quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

Carta pra folha: Controle do Ministério Público

"Foi para isso que José Dirceu lutou contra a ditadura? Para ficar com o osso e fazer tudo igual?"

Campinas, 21 de janeiro de 2004

segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

Carta pra folha: Universidade pública

Não surpreende que o professor Isaias Raw seja contra a proposta da professora Marilena Chaui de dar às universidades parte do controle dos recursos destinos à pesquisa ("Tendências/Debates", pág. A3, 17/1). Afinal, oriundo de uma área técnica que produz resultados palpáveis -a medicina-, nada mais lógico para ele do que as agências de fomento à pesquisa visarem "o desenvolvimento científico, base para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país". Trata-se da visão míope de quem usa os óculos da racionalidade neoliberal, como alertou a professora Chaui. Um país não se faz só de desenvolvimento tecnológico, é preciso também um desenvolvimento intelectual que vá além de dados empíricos e estatísticas. Como filósofa, a professora Chaui sabe das dificuldades de atribuir o aspecto técnico exigido pelas agências de fomento à pesquisa a projetos conceituais, especulativos; sabe também o quanto é contraproducente esse viés técnico nas pesquisas ligadas às humanidades. Espero que a visão abrangente da professora Chaui prevaleça nessa discussão.

Campinas, 19 de janeiro de 2004

sábado, 17 de janeiro de 2004

Estou me aproximando do limite da inteligência humana!

