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quinta-feira, 4 de maio de 2023

As esquerdas (e o governo) seguem sem saber se comunicar com a maioria da população em tempos de internet

Houve um tempo em que as esquerdas sabiam fazer trabalho de base - não por acaso a Constituição de 1988, feita sob a pressão dos movimentos populares, desagrada nossas elites desde antes de promulgada. Com a ascensão do PT ao poder, no início do século, as esquerdas se acomodaram, passaram a acreditar demasiadamente na via institucional - sim, há movimentos que nunca arrefeceram, outros que surgiram, mas falo de modo geral -, e quem soube se aproveitar desse vácuo foram os evangélicos neopentecostais e a extrema-direita, dois grupos em boa medida fortemente ligados (comentei isso em outro texto: https://bit.ly/cG200121).

Na parte de comunicação, desde o fim da ditadura, a esquerda (ainda que não seja um bloco coeso, vou tratá-la no singular a partir de agora) não conseguiu fazer frente ao complexo midiático montado durante o período de restrições das liberdades - e no início do governo Lula, o PT chegou a acreditar que a Rede Globo seria porta voz oficiosa do governo de turno, independente de ser de (centro) esquerda ou direita. Algo muito diferente dos anos 1960, quando a esquerda soube fazer a leitura do momento e entender que a indústria cultural brasileira ainda não se fechara em sistema e era possível adentrá-la sem ser cooptado por ela (via festivais de canções, por exemplo). Estratégia exitosa e que só com a guerra cultural da extrema-direita olavista foi de alguma forma questionada com mais veemência (ainda que sem conteúdo).

Com o advento da internet, o que prometia ser uma terra livre para alguns ingênuos da tecnologia acabou por se mostrar uma terra onde a lei do mais forte impera. As tais Zonas Autônomas Temporárias (T.A.Z.) imaginadas por Hakim Bey, se acaso existiram de fato, souberam ser exploradas pela extrema-direita para seus atentados (ou em flash mobs despolitizadas). A esquerda bate cabeça diante dessa nova tecnologia - que já não é mais nova, tem trinta anos. E pior: se mostra incapaz de sequer mimetizar casos de sucesso do campo oposto - aquilo que dá para ser reproduzido dentro de certos princípios éticos, é claro.

A falha de comunicação do governo e fora do governo é muito prejudicial a várias pautas. Ao meu ver, um dos pontos dessa falha de comunicação é que a esquerda, mais que se burocratizar, se academicizou. A esquerda tupiniquim sempre teve um pé na academia, e isso não é um problema. O problema é quando essa classe média branca universitária, graças ao forte capital social acumulado (e que recusa a abrir mão, pelo contrário, faz de tudo para concentrá-lo ainda mais), começa a pautar praticamente todas as análises e estratégias da esquerda, partindo do pressuposto de que sua racionalidade é a hegemônica na sociedade. E sua racionalidade, pode não ser consciente, mas é uma versão suavizada da Teoria da Justiça, do John Rawls, com pitadas de humanismo ingênuo e preconceitos de classe (mal) disfarçados - porque a classe média (e me atribuo local de fala para dizer isto) é, via de regra, tímida, covarde e refratária a grandes riscos nas suas reivindicações: poucas são as pessoas da classe com a estatura de uma Dilma Rousseff ou um Guilherme Boulos. 

O caso do projeto de lei (PL) para regulamentar as grandes empresas de tecnologia no Brasil - e, por consequência, a divulgação de fake news por seu intermédio - é uma demonstração do retumbante fracasso da esquerda na comunicação com a sociedade - e me impressiona também como ela parece não perceber isso, ou não dar a devida importância.

Duas conversas que ouvi de passagem na rua, na quarta-feira, dia 3, quando era esperada a votação do PL. A primeira, pela manhã, em uma dessas barracas de venda de café da manhã na rua. Uma das pessoas comenta: “não estou falando só do Lula, estou falando de todo mundo; todo mundo é muito corrupto”. Ao que o interlocutor, o dono da barraca, responde: “Mas o que eles estão querendo mesmo é acabar com nossa liberdade de expressão”.

É visível que são duas pessoas muito simples, sem qualquer capital social, mesmo econômico ou cultural (para ficar nos termos de Bourdieu). 

Primeiro aspecto a ser notado: a questão da política como sendo a luta do bem contra o mal (e eu lembro de que esse tipo de raciocínio era, de alguma forma, reproduzido por vários colegas e amigos meus da faculdade de ciências sociais, mesmo quando já estavam no mestrado e doutorado), ou seja, a despolitização da política em favor de princípios religiosos (bem, mal, pureza, verdade, certo), o que mostra que o terreno está preparado para um novo arauto da moralidade, um novo salvador da pátria, um novo Jim Jones das Rachadinhas da Vivendas da Barra ou da Casa da Dinda.

O segundo, é que estou diante do lúmpen do lúmpen discutindo o que não tem, a não ser que virem um meme: condições de participar individualmente, isoladamente, como voz ativa no debate público, via concessões públicas de radiodifusão ou imprensa escrita, algum meio oficial e/ou reconhecido por onde o que dizem seria reverberado. 

