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sexta-feira, 15 de março de 2024

Mais que frente ampla, as esquerdas precisam mostrar o que elas defendem e propõem

Em 2022, quando Lula foi declarado vencedor do pleito eleitoral, minha bolha comemorou: “o amor venceu o ódio”. Do outro lado, pelo que li em alguns jornalistas que acompanhavam grupos bolsonaristas, o discurso foi o inverso, praticamente um “o ódio venceu o amor”. Para quem não sai da bolha ou tem dificuldade em escutar o outro, pode parecer absurdo relacionar alguém que profere discursos de ódio ao amor.

Ocorre que amor - como tantos outros conceitos abstratos e gerais - é um significante vazio, comporta qualquer significado: é manipulável e usado para manipular. Além disso, amor é tido como um valor positivo em absoluto pela nossa sociedade - e sabemos que não é, vide o tanto de pessoas que matam “por amor”, e não deixam de ser sinceros ao alegar tal motivação.

Para os seduzidos pelo discurso neofascista - o homem e a mulher “comum” -, se o candidato que se apresenta declarando amor pela família, pela pátria, por deus, pela liberdade, pelos valores, pela ordem, pela harmonia, perdeu, logo só pode ter vencido seu antípoda, o candidato contra a família, contra o amor, a liberdade, em suma, o candidato do ódio.

Reconheço: ao escrever este texto, precisei pensar muito para conseguir identificar o que preencheria esse significante vazio dito amor nas esquerdas - ele se faz numa mistura mal azeitada de identitarismo e recusa do discurso do ódio com pitadas de superioridade moral -, enquanto o amor da extrema-direita é fácil de ser catalogado, é simples, simplório, feito de palavras-chave e pitadas de superioridade moral (faça o exercício você). De qualquer modo, é difícil esses discursos de amor angariarem apoio fora dos convertidos, o que implica a extrema dependência de um líder carismático, isso à esquerda e à direita - que, apesar da dependência de Bolsonaro, ainda tem um discurso mais bem estruturado, muito mais. 

As esquerdas, para além de platitudes e discursos vazios, tem oferecido e proposto pouco, polemizado em cima de novas questões que estão longe de afetar a maior parte da população (como essa quixotesca cruzada contra a gramática ou a sem fim sopa de letrinhas, enquanto seguimos como o país que mais assassina pessoas “heterodoxas sexuais e de gênero” no mundo) e fornecido paliativos e mais do mesmo quando no poder; incapaz de mobilizar e ocupar as ruas e as redes, bate cabeça e se torna conservadora, para evitar perdas maiores.


Na reportagem de capa da edição 1301 da revista Carta Capital (13 de março de 2024) há aspas para o professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, José Dari Krein, falar sobre o STF: “o Supremo, nos últimos tempos, teve uma função importante de preservar a democracia, mas do ponto de vista dos direitos sociais tem uma visão eminentemente liberal-conservadora que joga contra o trabalho decente e a perspectiva de proteção e inclusão dos trabalhadores”.

Ora, democracia é outro desses significantes vazios. Não por acaso, bolsonaristas e a extrema-direita dizem defender a democracia, mesmo pedindo intervenção militar; os militares dizem  ter salvado a democracia no país com o golpe de 1964 e a ditadura que se seguiu. Cuba, China Coreia do Norte se afirmam democracias populares; enquanto Estados Unidos, Coreia do Sul, Itália se afirmam democracias liberais - e não me parece que os países estejam mentindo ao se afirmarem democráticos. O ponto é: o que define uma democracia? Ou melhor, o que define o tipo de democracia que cada um se afirma? E pergunto: qual a democracia que as esquerdas propõem para o Brasil?