Não tenho muito o hábito de entrar na internet para pesquisar coisas sérias. Acostumado a bate-papo, joguinhos e páginas de bandas, às vezes me surpreendo com o conteúdo da rede. Hoje foi um desses dias em que me vi entrando em boas páginas desconhecidas. Estava eu buscando algo sobre a Taxa Tobin, pra escrever uma crônica sobre a grande proposta do nosso grande demagogo, digo, presidente, Lula, de criar uma CPMF mundial contra a fome (que fica para uma outra crônica), e achei várias páginas interessantes. Empolgado, fui cadastrando meu e-meio em várias listas (economia, direito, ongs, entre outras).
Mas não adianta, como eu disse, a internet pra mim é antes de tudo besteira e porcaria, questão de hábito (que aos poucos eu tenho mudado). Primeiro foi a página do PRONA argentino, el Partido Nuevo Triunfo – una nación, un pueblo, un líder, de clara e gritante inspiração nazista (pnt.libreopinion.com). Não perdi muito tempo ali, e o que me chamou a atenção foi que não entendi porque no lugar da suástica eles puseram um 7, afinal, o Maradona não jogava com a 10? (com todo respeito aos argentinos – quem me conhece sabe que não tenho nada contra, pelo contrário).
Não tardou muito eu achei A página. Página pra quem gosta de encarar os limites humanos. No caso o limite da tapadisse, burrice, imbecilidade e não sei mais o que dizer. Eu imaginava que tinha chegado perto com a honrosa TFP (Tradição, Família e Propriedade, www.tfp.org.br), com seus artigos alertando para o “agro-reformismo igualitário”, e que considera FHC um esquerdista, mas estava enganado. Imagine uma mistura de TFP, com os falcões da Casa Branca, com mais prepotência americana, com economistas da FEA-USP, com Fukuyama, com doses de nazi-fascismo, e pra dar o gosto no caldo, com cubano-americanos. Aqui, ó! Uma tetéia! A página chama-se... tchan nan nan nan... “En defesa del neoliberalismo” (www.neoliberalismo.com), e é algo extraordinário, pra quem curte coisas toscas (precisava dizer?).
Tem duas fotos de Havana, mostrando o antes e o depois de Fidel que é impressionante como alguém faz uma comparação dessas, e pior, ainda põe na internet! Na primeira, a Havana de 1958 (que era então literalmente um bordel dos estadunidenses, como é bem sabido) numa foto aérea, colorida, iluminada. Na segunda, uma foto com cores pálidas, coitada, um pedaço de um predinho de três andares mal conservado (nada comparado com muitas cidades históricas brasileiras), com um andaime sustentando a sacada do terceiro andar (talvez fossem reformá-lo?). “Tosco no talo”, como costumo dizer. Deixa “claríssima” a decadência cubana. Sensacional!!! Mas bons mesmos são os artigos. Não tive tempo de ler muitos, pois são muitos artigos, e a maioria é bastante extenso. Tem um, de um indiano que vive nos EUA, que pérola! Chama-se “Dos vivas al colonialismo”, de um tal de Dinesh D’Souza, e o que ele faz no artigo não são dois, mas são muitos vivas ao colonialismo. A argumentação dele se baseia em que os países ricos não são ricos porque exploraram os países pobres, mas a exploração já foi conseqüência da evolução desses países. Exploraram porque eram evoluídos. Evolução baseada no tripé ciência-democracia-capitalismo (muito cômico!). Diz ainda que é um preconceito a visão que há hoje em dia do colonialismo. O colonialismo levou evolução aos países colonizados, não fosse isso hoje eles seriam países muito piores; e pra provar que o colonizador é evoluído ele nos trás o exemplo das nações africanas, que entraram em guerras tribais depois de independentes. Imperdível!
De um outro artigo, “Una ONU anti-americana” copio dois trechos: “la ONU es esencialmente hostil a los intereses y valores americanos. Sería algo sin precedentes en la historia humana que una nación cediera el control de su política exterior, voluntariamente, a un grupo de naciones extranjeras hostiles”, e “la ONU es, como Gedrich lo describe, ‘una institución corrupta y moralmente en bancarrota porque sirve como refugio y vitrina de algunas de las fuerzas más siniestras del mundo.’ ¿Por qué debíamos permitir que una organización hostil dicte nuestra política exterior?”. Precisa comentários? No máximo preciso dizer que não fui eu que inventei isso, não. Tem gente que pensa assim, e não são poucos. Costumo entrar em salas de jogos na internet pra provocar os estadunidenses, e essa é mesmo a visão deles. Primeiro que numa discussão dessas você não pode dizer que é do Brasil, senão tudo o que você fala eles desqualificam como dor de cotovelo por ser de um país pobre. Também não dá pra falar que é da Suécia ou Noruega, que eles não fazem idéia de onde ficam, e acham que são países de terceiro mundo (sabe como um estadunidense médio é: um pouco menor que a sua porta). Descobri que era razoável ser holandês. Se você falar em Chomsky pra um estadunidense, eles não conhecem. Em Michael Moore (autor do livro “Stupid White Man”), o argumento é ele é um mentiroso. No resto, o principal argumento pra qualquer coisa que você fale é que eles salvaram a Holanda dos “nazis”, no dia D (a URSS não combateu o exército alemão). Uma vez um cara foi mais sincero: “nós ganhamos a guerra, nós ditamos as regras”, é certo que ele não soube me dizer que regra era a do 11 de setembro. Outro disse algo como “ninguém pode com a gente, somos os mais ricos, e o que quisermos é nosso, veja o petróleo do Iraque”. Mas enfim, só pra mostrar que a pretensão estadunidense é difícil de medir (e mesmo de acreditar).
Mas voltando á página campeã. As coisas ali escritas são inacreditáveis. E muito divertidas! Apesar que dá aquele ar de tristeza: pensamento divergente é bom que haja, mas burrice? Porque o pessoal que tem artigo ali é burro, mas burro “de marca maior”. Um primeiro e forte sinal é o de que eles são mais dogmáticos que a turma da TFP (e ser dogmático já é um incontestável sinal de burrice). Diz o artigo “Académicos Vs Bush” que Bush não só acredita que há uma única verdade, como tem certeza de conhece-la (e que isso é bom, pois assim é o mundo). Nesse mesmo artigo, uma bela pincelada nazi-fascista: “O bien prevalece la cordura en el mundo islámico en cuyo caso los musulmanes van a abrazar la verdad y rechazar el fundamentalismo islámico, o se impondrá la demencia, en cuyo caso los musulmanes abrazarán la mentira…y sufrirán las consecuencias.” Assim como Mussolini levou a civilização à Abissínia com suas bombas, os EUA vão levar a civilização aos islâmicos, por imposição ou por Tomahawk. É a democracia, a liberdade de escolha que a “América” tanto defende, e que foi um tripé da evolução da cultura ocidental: liberdade para escolher entre ser como um estadunidense ou morrer.
Acho que me alonguei demais nesta crônica. Por fim, o que falta na página (e que eu já mandei a sugestão) é um estudo mais aprofundado sobre o Papai-Noel e o coelhinho da Páscoa (afinal se eles ainda acreditam no neoliberalismo); algumas sugestões de leituras mais inteligentes, como Recruta Zero, Riquinho, Mickey Mouse, Superman; e alguns cálculos matemáticos avançados, poderia começar com 2+2=4 (coisa que aparentemente eles não sabem fazer) e terminar com a célebre matemática neoliberal: 2+2=7 (para países ricos) e 2+2=-1 (para países pobres). Até lá a gente se diverte com as baboseiras deles!

