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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Convenção de tatuagem

Convenção de tatuagem: eis um programa que nunca me passou pela cabeça, de modo que achei inusitado o convite. Na verdade, não fora bem um convite: perguntei o que ela faria à tarde, e respondeu que iria a essa convenção e, a seguir, ao show do Tetine. Fui ouvir Tetine, já que a tal convenção pareceu por demais longe do meu universo. Gostei do som, já me preparava para perguntar que horas nos encontraríamos, quando ela perguntou se eu a acompanhava nesse evento heterodoxo para meus padrões. Hesitei. Desde o início uma dúvida que me assomava: o que é uma convenção de tatuagem? Preferi conferir in loco, na esperança de uma crônica - e também pela companhia. Não sei por que cargas d'água eu imaginava algo meio feirinha - com venda de acessórios para a arte, pois minha amiga ia justo para comprar alguns instrumentos de perfuração e piercings -meio acadêmico - com mesas-redondas sobre o tema - , por mais que não me fizesse muito sentido colóquios sobre tatuagens. Também imaginava um sem número de pessoas cobertas o corpo todo por desenhos, e que o branquelo aqui, sem qualquer marca que não cicatrizes de tombos, seria um total estrangeiro no ambiente, identificável à distância. Difícil saber onde errei mais nos meus pré-conceitos. A começar que não havia mesa-redonda nenhuma - me precipitei em concluir. Minha amiga me explicou, depois, que havia, sim, uma série de palestras e workshops, freqüentados pelos profissionais da área, sobre técnicas de tatuagem e piercing, legislação e biosegurança - que o passeio só para ver tatuagens e estilos era coisa mais para o público em geral. De qualquer forma, como grande público, a tal convenção me lembrou muito as Expopato da minha pré-adolescência, com vários expositores de acessórios para modificação corporal e outro tanto de tatuadores em plena ação. Minha amiga - ela própria com umas quinze tattoos - tentava me mostrar os diferentes estilos e escolas de tatuagem, que eu pouco conseguia distingüir, salvo a de pontinhos e a hiper realista, como um cristo que levantava a sobrancelha quando o rapaz encolhia um dos ombros - o que me fez notar, já na convenção, que mesas-redondas sobre o tema são concebíveis, sim. Havia expositores que tinham seu trabalho filmado e reproduzido em telão, tantos eram os interessados. Outros, sem toda essa preocupação com os espectadores, deixavam o povo se amontoar em frente do estande (separado por vidro) para ver seu trabalho - num desses minha amiga explicou que era um bãbãbã, que usava vara de bambu e não o habitual aparelho com barulho de broca de dentista. E se o som de dentista imperava, apesar do batuque de uma escola de samba - outro dos meus preconceitos, eu imaginava punk rock, hardcore ou industrial de trilha sonora, não samba -, um dos estúdios que expunha montou o que parecia uma enfermaria de campanha, com várias macas nas quais pessoas ficavam imóveis enquanto mascarados se debruçavam sobre uma parte do corpo do paciente - tentei pensar uma crônica a partir dessa cena, de que guerra seriam aquelas pessoas vítimas, obrigadas a dupla tortura de dor e barulho de dentista, mas da qual saíam renovadas e felizes. No quesito visual, meu choque também foi grande. Havia, claro, pessoas muito tatuadas - da cabeça aos pés, literalmente -, outras com modificações corporais drásticas - como chifres implantados e brancos dos olhos tatuados -, mas eram exceções, a ponto de vários desses merecerem fotos dos muitos freqüentadores. A maioria que estava lá, se tivesse tatuagens, eram discretas ou sequer apareciam. Pessoas com piercings e alargadores, havia - inclusive um rapaz com dois alargadores no nariz, com quem trombamos tão logo eu havia comentado, estupefato, da foto que eu vira de um guarapuavano que tinha, bem dizer, quatro narinas, duas em cima, duas embaixo -, mas nada que destoasse da rua Augusta num sábado. E lá se foi outro pré-conceito meu quando minha amiga cumprimentou o tatuador do local onde ela trabalha: um homem na faixa dos quarenta anos, sem tatuagem aparente, com um ar de pacato funcionário administrativo (mas tinha algo de satisfeito nesse ar, se não de realizado, com seu trabalho). Outro amigo de minha amiga era um desses personagens com transformações corporais radicais - chifres, branco dos olhos tornados pretos, muitos piercings e tatuagens -, resultando num visual muito agressivo, e uma delicadeza no trato e na voz que eram ressaltados pelas contradições frente os pré-conceitos que este escriba, apesar de tudo, insistia - inconscientemente - em alimentar. No meio da convenção ainda tive tempo de ver a amiga que me passara o Fakebook da Nova Ruth. Lembrei da Misson, que seguidamente me dizia: "Dalmoro, no futuro você vai provar aos seus netos sua porra-loquice da  juventude ao mostrar não ter nenhuma tatuagem ou piercing". Do jeito que vai, parece que a Misson estava certa - ainda que eu critique minha mãe por ter tolhido meus desejos avant-garde de modificação corporal, quando eu tinha onze anos: queria eu pintar o cabelo e pôr um piercing no septo nasal, tal qual cruzei aos borbotões na convenção.

05 de agosto de 2015