Eleições regulares são parte da democracia liberal, isso basta? Escolher a cada dois anos representantes que não representam a maioria da população e mandatários que não mandam dado o desequilibrado sistema de pesos e contrapesos que marcam nossas instituições (e estou longe de defender uma hipertrofia do executivo, o problema é todo o desenho representativo e burocrático nosso)? O Estado de Direito seria outro pilar da democracia liberal: todos sob o jugo das leis. Que leis são essas? Quem as faz? Leis que dão isenção de impostos a igrejas e cobram imposto de renda de quem ganha mais de dois salários mínimos; leis que induzem políticas públicas que favorecem endinheirados de toda sorte e dão migalhas (quando dão) ao grande público. Quem estará disposto a defender esse tipo de arranjo? Por que iríamos para as ruas em defesa de sermos explorados, só que sem tanto afinco? A charge da época de Bolsonaro, da árvore defendendo a motosserra pode ser substituída por uma em que a árvore defende o machado, simplesmente porque a devastação ocorre mais lenta - mas ocorre. Estamos adoecendo pelo trabalho, não vendo sentido na nossa existência coordenada pelo fluxograma de trabalho e consumo, e o que temos como proposta das esquerdas? Que utopia vislumbramos? (Comprei mas ainda não recebi o novo livro do Safatle, do que vi na minha bolha, ele parece fazer questionamentos nessa linha).

Quando o STF solapa direitos sociais, que democracia é essa que ele preservou? Por que estamos tão emocionados com o STF na defesa da regularidade das eleições (o que não significa não vê-lo como aliado de ocasião)? Convém ressaltar que para boa parte da população o fim da ditadura significou apenas a possibilidade de voto, nada além: seguem vivendo sob um estado de exceção, em que podem ser presos e mortos pelas forças do Estado sem qualquer julgamento, sem nem mesmo qualquer suspeita (os assassinatos perpetrados pela polícia em maio de 2006, por exemplo, contra mulheres grávidas, inclusive). Ou seja, uma democracia incompleta até no seu mais básico - que dizer se decidirmos democratizar ainda mais a sociedade. Se o STF tem agido contra direitos trabalhistas e sociais, ele não está defendendo a democracia, ele apenas agiu em favor de eleições, evitou o colapso total do sistema democrático, mas a democracia está longe de ser efetiva nestes Tristes Trópicos, e o Supremo, pela fala de Krein, é um dos responsáveis.



Boulos fala em “frente ampla” para estas eleições, outro termo que precisa ser preenchido - bem preenchido - para fazer sentido, para mobilizar. Seja a de 2022, com Lula, seja a frente ampla agora pela prefeitura de São Paulo, elas são frentes amplas a favor do que? É sabido contra o que elas são organizadas, mas a favor do que? Da democracia, esse termo vago e desacreditado (pela própria dinâmica da democracia em nossa sociedade periférica e pornograficamente desigual)? A favor de melhores condições de vida, de uma cidade melhor? Do amor? Da família? Tudo isso tem do outro lado - ou pode ter, se eles quiserem.

Precisamos dar substância para nossas propostas e reivindicações, mesmo que vagas, mas que tenham mais peso que palavras vazias, que possam significar algo para quem não é branco (ou embranquecido na sua forma de se pôr no mundo) e de classe média. Precisamos complexificar o debate político, não subestimar a inteligência da população. Recordo que na escola básica aprendi que nordestinos não sabiam votar, estavam presos ao coronelismo - afirmação sulista/sudestina feita com base em preconceito e três eleições, que ignorava a mesma dinâmica nos centros endinheirados. Nem preciso lembrar dos últimos pleitos presidenciais como votou a maioria do Nordeste. E quando falo em debate político não me refiro apenas a épocas de eleições. Se seguirmos com medo das ruas, incompetente para as redes, com problematizações escolásticas, discursos pautados por uma moderação que quebra qualquer tesão e definições vagas para significantes vazios e aderidos ao binarismo simplório da extrema-direita, a derrota será certa. O ponto onde estamos não é destino, mas estamos perdendo.


