sexta-feira, 29 de agosto de 2003

Ludibriado!!!

Fui ludibriado! Em toda minha vida, nunca gostei de ser rotulado de esquerda. De quem é essa frase? Roberto Campos? Roberto Marinho? Miriam Leitão? FHC? Serra? Não, é do excelentíssimo senhor Luis Inácio Lula da Silva.
Companheiro Lula, se o senhor nunca foi de esquerda, nunca gostou do rótulo, quer dizer que toda sua campanha eleitoral, que recebeu mais de 60 milhões de votos, foi mentira? Mentira deslavada que o senhor assume assim, de cara limpa, sem o menor pingo de vergonha? O senhor devia renunciar! Pregou o maior golpe na população brasileira e não sente o mínimo de remorso? Por que não nos avisou durante a campanha que a esquerda não era a sua praia? Será que é porque iria perder as eleições caso tivesse dito? Mas eu disse de certa forma, na carta ao povo brasileiro, você pode responder. E é verdade, a sua carta ao povo brasileiro, não foi mais que o comprometimento com o status quo atual, ou seja, uma carta bem de direita. Mas o senhor poderia ter sido mais explícito, no debate da rede Globo, por exemplo. O senhor poderia ter dito Olha Serra, admiro muito você, que foi de esquerda durante os anos de ditadura, fugindo do país por causa disso, inclusive; e mesmo como ministro do FHC você sempre teve uma postura crítica à política, como nós. Mas eu gostaria de deixar claro a diferença entre eu, Lula e você: eu nunca fui de esquerda, e se faço barulho por causa do governo FHC é por pura pirraça, é porque ele tem o bolo, e quem quer o bolo sou eu, pra dividir com meus companheiros.O senhor deveria ter sido sincero, Lula.
Fui ludibriado 2! A reforma [da previdência] é justa economicamente, justa moralmente, justa eticamente. Era preciso alguém com coragem para fazê-la e eu tive coragem.Calma lá, companheiro Lula! A sua reforma é a mesma do Collor segundo as palavras do relator da reforma collorida , é a mesma do FHC, que graças ao PT não foi aprovada. O que você teve não foi coragem, foi medo, covardia, aprovou aquilo que antes dizia ser contra, diz ser eticamente justo o que o senhor disse explicitamente que era imoral num passado nada remoto. Não teve coragem, nem criatividade de propor nada diferente, algo realmente justo e viável.
Lula, sem dúvida bajulando a Rede Globo e a Veja do jeito que o senhor está o senhor conseguirá se manter por muito tempo no poder, que é, pelo que o senhor dá claros sinais, seu maior objetivo. Agora achar que vai isso vai passar batido da parcela mais ilustrada da população e da história, pode ter certeza que não.
Eu quero meu voto de volta!!!

Campinas, 29 de agosto de 2003

segunda-feira, 25 de agosto de 2003

"Nenhuma guerra dura seis dias"

"Nenhuma guerra dura seis dias", a frase é de Carlos Heitor Cony, título de uma crônica por ele escrita há alguns dias. Reproduzo-a aqui por ser esta a melhor frase que já li sobre a crise atual no Oriente Médio.
É abrir os jornais, ligar o rádio, que certamente encontraremos notícias de mortes de palestino e israelenses. Ataques terroristas de um lado, retaliações do outro, as notícias desse confronto nos soam tão naturais que creio que estranharíamos o dia em que não ocorressem mais. E nada mais assustador que a naturalidade da guerra, tal como a vemos atualmente - Oriente Médio, Bósnia, Iraque, África, Afeganistão. A guerra não nos causa mais nenhum sentimento de compaixão, indignação ou vergonha.
No caso do Oriente Médio, onde a guerra parece não ter fim, já sequer esperamos por ela. Alguns ainda estão esperançosos de um novo acordo de paz, como o feito sob a tutela do Bill Clinton; mas segundo o sociólogo Emir Sader tal acordo só foi possível porque os palestinos encontravam-se muito enfraquecidos na situação. Ainda assim houve acordo de paz. Mas houve também os radicais que conseguiram não só invalidar o acordo, como manter o ódio ao "inimigo" falando mais alto que a razão. Conseguiram com que
vizinhos se tratassem como inimigos.
Na atual crise as retaliações, partindo das opiniões da imprensa, são sempre por parte dos israelenses. É difícil acreditar nisso, já que me parece quase impossível saber quem foi o primeiro a atacar. A guerra dos seis dias ainda não acabou.
É difícil também, nessas situações extremas, evitar posições extremas. Os israelenses foram os primeiros a demonstrá-las, ao eleger para presidente alguém acusado de crimes contra a humanidade. Não creio que a culpa seja só de um lado, mas convém atribuir a uma certa miopia de Israel o atual estado das coisas. Por se tratar do lado mais forte, deve começar com o exemplo,
acatando o cessar fogo e tomando as demais medidas reivindicadas pelos palestinos. As "retaliações" de Israel são tudo o que os extremistas palestinos desejam, para continuar mandando seus mártires à morte certa por uma causa - tal qual os radicais querem - impossível.
Nada mais triste que abrir os jornais, ler as notícias da guerra e depois fazer as contas para ver que lado está ganhando, fingindo que numa guerra há vencedores, ignorando que tudo isso, de alguma forma, nos atinge.