Disso deriva uma outra questão: a internet se tornou não apenas uma nova ágora, mas ocupa também lugares de socialização: o clube, o bar, onde as pessoas se reuniam com iguais e semelhantes e se falava absurdidades sem consequências, por serem palavras ao vento (literalmente), com a desculpa de estar bêbado, caso se extrapolasse; ou mesmo a sala de estar ou de jantar, o antigo local onde a família se reunia para discutir os assuntos do dia (ou “aquele tempo bom que já passou”), agora expandido para além da família nuclear, uma retomada da família ampla que se fala todos os dias por meios virtuais. Talvez o medo dessa pessoa de perder seu fantasioso direito à liberdade de expressão, seja o medo de “terei que me calar dentro de minha própria casa” - decorrência da privatização do espaço público, que parece quase um tornar público o espaço privado, mas não é, uma vez que o espaço público que é contaminado por hábitos que não lhes são os mais adequados. E, claro, bem provável de haver um narcisismo dessas pessoas, desses “Zé Ninguém” tão bem caracterizados por Reich, que julgam um dia poder virar influencer, ter repercussão naquilo que dizem ou falam, influência que nunca tiveram nem nunca terão, embalados pelo canto das sereias de que a internet é um espaço aberto para oportunidades a todos. Contudo, essa confusão entre liberdade de expressão num espaço público e falar o que quiser num espaço privado é providencial para o discurso da extrema-direita e das grandes companhias de tecnologia para impôr o medo de cerceamento da liberdade (ironicamente, quem mais teme isso costuma ser quem mais defende a volta da ditadura, numa dissociação da realidade bastante evidente).

A segunda cena, presenciada no fim do dia, num ponto de ônibus, entre dois trabalhadores que aparentavam terem condições econômicas um pouco melhores que os da manhã - mas não muito, ou não estariam pegando ônibus em horário de pico. Um deles palestrava: “aí o PT vai pra favela da Maré, depois de fazer acordo com o tráfico, e não querem que a gente fique sabendo. É por isso que querem aprovar essa lei”.

Temos aqui uma outra camada de discurso, não mais de alguém que tem medo de não poder falar, mas de ser privado de conhecer - no fundo, um ignorante confortável com a própria ignorância, que o dispensa de encarar as próprias limitações. Talvez a pessoa tenha mais ciência (mesmo que não consciente) de sua condição, de seu capital social, quem sabe seja até mais cioso do que fala, para não se queimar com os próximos - atitude bem típica da classe média não totalmente cooptada pela guerrilha cultural neofascista (uma das facetas atualizadas do "arcaísmo tecnicamente equipado”, como dizia Debord sobre o fascismo). Neste caso, repassar materiais feitos por terceiros é uma estratégia de opinar sem se comprometer, uma vez que a pessoa não repassa o que escreveu ou falou, mas a fala de outrem - e não raro, quando confrontados com mais ênfase, dizem que estavam apenas trazendo um ponto para ser refletido, não necessariamente concordam com ele. Seja "opinião", seja “notícia”, o projeto de lei seria uma tentativa de censura dessa pessoa saber o que acontece de fato no mundo, a verdade; sendo que esse discurso da Verdade, de saber o Certo, de estar no caminho certo, lembra, novamente, muito do discurso religioso - e Safatle, em seu curso sobre psicologias do fascismo, de 2019 (as notas de aula podem ser baixadas em https://bit.ly/3MlKlJY) comenta dessa subjetivação do sujeito moderno ainda muito atrelada à subjetivação religiosa, cristã.


Qual o primeiro e mais evidente erro de comunicação da esquerda? Não conseguir ampliar sua bolha - isso quando consegue falar para a própria bolha. Não conseguir ir além de um academicês estéril ou de jargões que não se mostraram efetivos no debate, mas seguem sendo repetidos sem mudanças.

Quando a extrema-direita, mais bem vocalizada pelo discurso evangélico, decidiu acossar Dilma, na esteira das acusações ao Palocci, criou a expressão “kit gay” para a política anti-homofobia que o governo pretendia implementar. Em 2018, durante a campanha, tivemos a “mamadeira de piroca”. Agora, o pouco que vi, é que o que está em pauta no congresso é o “PL da censura”. Slogans rápidos, fáceis e que conseguem balizar o debate. A esquerda, por seu turno, depois de perder na discussão da PEC 95, agora sobe a hashtag contra a PL 2630. Tudo muito cativante. Um matema, uma fórmula matemática, uma expressão algébrica pode servir para explicar de maneira precisa um problema, mesmo social, mas não vai convencer quem está tomando café da manhã na barraquinha na rua, não diz nada para quem a preocupação com números é o quanto terão na conta até o final do mês? 