15 de março de 2024

domingo, 30 de outubro de 2022

Lula, Um Índio

Da minha casa, quando a festa na vizinhança se acalma, ouço ecos vindos da avenida Paulista. Tenho vontade de ir para a rua comemorar também, gritar o grito de alívio dessa batalha ganha, mas o cansaço fala mais alto. Cansaço, não: exaustão. 
Diferentemente das pessoas com quem cruzei durante a tarde, ao almoçar na Ocupação 9 de Julho e depois subir a Augusta e atravessar a Paulista hiper policiada, eu estava esperançoso, mas não confiante, e não consegui relaxar até o resultado final da apuração - mesmo agora, uma da manhã, sigo alerta: não haverá tentativa de golpe? 
Esse peso todo que senti aliviar às oito horas da noite, não era de hoje, nem do último mês. Mais que alívio, o que sinto nesta noite de 30 de outubro é um esgotamento que penetra feito frio os ossos. Estamos prestes a encerrar mais um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata. 
São oito anos de golpe contra a democracia e a economia brasileira, iniciados no conluio grande mídia e judiciário, sob a batuta do Departamento de Estado dos EUA; são seis anos do início da militarização do Estado e implementação do ultra liberalismo, que joga milhões de pessoas na fome, enquanto militares se empanturram de picanha e viagra; são quatro anos do início da necropolítica explícita, aprofundada pela pandemia de Covid, em que todo brasileiro se tornou um muçulmano da vida nua; quatro anos de ampliação da destruição e da pilhagem de tudo o que fosse possível - deixarão para Lula administrar não exatamente um país, antes, escombros. 
São oito anos de derrotas em sequência, nas votações nas urnas e no parlamento (excluo daqui os nordestinos, que têm mais consciência política e tiveram um respiro em seus estados), que só foram estancadas agora, com a dramática vitória de Lula. Tivemos a vitória de Dilma, em 2014, é certo, porém uma vitória de Pirro, uma vez que se acreditou que vencida a batalha estava encerrada a guerra. Depois de oito anos de golpes permanentes contra o Brasil e sua população, depois de uma campanha eleitoral tensa, com abuso de todo tipo de crimes por parte do presidente, a vitória de Lula foi um alívio e se desenha como possibilidade de redenção nacional - e internacional, no combate ao neofascismo. 
Seu discurso de vitória foi grandioso, não por ter falado algo extraordinário em uma retórica sublime, mas por ter dito o óbvio para qualquer ser humano que não perdeu a humanidade e a empatia. Me emociono - justo por ser o óbvio, justo por ser o que perdemos no debate público desde 2013, justo por ver o quanto nosso tecido social foi esgarçado pela estratégia da extrema-direita. “É hora de baixar as armas que jamais deveriam ter sido empunhadas. As armas matam e nós escolhemos a vida". 
Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante. Estou cansado, preocupado, feliz. Amanhã vai ser outro dia, mas não é uma vitória eleitoral (a margem estreita é mentirosa dos verdadeiros anseios da maioria da população) que fará o óbvio retomar seu estatuto de óbvio - a mobilização e o trabalho de base serão mais necessários que nunca para, quem sabe, daqui oito anos, possamos estar discutindo os problemas do Brasil durante a campanha presidencial. Ouço fogos vindos da Paulista. Estou esgotado, e amanhã seguiremos nossa luta, impávidos como Muhammad Ali, apaixonadamente como Peri, o axé do afoxé Filhos de Gandhi, conscientes como um nordestino - porque a máquina da extrema-direita segue atuando na hora do almoço.


30 de outubro de 2022

 

terça-feira, 23 de novembro de 2021

A reeleição do projeto liberal-fascista prescinde do nome de quem o aplique

Oliver Stuenkel, professor da FGV, em artigo publicado há uns dias no El País, comenta que o autocrata precisaria da reeleição para ganhar força e pôr em xeque a democracia do país. A tese parece razoável: a primeira eleição do "outsider" seria um voto de protesto contra o sistema representativo liberal, já a reeleição seria o aval ao que foi rascunhado no primeiro mandato, dando força para o aprofundamento de mudanças que atentam contra democracia liberal burguesa e o estado democrático de direito. 