Campinas, 25 de agosto de 2003

sexta-feira, 22 de agosto de 2003

A greve da Unicamp

A greve na Unicamp, pelo que parece, caminha para o seu fim. A greve, parcial, foi contra a "reforma" da previdência, e segundo o filósofo Marcos Nobre, tinha a intenção de, além de tentar barrar a "reforma", mostrar para a sociedade que a tal "reforma" é a destruição da universidade pública brasileira, que concentra quase toda a produção científica do país.
Nada surpreendente o fato da mídia e do governo não terem dado a menor atenção para a greve - na qual muitos intelectuais petistas participaram - mas sim o grau de "tapadice" que reina na universidade (professores e alunos), pessoas que não tem capacidade de olhar sequer o próprio umbigo - que dirá o dos outros. A medicina, com seus dois professores por aluno, não
tinha qualquer motivo pra parar - na ótica do próprio umbigo. Várias engenharias, química e outros cursos também não pararam. A paralisação total ficou por conta de letras, lingüística, ciências sociais e Instituto de Artes.
O que me surpreendeu - e desanimou bastante - foi a filosofia não ter parado. Apesar de professores e alunos terem entrado em greve, bastava o professor decidir dar aula que teria turma cheia. Até seria compreensível se a filosofia tivesse proporcionalmente o mesmo número de professores da medicina, mas não é esse o caso. O curso corre, assim como o de lingüística, o risco de ser extinto. As desculpas para furar a greve foram as mais batidas: por parte do professor, não concordava com certos aspectos
da greve; por parte dos alunos, não queriam "tomar bomba" na matéria, ou porque aspiravam uma bolsa de iniciação científica, ou porque crêem ser inteiramente subordinados ao professor, ou simplesmente porque "estou mais preocupado com a minha nota", como me disse um colega.
E no que a reforma prejudica a universidade pública e como pode contribuir para a extinção dos cursos de lingüística e filosofia da Unicamp? Prejudica a universidade pública a longo prazo porque não vai haver mais o estímulo da aposentadoria integral, que diferenciava ela da iniciativa privada.
Prejudica a curtíssimo prazo porque os professores que podem se aposentar já estão pedindo aposentadoria e o caso da Unicamp, muito semelhante ao da USP, é que cerca de 25% dos professores da universidade entraram com o pedido. É por causa das aposentadorias que a filosofia e lingüística podem ser extintos.
Desanimador também tentar argumentar com os fura-greves a aderirem a ela. A cabeça muito bem moldada pelo Jornal Nacional (leia-se a grande mídia), todos se dizendo contra os "privilégios" dos funcionários públicos, como se isso fosse o suficiente para a inclusão dos trabalhadores (quase metade da pea) que não possuem carteira assinada no sistema de previdência (algo que não é tratado na dita reforma).
Nessas horas bate um desespero...

Campinas, 22 de agosto de 2003

sexta-feira, 8 de agosto de 2003

Um governo forte

O Brasil pode, finalmente, dormir em paz: foi aprovada a tão desejada reforma da previdência. Tão desejada pelos mercados, é bom deixar claro. