sexta-feira, 21 de julho de 2023

Banheiro interditado, 2 - o desvelar de um mistério [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça.]

Nos anos 90, as pessoas mais antigas vão se lembrar (não que eu tenha como me lembrar disso! Foi uma dessas que me contou, me falha a memória se foi o nobre colega Carnegie ou a nobre colega Meireles), havia uma propaganda de refrigerante em que, num primeiro momento, um líquido verde insinuantemente refrescante era despejado num copo; no momento seguinte a câmera abria o plano e no vasilhame do qual tal líquido saía e lia-se “óleo de fígado de bacalhau”; a seguir a voz em off recitava o slogan: “imagem não é nada, sede é tudo. Respeite sua sede”. Moral da propaganda: podemos ter sede do que for, inclusive de óleo de fígado de bacalhau, e isso merece ser respeitado por todos. Havia também quem interpretasse a mensagem como um alerta de que as imagens enganam, mas não acho que uma propaganda teria interesse em ludibriar alguém.

De qualquer modo, vou utilizar essa segunda interpretação para falar de criança: aparências enganam. Crianças bem comportadas, ou costumam ser pobres crianças reprimidas e infelizes; ou não são tão bem comportadas assim. Falo por experiência própria: sempre fui essa criança exemplo para professores e pais de amigos: artes fazia algumas, claro, mas eram coisas simples e não mereciam nem uma bronca de verdade. As artes mais espoletas, que mereciam ir para direção, tomar bronca, chamar os pais, quando não faziam a coordenação quase ter um chilique, essas eu nunca fiz - apenas era o mentor intelectual para meus coleguinhas com menos tino (e menos ideias).

Uma das grandes estratégias que criei quando criança foi sugerir que dois colegas arranjassem qualquer pretexto para serem levados pela professora para a coordenação, deixando livre até sua volta ou a chegada do bedel para outro colega aprontar alguma, como esvaziar o extintor de pó no corredor (outra ideia minha). Deu muito certo! O problema foi que meu colegas adoraram a estratégia e depois de três vezes ficou evidente o estratagema. Houve outros casos, mas não me lembro agora - nem depois, e se alguém lembrar, não é verdade!

Em meu último texto acerca do ambiente laboral no qual me encontro, comentei do banheiro, o aviso de interditado numa das cabines, ainda antes dos efeitos se fazerem sentir pelas vias olfativas, a estranheza de tal aviso estar escrito em giz de cera, e as marcas na porta da outra cabine - não sabíamos se de um rato (ou outro animal) ou de alguém com prisão de ventre violenta. Terminava as referidas linhas com um serviço de utilidade pública, sugerindo ao dono do intestino com sérios problemas de tráfego que comesse mais fibras. 

Se essa sugestão foi útil, não sei - creio que não -, porém o texto não deixou de ter suas utilidades. Duas, para ser mais específico.

Isso graças à colega Nudd (sim, tenho uma colega a uma letra de ser uma Ludd, e nem isso a sensibilizou a se tornar uma ludista). Ela leu meu texto e o pavor do rato no banheiro se espalhou agora também entre a ala feminina do setor. A tese de Macedo, o nobre colega, das marcas serem de alguém com prisão de ventre, não convenceu - também ninguém se apresentou como sendo o autor daquelas marcas de unhas na porta da cabine. 

Eis a primeira utilidade pública: agora temos todo um setor com medo de se sentar no trono durante o expediente. Provavelmente os chefes, se ficarem sabendo da minha existência e destas mal traçadas linhas, vão me agradecer, pois isso significa menos tempo ocioso. Claro, como bons liberais que são, tem suas limitações cognitivas, e nenhum momento em seus MBA de gestão de pessoas e negócios eles devem ter se questionando se uma pessoa com vontade de ir ao banheiro renderá mais que uma pessoa com suas funções fisiológicas elementares satisfeitas - o importante para eles é que seus subordinados fiquem o maior tempo possível na posição de trabalho, mesmo que não estejam trabalhando (para um liberal, imagem é tudo; e sede dos outros, ou qualquer outra necessidade que não lhe renda lucro, não é nada).

A segunda utilidade pública foi saber que nosso estranhamento com o cartaz não era sem motivo - a começar pelo fato de que a cabine não parecia estar com problemas naqueles dias. Estamos em julho, ou seja, férias escolares. Consequência lógica: volta e meia algum colega traz seu pimpolho para passar oito horas aqui, por falta de para onde despachá-los e não terem ainda idade para ficarem sozinhos em casa. A colega Nudd foi uma que trouxe a filha algumas vezes - uma garota de uns dez anos, muito bem comportada, ainda que faladeira, se lhe derem atenção. Pois ao se deparar com a foto que ilustrava o texto anterior, com o aviso de banheiro interditado escrito em giz de cera azul, de pronto a colega Nudd reconheceu a letra da filha - ou seja, não havia interdição alguma na cabine. 

Sim, uma criança bem comportada - como eu era.


21 de julho de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Banheiro interditado [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça.]

Começo com uma nota prévia e peço desculpas, mas nem tudo no mundo são perfumes, desodorante Brut e Leite de Rosas no mundo laboral.
No setor onde trabalho, o banheiro masculino, sem saída de ar externa - mas com uma ventoinha que liga junto com a luz, e não sei se tem outra função -, é composto oficialmente de duas cabines e duas pias. Digo oficialmente porque há sempre algum problema a assombrar o referido espaço no ambiente de trabalho.
Um dos problemas, já assumido como tradição da casa, é com uma das torneiras. Ninguém a usa - salvo quando a outra está pifada -, porque não se lava só as mãos nela, mas boa parte da calça e da camisa e, a depender da altura da pessoa, dá pra lavar o peito também, tamanha a força com que a água sai. Praticamente um trote aos novatos - ou a eventuais visitas ao setor que decidem ir ao banheiro.
O outro problema se dá sempre com a mesma cabine - justo a mais ampla e convidativa. Por muito tempo sua descarga quebrava reiteradamente. E lá íamos nós, dois dias sofrendo com os odores da retrete - talvez sofrendo até mais que o pessoal da faxina, porque esses, como não era com eles, não tinham o que fazer, e podiam se dedicar aos outros banheiros do local (por sinal, isto não é uma queixa ao trabalho da faxina, nem nessa nem em outra situação, no máximo critico a terceirizada, assim como quem contrata essa terceirizada, pelos salários vergonhosos pagos e pelo papel que nos disponibiliza - isso quando não fica duas semanas sem repôr a contento). Esse problema foi dado por resolvido quando nobre colega Carmen, que tem experiência com obras, arrancou a caixa de descarga e passamos a apertar direto no parafuso da instalação. Resolveu um problema, mas trouxe outro, menor: a maioria dos usuários do banheiro masculino, sem sensibilidade para apertar algo pontual como um parafuso, soca o dedo até onde pode, transformando a cabine numa grande poça d'água (limpa! O que suja, às vezes é a terra do sapato).

O problema atual, nessa mesma cabine, não sei bem qual é. De qualquer modo, agiram rápido e antes que acumulasse odores, puseram um aviso de banheiro interditado, escrito com giz de cera azul. Houve alguma discussão sobre esse detalhe lúdico do cartaz (ainda que no setor de Fernández, funcionário do topo, ele tenha tido que pintar mapas com lápis de cor, para economizar a tinta colorida da impressora), mas todos respeitaram. Ao cabo das conversas, sempre uma certa indignação: custava imprimir uma folha com um sinal de caveira, o aviso de interditado e em caso uso, risco de arma química? Instrutivo, direto, sem chances de achar que era piada.
Entretanto, o problema maior não foi esse, mas o detalhe reparado pelo nobre colega Goreti na cabine ao lado: marcas de garras na parede. Isso gerou novo debate, e desta feita mais acalorado - e mesmo com certa apreensão. Contando que estamos no décimo andar, não há janelas no banheiro e as marcas são próximas ao chão, excluímos a possibilidade de uma pomba gigante, do tamanho de uma curucaca. As curucacas, por não existirem em São Paulo, também foram excluídas - e junto excluímos aves grandes em geral. Gato foi outra opção levantada, mas como o bicho não foi até o alto da cabine - sem falar que ninguém nunca viu um gato dentro de todo o prédio -, descartamos a possibilidade. 
Todos com medo de assumir, mas a opção mais razoável que nos pareceu foi a de um rato, que teria subido pelo encanamento - talvez atraído pelo cheiro da outra cabine em um de seus outros problemas? - e tentado escalar a cabine. Pareceu bastante razoável e para evitar uma histeria coletiva, optamos por não comentar com as mulheres do setor - cuja anatomia não permite o uso da retrete em pé. Nobre colega Desembargador, entusiasta do Capirotinho, que adorava contar que recebia pra fazer cagadas, tem evitado essa pequena vingança contra a espoliação da mais-valia que sofre - e desconfio que tenha medo de ratos, porque tem escovado os dentes (fora do horário de almoço, claro, que como o nome diz, é para almoçar e não para fazer higiene bucal, como bem ensina o Capirotinho) com uma velocidade impressionante.
Estamos nessa situação há dois dias, e hoje o nobre colega Macedo trouxe a hipótese de alguém com "dificuldade de ir aos pés" ter feito aquelas marcas. Não sofro desse tipo de constipação, mas me pareceu meio exagerado alguém espernear e se debater com tamanha veemência na cabine apenas por certo congestionamento em seu tráfego intestinal. Desembargador, por seu turno, achou mais plausível que a história do rato. Daí, então, a necessidade desta crônica de utilidade privada: colega com prisão de ventre: coma mais fibras!

06 de julho de 2023


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.