Pato Branco, 17 de janeiro de 2004

quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

Os doutores anencéfalos

Acho que nem vale a pena comparar aqui o Brasil com a Holanda, afinal,trata-se de países muito diferentes, com a diferença primordial que na Holanda pensa-se, enquanto no Brasil pasta-se ou, na melhor das hipóteses, rumina-se. E não falo do povão, das pessoas sem dentes e sem escola, que esperam todos os dias acordar com a notícia da volta de São Sebastião. Falo dos doutores letrados, desses de anel no dedo, que usam ternos importados e falam a língua da metrópole.
Não, não estou me queixando aqui do ministro da economia e dos economistas em geral, analfabetos na própria língua mãe e que não podem ser chamados de míopes porque não têm visão (vale ressaltar que há economistas que não só enxergam como pensam, mas esses estão longe do poder e da mídia). Falo da turma do direito, mesmo.
Um advogado (cujo nome não foi divulgado) entrou no Superior (ó!) Tribunal de Justiça pedindo para que um aborto de um feto anecéfalo (sem cérebro) não se realize. O ministro Feliz Fishcer concedeu a liminar impedindo o aborto. Desculpa dada pelo advogado, e aceita pelo ministro, é de que o feto estaria na iminência de sofrer uma ameaça de morte, o que contraria aquele livrinho de piada que pra ralé tem poder de lei chamado Constituição, que tem como um dos pilares a defesa do direito à vida. Claro
que não é o advogado que tem que agüentar na coluna, por nove meses, o peso de um monte de carne prestes a ser jogada fora, não muito depois de ser parida.
A questão do aborto é polêmica, sem dúvida. No Brasil, nem isso: a questão sequer é abordada. Talvez isso se explique pela religião. Na Holanda, como em outros países da Europa, a religião predominante é a protestante, que não quer dizer muita coisa vide exemplo de Bush Jr , mas que tem no momento da sua fundação todo um movimento de contestação. Isso talvez ajude a
circular um pouco as idéias. O contrário do Brasil, em que predomina a igreja católica e ascende as seitas neo-pentecostais, que são pra lá de reacionárias (vale lembrar que pregam abstinência sexual e são contra camisinha e outros anti-conceptivos), não sobra muito espaço para se refletir e discutir. Se dependesse das igrejas, não sobraria espaço algum pra se pensar! Como muitos seguem à risca as diretrizes da igreja (pelo menos no aspecto pensar), resulta que a gente é obrigado a conviver com absurdos como essa liminar.
Fosse um feto sadio e normal, até dá pra entender o porquê de vozes se levantarem contra o aborto. Afinal segundo a carcomida e decrépita ética cristã trata-se de uma vida, e o aborto é um assassinato (para um debate mais aprofundado sobre aborto, e a ética cristã em geral recomendo o livro Vida Éticado filósofo australiano Peter Singer, editora Ediouro. Sobre o aborto também vale a música do Gabriel O Pensador, Pátria que me pariudo disco Quebra-Cabeça). Agora, pra que gestar durante nove meses um feto que nascerá sem cérebro e não tardará muito para morrer (se é que dá pra chamar de vida o que ela terá)? Matar um feto que não viverá é um atentado à vida? E todo o desgaste e custo e inconvenientes que terá a progenitora, isso não é um atentado à sua vida? Vai ter de parar com suas atividades rotineiras, perder nove meses da vida, por causa de um monte de carne que vai direto pro lixo? A decisão do STJ é simplesmente revoltante. Falta um mínimo de bom senso. Estudam tanto pra continuarem tapados como uma porta! E o movimento feminista do Brasil, onde está?

Pato Branco, 14 de janeiro de 2004

sexta-feira, 9 de janeiro de 2004

Uma mão lava a outra

Falei na última crônica nas verbas distribuídas generosamente pela imprensa nacional. As revistas semanais não ficariam de fora, claro. Entende-se bem o porquê da revista Veja ter ficado com o bolo maior (R$ 1,2 milhão), afinal trata-se da maior revista semanal do país. Mas na segunda posição veio a revista Carta Capital, com seus modestos 55 mil exemplares (a revista Época tem algo em torno de 500 mil leitores). Nada surpreendente. Carta Capital, que Mino Carta, seu editor-chefe, se gaba de imparcialidade, independência e espírito crítico, apoiou Lula já no primeiro turno da eleição presidencial. E como diz aquela canção do Arnaldo Antunes: uma mão lava a outra, lava uma. O apoio que Mino deu à Lula não foi algo tão desinteressado assim, preocupado unicamente na melhor opção para o país.

No quesito independência, Carta Capital, ao que parece, não vende reportagens como Veja, mas tem esquece de certas coisas que deixa a gente pasmo.
Exemplo primeiro: já faz um par de anos Carta Capital fez uma reportagem sobre transgenia, mas transgenia em animais, em plantas, nada. Uma das principais propagandas daquela edição era da Monsanto. Talvez seja só coincidência, mas...
Exemplo segundo: a revista tem como um de seus sócios o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, sócio também de uma universidade particular, a Facamp (que se utiliza de parte da estrutura da Unicamp, diga-se de passagem). Educação superior no Brasil é um tema que recebe uma atenção considerável da revista, mas detalhe: nem uma linha sobre universidade públicas. Estão ameaçando cortar a luz da UFRJ por falta de pagamento? Vão fechar o PS do HC da Unicamp? Instalação de cartão de débito de banco privado como cartão de registro acadêmico nas universidades paulistas? Bem, isso Carta Capital
desconhece. Agora inadimplência de alunos, aumento na qualidade das universidade particulares, boas universidades a preços acessíveis, tudo isso você encontra nas páginas da revista.
Semana passada saiu na Folha de São Paulo uma reportagem sobre o recorde de aposentadorias na Unicamp, vamos ver se desta fez Carta Capital fala alguma coisa.

Pato Branco, 09 de janeiro de 2004

quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

A oportunidade perdida

O PT surgiu nos anos da ditadura militar, e apesar de combatê-la e defender
a democracia parece não muito interessado em efetivá-la. Não me refiro à
democracia internado partido, mas sim à democratização de um certo país
tropical chamado Brasil.
Impossível haver democracia em um país em que uma família controla
emissoras de tevê, rádios, revistas, jornais. Não falo apenas da família
Marinho, que controla a maior emissora de tevê do país, com índices
absurdos de audiência, mas de qualquer dono de imprensa do interior do
país, que não passa de um Marinho em versão estadual, regional, municipal.
Mas é nos grandes que vou me deter, afinal, eles detêm grande poder de
influência no país, na Globo em especial.
Lula assumiu o governo com a mídia de joelhos: altos custos, atoladas em
dívidas: a imprensa nacional pedia ajuda. Antes mesmo do início do seu
governo o PT se sensibilizou com a situação: ajudou na aprovação da lei que
permitia a entrada de capital estrangeiro na imprensa nacional. Coisa pra
se ficar indignado, mas que os otimistas de plantão (e éramos a maioria)
preferiram deixar passar, achando que se tratava de algo inevitável para
manter a governabilidade.
Veio então a tardia data em que Roberto Marinho morreu. Tudo bem, a família
Marinho é poderosa, não precisava fazer festa ou passar o documentário da
BBC Além do Cidadão Kane(Beyond Citizen Kane) em horário nobre na tevê,
ficar em silêncio estaria de bom tamanho. Mas não, o governo tinha que
abrir a boca e elogiar o imortal Roberto Marinho pela contribuição para com
a democracia do Brasil. Proconsult, Diretas já e Collor, só pra citar três
belos atos democráticos da rede Globo, não existiram.
Deu na Folha de domingo, na coluna do Josias de Souza a outra forma (além
do capital estrangeiro) pela qual o governo ajudou a imprensa nacional: a
propaganda dos 50 anos da Petrobrás. Foram gastos R$ 54 milhões em um ano
de publicidade! Mais do que foi liberado para muito ministério! Mais do que
a Petrobrás gastou nas suas iniciativas sociais (R$ 50 milhões, gastos em
iniciativas realmente úteis)! Acima da Petrobrás apenas a Schincariol, com
R$ 60 milhões e uma campanha publicitária com um objetivo específico e
alcançado: vender a Nova Schin. E a Petrobrás, no que resultou toda essa
dinheirama gasta? Resultou na divulgação do governo do PT (aliás,
publicidade é uma das únicas áreas em que o PT sabe fazer alguma coisa), e
num alívio para as empresas de mídia.
Somente a Rede Globo de televisão abocanhou R$ 28,2 milhões, dos R$ 30,8
milhões que os Marinhos receberam. Não é a redenção, mas é um grande alívio.
Lula, na questão da mídia, se mostrou mais uma vez um covarde, pusilânime.
Mostrou também que não sabe aprender com o dia-a-dia. Com a imprensa
passando o pires, nada melhor do que oferecer ajuda... sob certas
condições. Algo como o FMI faz conosco. Os Marinho precisam de dinheiro?
Vão ter o dinheiro, desde que se desfaçam das suas rádios, revistas e
jornais, desde que fatiem sua audiência.
Ao invés de se aproveitar da imprensa em crise para impor a democratização
da mídia, Lula preferiu se subordinar mais uma vez aos poderosos. Em troca
do que? De elogios no Jornal Nacional, que ajudarão na popularidade do
presidente. Elogios, diga-se de passagem, que podem cessar a qualquer
momento, se o governo não fizer o que a mídia quiser. O resultado já é
sabido: no futuro próximo, nenhuma mudança significativa à vista.

Pato Branco, 07 de janeiro de 2004

sexta-feira, 2 de janeiro de 2004

A política externa altiva

Lula não acha seu governo perfeito, mas muito perto disso, mas se tem alguma coisa que ele enche a boca pra falar e da sua política externa, tida como a menina dos olhos do seu mandato. Sem dúvida é muito importante a união dos países pobres na busca de melhores condições de negociação com os países ricos, mas falta ao governo Lula uma alternativa real à exploração
atual feita pelos países ditos de primeiro mundo. Lula tem defendido e apregoado o livre comércio como solução dos problemas brasileiros e mundiais, igualzinho ao que faz os EUA, e não tem buscado um caminho alternativo, baseado na cooperação entre países.
Política externa, como toda política, é feita de concessões, e o PT sabe disso. Mas concede muito mais do que deveria. A Monsanto foi uma contemplada com a benevolência do governo petista, no único veto que Lula fez à medida provisória que libera o plantio dos transgênicos ele tirou da Monsanto qualquer responsabilidade por eventuais danos à saúde ou ao ecossistema que a soja transgênica pode trazer. Precisa mais alguma coisa pra pôr a soja transgênica sob suspeita, se nem sua produtora põe a mão no fogo por ela? E o pior, o governo a protege. Nada que surpreenda, já que o governo já havia cedido ao lobi uma vez e dado perdão ao crime de agricultores que plantaram soja transgênica safra passada (vale lembrar que então plantar soja transgênica e vender cocaína era duas contravenções penais, por que não libertar todos os traficantes de drogas também?).
Mas voltemos à política externa. Já que o Itamaraty não fazia nada o juiz federal Julier Sebastião da Silva, de Mato Grosso, resolveu agir e, baseado no princípio de reciprocidade entre as nações, impôs ao turistas estadunidenses as mesmas regras para entrar no Brasil que estão submetidos os brasileiros para entrar nos EUA. Daria até pra desculpar o lapso do governo brasileiro, afinal é fim de ano, e a vaca louca atacou nos Estados Unidos, o presidente teve que rever todo seu plano de churrasco de ano novo, ver de onde importaria a carne agora que a carne dos EUA tinha sido barrada (afinal, se ele sequer fuma cigarro brasileiro, por que crer que
ele vá comer carne brasileira?), Argentina, Austrália, enfim, ele estava numa resolvendo uma questão de estado delicada. Mas não contente em não ajudar, o governo federal resolveu atrapalhar, e já avisou que acionará a advocacia geral da união para derrubar a decisão do juiz.
Depois de mais essa bela demonstração de independência do governo brasileiro (independência frente aos interesses nacionais), eu gostaria de perguntar ao senhor presidente: o que significa altivo para o senhor?

Pato Branco, 02 de janeiro de 2004

E agora, Genoíno?

Salvo banqueiros e donos da mídia, o governo Lula tem conseguido desagradar a gregos e troianos. A esquerda já há tempo vinha criticando a forma como tem governado o lulismo-petismo (como está na moda chamar), parlamentares (os mal-chamados radicais) e intelectuais já demonstraram por a mais b que o caminho seguido por Lula é o mesmo que o de FHC, com o agravante de não
ter oposição ideológica; a direita também não está satisfeita, PSDB e PFL vêem muito de suas propostas excluídas das do PT, e o analista Paulo Leme, para quem só o mercado salva, acha medíocre o governo se satisfazer com crescimento de 4%. Esta semana foi a vez do centro abominar o atual governo, com um artigo muito duro do filósofo Mangabeira Unger.
O filosófo não teve receios em qualificar o PT como a maior força da direita brasileira, com atitudes que vão de encontro dos interesses dos trabalhados que o PFL não tomaria. Diz ele que o PT trocou sua base, de classe média e trabalhadora organizada, pela classe rica, à qual serve, e pela classe baixa, à qual qualquer migalha satisfaz. Ele conclui o artigo dizendo que o PT é um desvio na história brasileira que deverá ser corrigido. A resposta do PT, dada pelo seu presidente, José MalufGenoíno, foi simples e pretensiosa: foi resultade de ciúme político do filosófo, e em 2004 Lula vai mudar o Brasil. Provavelmente o companheiro Genoíno
esqueceu-se de que Unger, padrinho político de Ciro Gomes, foi o principal defensor da desistência da candidatura deste e de Garotinho para que Lula vencesse logo no primeiro turno. Mas como todos sabemos, a memória é seletiva, e o cérebro do PT não tem muita capacidade de armazenamento, ficando restrito a fatos recentes, e não conseguindo prever conseqüências que vão além de alguns poucos meses.
Mas digamos que Unger esteja mesmo com ciúmes porque perdeu as eleições e não pôde ver seu projeto (de governo, e não de poder, tal como o petista) posto em prática. Eu queria saber como Genoíno desqualificaria a notícia de que o governo Lula desagrada os trabalhadores e privilegia os ricos. Engana-se quem pensa que essa notícia foi dada pela Caros Amigos ou pelo
Brasil de Fato. Quem disse isso foi um dos principais jornais do mundo, o britânico Financial Times. Fracassomaníaco, faz o jogo da direita, ciúme eleitoral, visão distorcida do mundo, jornalzinho de merda, comunista, fascista, imperialista. Ficamos aguardando ansiosos a resposta que o PT dará a essa constatação do Financial Times.

Pato Branco, 02 de janeiro de 2003