque se as vezes que tive essas vertigens foram em casa, sem maiores riscos, imagina se a tenho na rua, se desmaio no meio do centro de São Paulo num início de noite ermo. Ou, então, acontecer de eu ir num restaurante caro e logo em seguida ter a tal vertigem e devolver a comida, como aconteceu na terceira vez - em que acreditei que a tontura era por conta de algo que comi, mais especificamente um gorgonzola com nozes, macadâmia e damasco, turbinado por fungos outros, que só vi depois de vários pedaços -, seria muito frustrante e uma grande perda de um dinheiro que não me sobra tanto assim.

Após a quarta vertigem em menos de um mês, como disse, fui perguntar ao Google o que mais poderia ser, além da óbvia labirintite com a qual eu já havia me auto diagnosticado. As opções iam de estresse e ansiedade a tumor no cérebro em estágio avançado - e eu estou com uma pinta estranha nas costas, já faz um tempo, que temo poder ser um melanoma, vai que já se espalhou...

Conto para o Brotinho, que praticamente me obriga a marcar médico - o que eu já ia fazer, a diferença é que por influência dela acabo indo para um neurologista e não para um oncologista, como pretendia.

O médico me faz uma série de perguntas, descartando logo de cara minha nova certeza (de início, achei que era só porque não é a área dele): tem dormido bem? Não. Se exercitado? Não. Tem andado estressado? Muito - afinal, nos encarregaram de preparar pequenos cursos de apresentação do setor aos novos contratados, o que já me desagradou, mas tudo piorou quando Desembargador propôs que sejam teleaulas, proposta aceita com entusiasmo pelo chefe, que anunciou esses dias que já tinha alugado o estúdio.

Até a labirintite ele praticamente descartou de cara, centrando no estresse. Por via das dúvidas, preferiu que eu fizesse alguns exames. Um deles, que necessitava de acompanhante, era o “Tilt Test”. Chamei Macedo para me acompanhar, e ele concordou que o exame soava assaz interessante pelo nome.

Sabe como é?

Segundo o médico, me amarram numa mesa e medem minha reação às inclinações dela.

Achamos muito pouco para um exame de nome tão convidativo. E enquanto esperávamos eu ser chamado, ficamos imaginando o quão interessante não seria.

Lembramos dos tempos do fliperama, quando chacoalhávamos demais a mesa de pinball e vinha o aviso de tilt. Nos pareceu razoável, chacoalha pra lá, chacoalha pra cá, tipo o brinquedo samba dos antigos parques de diversões, mas em versão compacta, e vê como o sujeito lida com todo o sacolejo: se só fica tonto, se passa mal a ponto de querer devolver o que poderia ter no estômago (fica como caso hipotético porque eu estava em jejum, inclusive de água), até o ponto de desmaiar - daí a necessidade do acompanhante. Achamos que um chapéu mexicano compacto seria pouco provável, pois exigiria uma sala muito grande - mas não deixaria de ser interessante, a pessoa presa pelos pés, sendo rodada alucinadamente, ver se reagem bem a esse teste, ao que eu lembrei que aí não seria tilt.


Entrei na sala, colocaram o eletrocardiograma em meu peito e o medidor de pressão no braço. Me amarraram numa maca simples. Fiquei a me perguntar se seria manual o tal tilt test, um enfermeiro bombado dando trancos na maca, sacolejando-a e inclinando-a até eu passar mal - não seria um emprego tão chato assim, além do mais. Mas, quê?! Eu imaginando que seriam poucos minutos sem fim de angústia e sensações diversas no meu corpo, mas nos quarenta minutos que durou, tudo o que passei foi tédio. Vinte minutos inclinado a vinte graus, outros vinte a quarenta graus, depois volta. Me perguntei se o jejum antes de evitar sujar a sala toda, não era para evitar refluxo, mesmo.

Está tudo bem? Não está passando mal, muito enjoado?

Me pergunta a enfermeira, como se eu tivesse passado por um teste pesadíssimo.

Do lado de fora, Macedo me esperava ansioso pra saber como foi.

Todo esse tempo, deve ter sido sofrido, não? Ou essa demora foi para conseguir ficar bem até conseguir se levantar de novo?

Como a desocupada leitora, o desocupado leitor que chegou ao fim deste texto, Macedo também murchou com todo o sem graça do tal "Tilt Test". E, sim, era só estresse, mesmo.


09 de abril de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.