A argumentação para corroboração da tese, contudo, pouco (ou nada) colabora para sua defesa: começa com um contraexemplo - Fujimori que deu o golpe em apenas dois anos - e no balaio de casos apresentados, há uma mistura desconexa e sem qualquer contextualização, sem qualquer menção às oposições a esses pretensos autocratas, bem ao gosto de argumentações rasas e ideológicas, em que a conclusão não decorre das premissas, mas dá um verniz de seriedade e pode servir para alguma mobilização, mesmo que virtual [https://bit.ly/30T9yX6].

(Parênteses: essa tese é o argumento usado por cinco eleições federais contra o PT, de que se vencessem o próximo pleito implementariam uma ditadura - aprovando, inclusive, a "PEC da Bengala" para evitar o "aparelhamento" do STF (por petistas como Fux, Barroso, Cármen Lúcia, etc). Ao cabo, Lula e Dilma foram de um republicanismo de almanaque (no sentido de ignorar as condições reais, fora da teoria) e nunca passaram nem perto desse roteiro, enquanto FHC não precisou do segundo mandato para mudar a constituição para atender aos seus anseios pessoais, ou melhor, aos anseios de uma classe que se via encarnado nele e seu governo. Fecha parênteses)

Como eu disse, apesar de mal defendida, a tese de Stuenkel parece razoável - ao menos logicamente. Ainda assim, ele ignora algumas peculiaridades da Terra Brasilis, que poderiam nos ajudar a entender melhor nosso caminho para uma ditadura menos ou mais fechada (ou uma democracia mais ou menos aberta, se se quiser manter as aparências de normalidade que a grande imprensa tupiniquim adora). 

O elemento mais significativo ausente do texto do acadêmico talvez seja o poder que as classes dominantes tem sobre as instituições brasileiras, a ponto de apenas Vargas, entre 1930 e 1945, ter conseguido se sobrepôr ao seu controle estrito - mas era um contexto bem peculiar e um político também extraordinário. Tivemos 21 anos de ditadura militar em que houve revezamento de ditadores eleitos; e a ditadura caiu basicamente pela conjunção de fatores internacionais com um projeto de desenvolvimento mais autônomo por parte dos militares (o II PND), que fizeram com que essas mesmas elites os abandonassem e passassem tentar a balizar a democracia da Nova República - sendo atropeladas pelos movimentos sociais nascentes que confluíram para a finada Constituição Cidadã, de 1988.

Ao caso brasileiro atual. Se é uma regra que segundo mandato empodera autocratas, não sei, mas o que se desenha para um segundo governo de extrema-direita é o recrudescimento do que foi feito até agora pelo governo Bolsonaro, e o acabar de vez com o fiapo de democracia que resta no país - assim como fez Ortega na Nicarágua -, com implementação de um estado de exceção constitucional (como foi feito pelo Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, que nunca revogou a constituição de Weimar). Repare que falo em "segundo governo de extrema-direita" e não "segundo governo Bolsonaro", justo porque, ao gosto da tradição das nossas elites, o que importa mesmo é que o projeto tocado pelo executivo seja do seu agrado (e dos seus financiadores internacionais). 

Como disse Rosângela Moro sobre seu marido e o atual presidente: "Eu vejo uma coisa só". E de fato são: o projeto de ambos, em seus detalhes, é o mesmo. A diferença é a forma de aplicá-lo - e nisso Moro parece ser mais bem assessorado para passar um verniz de pessoa menos tosca, o que agrada nossas elites e seus asseclas de classe média. 