Em 2016 tentou se apelidar a PEC 95 de PEC da Morte, mas o termo não foi capaz de mobilizar - talvez porque no futuro estaremos todos mortos, então qual a diferença? Ou talvez porque a preocupação das pessoas seja antes de tudo a vida por levar. Sem dúvida porque a força de quem era favorável à emenda constitucional era muito mais forte, e era preciso um nome que os forçasse ao menos a se justificar. Agora a PL 2630 teve a tentativa do nome fantasia de PL das Fake News, mas em minha bolha, ao menos, o que vingou foi a expressão burocrática - e o debate foi mais pautado na questão da censura e da liberdade de expressão, como puseram a extrema-direita e as empresas, do que pelo combate às fake news. 

Sim, como a esquerda brasileira é adepta da democracia, falta uma coordenação central que dite de cima pra baixo como se dará a guerrilha de comunicação virtual; além de que, em geral, toda tentativa de algo um pouco mais célere e menos discutida esbarra em um sem número de problematizações de questões menores que fazem perder o foco e a possibilidade de uma ação estratégica. Ademais, no outro campo, temos evangélicos, olavistas, extrema-direita, grandes empresas de tecnologia todas juntas: era realmente difícil pautar o debate, mas #aprovaPL2630 #PL2630já e afins é uma ajuda que elas agradecem.


Bolsonaro tinha o cercadinho com seus apoiadores, tinha uma live semanal em que era como um convite para estar na sala com ele - a sensação a seus seguidores era que eles quem adentravam o Palácio do Planalto, e não o contrário, que ele entrava na sala das pessoas, caso fosse um discurso em cadeia nacional. Servia para ele falar as obscenidades típicas, divulgar fake news e falar de ações de seu governo (o que parece uma fake news). A escolha de ser às quintas-feiras, inclusive, me parece providencial: era combustível para conversas nas confraternizações de trabalho, na sexta, e nas de família, no final de semana - além de alimentar manchetes de jornais durante vários dias. 

Lula não precisa polemizar, mas poderia utilizar um esquema semelhante, seja para mostrar e comentar as ações do governo (por exemplo: as ações de inteligência da polícia contra os ataques na escola, que deveriam ser trending topics por dias, mas o que temos é que os ataques parece quase que pararam “porque sim”, porque os agressores em potencial decidiram parar), divulgar dados contextualizados, fazer a defesa do governo sem depender da boa vontade da mídia nas suas edições, apresentar sua versão contra os ataques da mídia-mercados. As lives deveriam ser a nova Voz do Brasil. A Voz do Brasil tem um ranço fascista? Tem. Como nossos tempos também - mas não me parece que repetir isso seja algo anti-ético, ainda que sua origem não seja nobre.

O que o governo usa são pedaços de discursos dos ministros ou do Lula em redes sociais. Não há um horário do governo, do presidente. É aleatório. Novamente, a extrema-direita agradece a incompetência palaciana - e a mídia tradicional também, pois mantém o governo na sua dependência.


Se as esquerdas e o governo não se reinventarem na parte de comunicação, se não se adaptarem aos novos formatos, àquilo que chega a maiores parcelas da população, dialoga com elas e faz sentido; se não retomar aquilo que foi feito na década de 1960, 70 e fizer uma boa leitura crítica do momento, se aproveitando das brechas existentes, daqui cinquenta anos seremos nós quem estaremos lutando contra ícones da cultura nacional aliadas ao fascismo e ao pior do que a civilização europeia nos legou.


04 de maio de 2023


PS: Sei que este texto tem uma contradição de fundo: falo da necessidade de nos comunicarmos além da bolha de esquerda acadêmica branca classe média, com um textão com toda cara de bolha de esquerda acadêmica branca classe média, que será lida por meus pares, quando muito. Dois pontos em defesa: primeiro, o público alvo deste meu texto; segundo, digo isso muito baseado em minha experiência de anos como comunicador social - o que também faz com que eu reconheça minhas limitações, por não ser uma pessoa midiática. Por isso esse apelo a abrirmos espaço para que tome a dianteira nesse processo quem soube se adaptar aos tempos de memes e reels e, principalmente, não sofre dos cacoetes acadêmicos brancos classe média.

PS2: Para constar: eu mesma cometi aqui o erro (corrigido quando revisava o texto) e chamei o projeto de lei de PL 2360, ao invés de PL 2630. Se eu tivesse mantido, talvez boa parte dos leitores nem teria percebido o erro.

domingo, 5 de julho de 2015

Por outras notícias, por outras provocações!

Em seu livro Sociedade Excitada: filosofia da sensação, Christoph Türcke comenta que não é qualquer fato que merece ser notícia, e sim aqueles que dizem respeito a todos - ao menos era assim na Roma antiga, em que eram noticiadas questões concernentes à res pública. Com o advento da imprensa de massa e da indústria cultural - da empresa jornalística -, o que merece ou não ser notícia, que coisas são relevantes ao público ou não, passa a ser alvo de disputa - tanto quanto aquilo que é noticiado. Na pressão por vendas, a imprensa corporativa não hesita em dar relevância a temas irrelevantes - mas que atraem o público -, e não tem pudores em ser seletiva nos assuntos da res pública que devem ser considerados importantes.
Além desta necessidade de sobressair, Türcke destaca outros dois denominadores comuns da notícia em nosso tempo: deve ser nova e deve ser compreensível. Este último aspecto implica na simplificação da realidade, em tornar um assunto complexo em familiar ao grande público, em algo quantificável, em uma imagem - ou seja, em algo próximo da linguagem publicitária: que demande o mínimo de atenção e esforço mental. Sobre a necessidade de ser sempre nova, algo merecedor de ser notícia em um dia deixa de sê-lo no dia seguinte se não houver desdobramentos que o justifiquem. Ao cabo, a lógica da notícia acaba sendo invertida: "a ser comunicado, porque importante" a ideologia apregoa, sub-repticiamente, que "importante, porque comunicado".
Tudo isto mostra algumas das dificuldades da imprensa alternativa, tanto na questão do conteúdo quanto da forma: como impôr pautas no debate público, quais pautas postas pela Grande Imprensa merecem ser discutidas; de que modo fazer isso?
Não resta dúvida que as novas tecnologias têm alterado nossa percepção: cada vez é mais difícil manter a concentração em um longo texto enquanto links para assuntos relacionados surgem aos borbotões em todos os lados da tela do computador ou do celular. Isso justificaria reduzir a análise a um tuíter, a um slogan publicitário, a uma palavra de ordem? Coxinha e petralha são dois exemplos de "conceito-síntese" que permitem uma crítica em uma linha: enuncia-se o "descalabro" ou o "desrespeito" e avisa que é coisa de petralha ou coxinha. No que isso contribui para o debate?
Ademais: devemos aceitar como notícia apenas o que está candente? Estamos estarrecidos com a votação da PEC da maioridade penal, mas não podemos esquecer que ainda correm a reforma política e a lei da terceirização. Assim como rebatemos o que a Grande Imprensa nos faz lembrar diuturnamente, não podemos sucumbir ao esquecimento seletivo que ela - e o ritmo alucinado da timeline do Fakebook - nos propõe.
Provocar, mas não pela provocação rasteira veiculada na Grande Imprensa e repetida alhures, que apenas reforça posições e incita o ódio. Por uma provocação que nos desestabilize da nossa zona de conforto, que critique também o ponto onde estamos. Por uma provocação que nos convide a repensar e a rediscutir - e nos incite a agir.


05 de julho de 2015

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Pense antes de criticar (sobre o ministério da Dilma e certas críticas de esquerda nas redes sociais)

Acompanho a repercussão do anúncio dos ministros para o segundo mandato da presidenta Dilma na linha do tempo do meu Fakebook. Entre meus amigos virtuais, via de regra inclinados à esquerda, a tônica geral dos que se expressam é de indignação, pelo menos decepção - sentimento mais que compreensível. É como me sinto também - decepcionado, beirando o indignado. Porém há algo nesses comentários breves que me incomodam. Não sei exatamente o porquê, por algum motivo as críticas me parecem tortas. Passada uma semana, começo a entender um pouco meu mal-estar: um bom tanto porque são críticas superficiais, feita no calor da divulgação dos novos ministros, que pouco acrescentam. Ok, é o que se deve esperar numa rede social, porém há um adendo: são feitas por cientistas sociais, cientistas políticos, sociólogos, antropólogos, filósofos - alguns de renome na academia tupiniquim -, pessoas que foram ou meus colegas, ou meus professores, ou que têm trabalhos teóricos que admiro. O que esperava eu deles, então? Um tratado sobre o porvir do segundo governo Dilma? Uma tese revolucionária? Não, nada disso. Talvez o que tenha me incomodado seja a sujeição ao meio - e ver sua indignação ter a potência de um traque de criança...
O jornalista Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, seguidamente fala do fim da mídia como a conhecemos: da perda de leitores dos diários e hebdomadários à perda de audiência de JN e novelas, que tem culminado com a dispensa de antigos pesos pesados da Grande Imprensa corporativa, como Cantanhêde e Xuxa. A internet e as redes sociais têm papel fundamental nesse rumo da comunicação - não me parece haver o que discutir quanto a isso, no máximo quanto à força e forma do impacto. Nessa senda, algumas perguntas que faço são: os donos do poder - no Brasil e no mundo - precisam seguir pagando para serem defendidos? Precisam distrair o distinto público para manter sua fatia de poder? A decadência da mídia tradicional fará realmente falta, ou o que vem no lugar supre satisfatoriamente os interesses do sistema e de sua minoria hiper-privilegiada? Por fim, um meta-questionamento a este texto: posso fazer a crítica e problematizar o pensamento de pensadores brasileiros a partir de postagens no Fakebook, ou estaria sendo desleal ao tratar como público algo que possui seu caráter privado (guardadas as nuances acerca do público e privado nestes tempos de capitalismo avançado)?

Debord e a crítica espetacular ao espetáculo: o imediatismo
Não tenho como não deixar de apelar ao autor que estudei, Guy Debord, e sua teoria da sociedade do espetáculo. Seu clássico de 1967 permanece atual, com nada a retificar quando ele fala que o sistema cria seus defensores mesmo entre os que o atacam - no máximo podemos acrescentar novas formas. A internet, em especial o Fakebook, tem assumido esse papel de neutralizador de críticas - ao mesmo tempo em que explodem disputas irracionais sobre pontos secundários. Se a forma de organização empresarial da mídia tradicional capenga, seu linguajar e seu modus operandi são mimetizados mesmo por pessoas que se pretendem críticas ao sistema.
Uma primeira característica copiada é a pressa, a emergência em emitir uma opinião, de estar up to date do último factóide, de se expressar just in time. O deadline do tema da moda costuma ser breve, não durar sequer vinte e quatro horas, logo atropelado por algum novo fato bombástico. Conseguir construir uma crítica consistente, baseada na razão e não na emoção, em um curto espaço de tempo é algo difícil de ser feito - grandes sacadas são possíveis em meio minuto, porém, via de regra, boas análises necessitam um pouco de ruminação prévia. Penso que quando se trata de um assunto realmente importante, faz bem ser retomado quando perdeu o impacto do primeiro momento e não deixá-lo submergir no oceano de notícias que nos afogam a cada segundo. Respeitar o deadline da sucessão alucinada de notícias é compactuar com essa velocidade que nos faz engolir notícias em doses cavalares, sem tempo para digeri-las, para meditar um pouco sobre o que foi divulgado - espectadores hipoativos, eventualmente reativos, que quando reagem o fazem com base principalmente na emoção e num impulso estilo comportamento estímulo-resposta. Virilio já comentava do fato da velocidade e da movimentação constantes serem atributos necessários à sobrevivência do sistema de guerra no qual nossa sociedade se baseia. Parar, esperar, respirar seria já metade da crítica.
Nem toda pressa, contudo, significa coadunar com o espetáculo. Entendo a necessidade de comentar, de falar da decepção, da indignação com algo que recém ficamos sabendo. Encaro essa necessidade como típica do homem moderno, cuja ontologia penso estar calcada no reconhecimento da identidade pelo Outro. Há uma diferença de meio, entretanto, que faz com que esse comentário ganhe outro significado, se comparado ao antigo hábito, do conversar à mesa de jantar, do bar, entre familiares, amigos ou colegas de trabalho. Nestes casos estamos em um pequeno grupo e há condições propícias para refletir: em diálogo vivo, com a palavra proferida e necessariamente escutada pelo Outro, esse primeiro sentimento pode ser repensado (para não falar pensado), burilado - ou na discussão com esse Outro, ou na tentativa de justificação, ou simplesmente pelo impacto que dizer isso, de desafogar o que se sente. O efeito na linha do tempo do Fakebook ou do Twitter é diverso: não estamos nesse diálogo vivo - o diálogo, quando há, vem truncado, por questão de meio e de etiqueta -; os Outros alcançados pela mensagem muitas vezes são pessoas distantes, números de curtidas e não afetos que mobilizam. Conforme Dominique Wolton, "expressão e interação, por mais necessárias e úteis que sejam, não são sinônimos de comunicação", e o que menos fazemos nas redes sociais é nos comunicar.
O caso se agrava porque estou falando de comentários de especialistas - colegas desses que a mídia adora chamar para justificar seus preconceitos (quando não são eles os chamados, a depender da linha da publicação) -, são de "autoridades" na nossa sociedade hierarquizada, potenciais (quando não efetivos) formadores opiniões. A pressa em publicar tais "opiniões emocionais" impede uma auto (e hetero) reflexão que poderia ser muito útil para um enriquecimento da nossa precária discussão política - se o nível do nosso debate está baixo, não estamos trabalhando para revertê-lo, antes aprovando-o subrepticiamente.
Conseqüência do que recém-expus, ganha forma meu incômodo com os comentários sobre o novo ministério da Dilma. Pode ser preconceito meu, mas tive a impressão de que algumas pessoas da minha linha do tempo comemoravam a escolha de Kassab, Abreu e afins - algo como um grito de "eu já sabia". Pessoas do tal voto crítico na Dilma, que parece que deixaram a crítica junto com o voto.

Comentário raso é sempre raso, não importa a titulação
Qual a importância de comentários óbvios e rasos feito por pessoas tidas por especialistas na área, com formação acadêmica na área de ciências sociais e filosofia, que se põem (enquanto auto-imagem) à esquerda? Nessa hora sempre lembro de uma frase da minha mãe: "quem muito prega, pouco crê". Seria dúvida quanto à sua posição política, por isso a necessidade de reafirmar sempre, aos seus alunos, aos seus amigos, aos seus colegas, aos seus companheiros de partido, que são de esquerda, continuam sendo de esquerda, ainda não deixaram de ser de esquerda?
O pior, contudo, não é isso: as críticas parecem partir de dois pressupostos bastante preguiçosos (e hollywoodianos): de que o bem e o mal são facilmente identificáveis, e de que a escolha de ministros é um ato de pura vontade do governante - tal qual seria sua escolha do modelo de tênis na loja.
Falta um mínimo de análise de contexto: diante de uma vitória apertada, do cerco da Grande Imprensa e de um congresso conservador (que não se deixe de assinalar que Dilma e o PT têm sua bela dose de responsabilidade nesse quadro), a presidenta teria poder político para bater na mesa e dizer: "vai ser assim, ponto"? Não creio. No primeiro mandato Dilma pôs em prática o slogan de Alckmin de 2006, assumiu a presidência com a missão de ser uma gerente, se pôs acima das negociatas políticas. O modelo tecnocrático da presidente fazia sucesso, tanto que ela tinha aprovação superior à de Lula. Caiu com as chamadas "jornadas de junho de 2013", o demi-golpe dado por uma direita silenciosa e muito bem organizada (enquanto Jabores e Datenas se desdiziam tentando entender o momento, havia quem pensasse e se organizasse para aproveitá-lo).
Se houve um aprendizado de Dilma com as tais jornadas foi a de que a política segue indispensável na política institucional - é redundante, eu sei, mas não é tão óbvio. A guinada à esquerda durante a eleição e agora, com os novos ministros, mostram isso: aquele foi um aceno aos movimentos sociais, um pedido de mobilização política, este, o pedido de auxílio a nomes de peso político, algo que não houve no primeiro mandato, tão-logo ela se livrou dos restos do governo Lula (os políticos mais relevantes no seu primeiro ministério, tirando os remanescentes governo do Lula, eram Mercadante, Pimentel, Lobão e Alves). Fazer política, goste-se ou não, é negociar e tomar posição. Poderia ter tomado outra posição, com outros nomes? Poderia. Conseguiria governar com ministros técnicos competentes e pouco expressivos politicamente, eis a questão. Para quem vê de fora, é fácil fazer críticas baseadas nas purezas dos ideais - o próprio PT fazia isso antes de ser governo. Intelectuais não participarem dessa política pequena é uma coisa, recusarem a aceitar que ela funciona assim, é precariedade de raciocínio ou de formação. E o que fazer quando se assume o poder sem ter feito uma crítica consistente, que englobe as armadilhas desse aspecto nada nobre da política? Governar com os melhores, como verbalizou Marina Silva (e como pressupõe partidos de extrema-esquerda)? O que fazer quando os funcionários da burocracia estatal simplesmente se recusam a acatar os projetos do ministro ou secretário de turno, de modo que nada acontece - salvo a queda do secretário? Essa foi uma das questões que presenciei e não consegui responder nos breves três meses de experiência na Secretaria de Cultura da Prefeitura de Campinas.
Não quero com isto dizer que política é assim e deve-se aceitar, e sim que formadores de opinião e pessoas pertecentes a partidos políticos e que se creem não-alienadas precisam ter os pés no chão para fazer suas críticas, precisam esquilibrar ideais - que devem ser buscados -, com percalços que precisam ser encarados sem idealismos. Slogans e críticas rápidas podem piorar o que já não está nada bom.

Brasil 2014 - Weimar 1930?
Cabe também contextualizar a crítica para entender que disparar contra o PT, sem nuançar, é fazer o jogo dessa direita mais retrógrada. Sim, esse é um argumento que petistas têm usado para calar críticas, como se qualquer uma fosse desestabilizadora do governo, como se o arranjo feito pelo PT fosse não apenas o melhor, como o único possível, e por isso devesse ser engolido com feijão. Uma direita organizada e que já se mostrou disposta a encabeçar um novo golpe não pode ser desprezada. Tampouco pode ser motivo para que se aceite o que o PT faz, com base no discurso do medo.
No Le Monde Diplomatique Brasil de dezembro de 2014, Tarso Genro (petista de quem tenho grande aversão) levanta um ponto que vem me incomodando desde antes das eleições, e que tem me feito estudar mais sobre o período, na ânsia de entender minimamente que movimento de direita é esse que presenciamos no Brasil atual, e se podemos fazer analogia com o fascismo ou o nazismo do início do século XX. Genro afirma que sim, e seu argumento não pode ser desprezado:
"O que está em curso no Brasil é mais do que um golpismo eleitoral: é um complexo e pegajoso processo de destruição da Constituição democrática, pela liquidação do prestígio das instituições políticas do país. A diluição da esfera da política com sua identificação absoluta com a corrupção, pela propagação de uma visão pervertida dos partidos, inclusive os conservadores e de oposição – embora estes queiram majoritariamente terceirizar suas funções –, e o esforço pela comprovação da impotência da democracia como processo para abater privilégios e reduzir desigualdades sociais são os esforços centrais dessa estratégia. Quando alguém, aparentemente fora da política, monopoliza a capacidade de produzir a agenda política de um país, a democracia, neste país, está em perigo.
É importante advertir, porém, que essa agenda é verdadeira (...). O que predomina, pelo menos na conjuntura atual – como ocorreu fartamente na Ação Penal 470 –, é uma suja tentativa de estabelecer uma identidade partidária para a corrupção, e não uma identidade com as pessoas que cometeram crimes ou se aproveitaram de brechas legais (como as causadas pelo financiamento empresarial das campanhas) para obter recursos para seus partidos ou para proveito próprio."
A crítica rápida parece servir, antes de tudo, para ajudar no desgaste à legimitidade da presidenta eleita - como se a vitória por margem estreita não fosse vitória. Há incautos muitos que movidos pelos slogans de junho de 2013, ainda tentam pôr em prática a mudança pedida, crendo que qualquer mudança é válida - são incapazes de pesar que há mudanças que são um passo atrás e pouco interessam à maioria da população do país.

Um ministério decepcionante
Antes de se indignar e lamentar boa parte dos nomes escolhidos por Dilma, convém se perguntar: foi ela a estelionatária eleitoral, ou há um processo mais subterrâneo, capaz de neutralizar os desejos expressos pelas urnas? Reconheço que "desejo expressos pelas urnas" é um termo também digno de questionamento, visto que teremos um legislativo dos mais conservadores - será que nosso sistema representativo representa os reais anseios da população? Por falta de medida outra, não arrisco nenhum palpite. De volta ao executivo: decepção igual tive (tivemos?) com o ministério de Lula I, no qual o discurso de mudança foi preenchido por um quadro conservador do PSDB. Agora em 2014, novamente, diante dos difusos pedidos de mudança das ruas, replicados nas eleições presidenciais, o primeiro passo da presidente no seu novo mandato foi retroceder. Que sistema político é esse que atropela projetos de governantes em nome não de governabilidade - porque Meirelles e Levy não foram imposições do congresso nem pedido das ruas -, antes de permanência no poder? Em algum Guia do Mochileiro da Galáxia talvez uma pista da resposta: presidentes não detêm o poder, eles apenas desviam a atenção do poder (os Estados Unidos já levaram ao paroxismo esse princípio, ao eleger um ator para a Casa Branca).
Quanto aos novos ministros, a esperança que sobra é que com a sua escolha, Dilma tenha certa margem de manobra no legislativo, consiga evitar arroubos golpistas e, principalmente, consiga avançar com pautas progressistas e urgentes em outras áreas - telecomunicações seria uma delas, a principal (e isso Lula sabia desde 1992, ao menos). Claro, é preciso também torcer para que esses nomes não façam o país regredir em áreas muito sensíveis - preservação de florestas, melhoria do aspecto humano das cidades, os avanços modestos na ciência e na tecnologia. Ao distinto público, outra vez posto em segundo plano por sabe-se lá quais conchavos, não nos cabe acatar passivamente, nem negar por completo o governo: mais inteligente é trabalhar a partir do que há - e não dos que poderiam ou deveriam ser -, e se organizar para pressioná-los de modo efetivo para que atendam uma agenda progressista. A direita sabe disso e já deve ter suas táticas prontas.


30 de dezembro de 2014.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Internet x imprensa nas eleições [Eleições 2014]

Li em algum formador de opinião da auto-proclamada Grande Imprensa que o impacto da internet nestas eleições está abaixo do esperado. Não sei quanto esperavam, mas me parece que esse impacto, se não é positivo, no sentido de construir uma candidatura, tem tido forte papel negativo, em desconstruir discursos, em especial os discursos da Grande Imprensa. Desde a ascensão do PT ao executivo federal, a mídia corporativa assumiu - velada mas explicitamente - o papel de partido oposicionista - como aponta Maria Inês Nassif. Veladamente nas suas capas e reportagens, explicitamente em discursos internos. 
Goebbels dizia que uma mentira repetida mil vezes se transforma em uma verdade. A Grande Imprensa tupiniquim desde longa data tenta isso (as repotagens da Rede Globo sobre a eleição no Rio de Janeiro, em 1982, sobre a campanha das Diretas Já, em 1984, a edição do último debate de 1989, a crise quebra do país antes das eleições de 1998, por exemplo), e diante de recentes fracassos, aumenta a dose a cada eleição, atuando cada vez mais como sistema. Mesmo assim, sua tática não tem dado muito certo - não sei se errado estava o ministro nazista ou se nossa Grande Imprensa é que é de uma incompetência constrangedora.
Desde o mensalão o PT é acusado diuturnamente. Nos últimos dois anos e meio, a dose foi cavalar. Mesmo depois de longo período de fogo cerrado, diário, o PT segue forte, e Dilma Rousseff ainda lidera a corrida presidencial, é favorita, e já se volta a cochichar em vitória no primeiro turno (possibilidade que creio publicidade mal-feita por jornalistas de má-fé e bons salários). 
A campanha anti-petista nível hard, em que a indústria cultural agiu como sistema, atacando por todos os lados - imprensa editorial, televisiva, radiofônica, hebdomadária, diária, blog -, teve início em 2012, no julgamento do chamado mensalão, no STF, em cronograma feito sob medida para o veridicto sair na semana anterior às eleições municipais - não fosse uma pedra no caminho que o atrasou. Findo o julgamento, vieram os tais embargos infringentes, na ânsia de garantir direito posto inicialmente de lado, o de ampla defesa. Isso tomou todo o ano de 2013 e parte do 2014. Julgados os embargos, qualquer coisa virava notícia, de pacote de sanduíche no lixo da penitenciária a eventuais falsos laudos médicos, passando por depoimentos de vizinhos de parentes de conhecidos de carcereiros da Papuda sobre privilégios. 
Ao se dar conta que o discurso do mensalão não se convertia em mais votos à oposição, buscou-se novo bode expiatório, encontrado na Petrobras e nas acusações de irregularidades e perda de competitividade - vale lembrar que dependesse do PSDB e da Grande Imprensa se chamaria Petrobrax e pertenceria há muito tempo a algum grupo estrangeiro, ou ao amigo do rei Daniel Dantas. Mais de meio ano de capas, manchetes, notícias e reportagens sobre os eventuais desmandos na estatal. No rádio, nas principais notícias do dia a cada meia hora, ou de vinte em vinte minutos, onde tudo pode mudar (menos a ladainha contra o governo), ou no rápido giro de quinze minutos, sempre há algo a ser dito sobre o assunto, que seja notícia velha ou irrelevante, ou suspeita sem fundamento.
E aqui, imagino, possa ser sentido o impacto da internet nas eleições: mesmo ao se utilizar de todos os seus meios, a Grande Imprensa não tem mais o domínio da informação como tinha antigamente: portais alternativos de notícia, reportagens compartilhadas em redes sociais, blogs de analistas independentes, tudo isso permitiu que boa parte da população pusesse em suspeição as notícias divulgadas pelos Marinho, Civita, Saad, Frias, Mesquita e afins. O Jornal Nacional amarga perdas sucessivas de audiência. Diários e hebdomadários amargam vendas declinantes - vejo pelo edifício em que moro, sou o único assinante de jornal, a porcaria do Valor Econômico, e um dos cinco assinantes de revista semanal, a Carta Capital. 
É nessa quebra do quase monópolio da verdade e da mentira pelo Quarto Poder (que se sabe um, mas recusa se submeter ao guarda-chuva legal e de contra-poderes democráticos) que a internet têm tido relevância nestas eleições. Perde muito da efetividade manchetes nos jornais, capas nas revistas, notícias nos telejornais, se o eleitor menos interessado se fia pela notícia compartilhada por conhecidos que têm em alguma estima. Sim, a Grande Imprensa também está presente nesse espaço, com seus portais e versões on-line, porém não tem a força pré-internet.
Mas nesse ponto concordo com o tal formador de opinião que não me recordo quem é: o impacto da internet é pequeno, contudo demonstra a necessidade urgente de uma lei da mídia que desoligarquize os canais midiáticos tradicionais e submeta esse quarto poder ao crivo da lei e da democracia.

São Paulo, 22 de setembro de 2014

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Spam, ofertas e fortunas

Estou mais do que habituado a receber spams na minha caixa de e-mails. Spam é o que há de mais abundante e elementar na internet, talvez só perca para a pornografia (por sinal, um site pornográfico evangélico poderia render uma boa grana). Por sorte os novos provedores de e-mail têm sistemas anti-spam muito bons (novos porque sou da época do zipmail, do mail.com, do yahoo.com (não havia o .br), e neles sobravam muitos spams na caixa de entrada), de forma que só dificilmente sou importunado por alguma propaganda (a senhora Beatriz Azevedo, do Acrobeat, não sei como, sempre finta o filtro). Não nego, contudo, uma curiosidade mórbida por aquilo que o Gugou deixa fora da minha vista. Vai que marcou como spam algo que não era? Até hoje nunca aconteceu, mas vai que.

Na pasta de spam estão lá três ou quatro e-mails com notícias diárias que tive preguiça de desassinar. Há sempre ofertas imperdíveis – de lojas que já comprei algo e das que nunca ouvi dizer. Há os anúncios para aumentar meu pênis, que nunca me interessaram, os para parar de roncar, os que vendem sapatos ou produtos de beleza, que tampouco me interessam, e têm aparecido vários prometendo resolver o problema da calvície – reconheço, já abri desses. E sempre há amigos que não conheço me deixando mensagens em redes sociais das quais não participo. Há ainda os e-mails me avisando de parentes que eu não sabia que tinha espalhado pelo mundo – África, Ásia, essas terras tidas por exóticas – que morreram e que não sei como sabiam da minha existência, mas me deixaram zilhões de dólares de herança. Amigo meu teve a mesma sorte: apesar de nikkei, descobriu que tem raízes tchecas, e um falecido tio rico que depositou uma boa quantia num banco chinês. Quis saber mais da morte do seu tio Ivo, mas parece que não obteve detalhes.

Hoje abro minha caixa de spam e tenho uma surpresa. Nada de produtos milagrosos, de férias e finais de semana inesquecíveis, de mensagens no facebook, de fotos da minha ex fazendo sexo na piscina, de milhões de dólares. Hoje eu ganhei trinta e cinco reais! Está lá, nada de três mil e quinhentos: três cinco vírgula zero zero, com a vírgula separando os centavos. Sem historinhas mirabolantes, sem mortes, sem sorteios, sem chaves da Readers Digest: bastava eu clicar num link e ganhar o dinheiro! 

Admito: fiquei com preguiça. Preferi seguir minha vida sem essa pequena fortuna caída do céu.

Pato Branco, 27 de fevereiro de 2013.