Por isso, uma eventual eleição do ex-juiz de camicie nere me parece mais perigosa do que a reeleição do atual presidente: seria, no fundo, a reeleição do projeto fascista-liberal posto em prática desde o golpe de estado de 2016, agora com aval cego das elites e da mídia corporativa nacionais (e internacionais), o que permitiria uma perseguição feroz a todo tipo de dissidência - dos famélicos que "roubam" comida vencida do lixo, aos movimentos sociais, passando pelas lideranças políticas de envergadura, de qualquer espectro político (ou seja, tirando esse último aspecto, basicamente o que ele fazia como juiz de primeira instância [https://bit.ly/30TvVLv], agora como presidente da república, comandante em chefe das forças armadas e com o poder de nomear os chefes dos órgãos de investigação e espionagem e ministros do STF e STJ). 

O Partido Militar já está com ele (possível que indique o vice, dizem que seria outro egresso do governo Bolsonaro) e o PSDB deve aderir em breve (se é que o partido ainda tem alguma relevância política verdadeira, fora do interiorzão de São Paulo). Os partidos fisiológicos de direita, esses poderiam ser comprados a granel - apesar de toda a antipatia que nutrem pelo ex-juiz. A esquerda não deve fazer uma votação expressiva que lhe garanta poder de veto no congresso. Assim, a eleição de Moro desarticularia a (já enfraquecida) oposição efetiva que há contra Bolsonaro. A assinatura de dois tratados cosméticos na área do clima e da preservação da Amazônia faria ele bem quisto internacionalmente. Mais que Bolsonaro, Moro é fraco e precário, mas quem o sustenta, não.

Restam ainda duas questões essenciais: se Moro vai mesmo concorrer à presidência e se possui chances reais de vitória, com todo seu carisma e empatia. 

Há muitos analistas cantando que Bolsonaro não disputará a reeleição: com isso a faixa da direita e extrema-direita fica aberta para ele, que passa a ser postulante ao segundo turno, caso haja - Ciro tentou entrar nela, mas tudo o que conseguiu foi perder boa parte do que tinha pela faixa de centro-esquerda e centro-direita. Lula é outro empecilho nesse projeto: além de estar muito à frente nas pesquisas e ter uma rejeição baixa, em um debate humilharia Moro de tal jeito, caso este tivesse coragem de participar, que seria difícil o marreco manter os votos - e não haveria edição do Jornal Nacional que o salvasse. Há a alternativa 2018: impedir o ex-presidente de disputar o pleito. Como judicialmente isso parece difícil (no máximo, provável que a campanha petista seja impedida de falar da Lava Jato ou da atuação de Moro como ministro do Bolsonaro), haveria a possibilidade repetir o atentado a Lula, feito em março de 2018, no interior do Paraná, mas dessa vez com profissionais: candidato morto não disputa eleição - o ponto seria só não ser muito próximo da data do sufrágio, de modo que houvesse briga entre seus sucessores a ponto de enfraquecer o PT e a esquerda (Ciro poderia surgir como opção nesse caso, mas se queimou suficiente para ter poucas chances mesmo nesse caso).

Faltando pouco menos de um ano da eleição de 2022, mesmo sem saber quem serão os concorrentes de Lula, já sabemos como correrá a disputa: imprensa corporativa agindo como braço publicitário do seu candidato, demonizando ou invisibilizando as esquerdas e toda fala que não entoe sua cartilha ultra-liberal, e a "terceira via" com as mesmas propostas que o PSDB apresenta desde 2010: anti-petismo raivoso e valores conservadores hipócritas. Deu certo em 2018, quando a terceira via do momento venceu, a despeito de todas as análises dizendo o contrário. Não creio que se repita em 2022, mas é de bom tom não subestimar o poder de nossas elites. 


23 de novembro de 2021

domingo, 12 de setembro de 2021

12 de setembro: o fiasco da tentativa de uma nova onda antipetista

Se o 7 de setembro bolsonarista foi um fiasco, o 12 de setembro da tal terceira via é até difícil de classificar. Houve forte discussão se a esquerda estaria sendo sectária ao não participar do ato convocado pelo MBL - assim como muito se debateu se o Grito dos Excluídos, que acontece há 27 anos no dia 7 de setembro, deveria ser mantido ou a esquerda e os movimentos sociais deveriam fugir e deixar a rua para os fascistas. 

Modestos mas não esvaziados, os Gritos dos Excluídos aconteceram em todo o país - e tive a impressão de terem sido maiores que em anos anteriores (quando eu participava, ainda que discretamente, da sua organização). O 12 de setembro, mesmo com convocações na grande mídia e sem o temor de "conflito nas ruas", foi um fiasco digno de nota.

Contudo, as notas tem sido postas sempre no MBL, responsável pela convocação e, portanto, pelo fracasso. Nada mais falso. MBL nunca teve organicidade nem relevância, se não for a reboque de outros movimentos - sempre de tendências fascistas, fascistóides ou fascistizantes.

Muitos temiam que o 12 de setembro tivesse considerável adesão e a esquerda ficasse escamoteada num pretenso movimento de impeachment, com a pauta capturada pela extrema-direita - tal qual aconteceu em 2013, pelo próprio MBL (surgido para confundir os incautos com o MPL que puxava os protestos) e afins. Parte da esquerda já tinha ajudado a preparar o terreno para o putsch mblista da pauta, ao focar demasiadamente na figura do presidente da República, com o #ForaBolsonaro se sobressaindo a temas mais importantes de quem o conduz (e que, sabemos, serão mantidos por um eventual governo Mourão). Era limitar todo o movimento a tirar o presidente (seja da cadeira presidencial, seja da corrida de 20220) e deixar a boiada seguir passando - tal qual explicitara o ex-secretário de Geraldo Alckmin, então ministro de Bolsonaro.

Não houve fracasso do MBL nos pífios atos de 12 de setembro. O que fracassou foi toda uma estratégia de parte das elites de repetir o movimento de impeachment de Dilma, derrota de Haddad em São Paulo e eleição de Bolsonaro: o ato deveria ter sido um fato político novo, ele marcaria uma nova grande comunhão nacional dos que não estão fechados com nem o fascismo bolsonarista nem com a social-democracia e entulhos do estado de direito (como foi o impeachment de Dilma). Não estar junto com os fascistas de sapatênis do tucanato, com a #TurmaBoa do coronel esclarecido do Ceará ou com empreendedores do movimento bolsonarista light (como bem classificou Pablo Villaça) seria pactuar com setores minoritários e radicalizados da sociedade, com os corruptos, com os autoritários. 

Com a meia dúzia que conseguiram aglutinar, apesar de toda mobilização, fica evidente quem são os minoritários, mas ainda assim devem insistir no discurso de que são eles os democratas - as análises de certos jornalistas porta-vozes do capital já apontam essa tentativa, ao culpar o PT pelo fracasso, por se recusar ao participar do ato contra o partido e contra Bolsonaro.

O ponto agora para essas elites é como conseguir derrubar Lula e o PT, para não serem obrigados a fazer uma escolha muito difícil em 2022. Devem fazer mais algumas tentativas com uma terceira via civil, enquanto aumentam os ataques às esquerdas e analisam se o enquadro de Gilmar Mendes e Temer a Bolsonaro de fato colocou o mandatário na linha que eles gostariam - ou se Mourão teria alguma viabilidade política, ou Santos Cruz. Lula, por seu turno, deve fazer também acenos, já que, em tese, sai ainda mais forte desses dois fracassos seguidos dos movimentos anti-lulistas.

Esquerdas e movimentos sociais marcaram suas mobilizações para o dia 02 de outubro. Será um teste vital para ver sua capacidade de mobilização e, principalmente, sua capacidade de articular pautas importantes para o conjunto da sociedade - desemprego, inflação, educação, saúde, comida, vacina -, e sair da armadilha de encarnar todos os males em Bolsonaro (seria interessante que conseguisse furar a cortina de ferro posta pela mídia corporativa, mas isso é mais complicado). Uma mobilização que consiga pautar o debate de temas e não de nomes.


12 de setembro de 2021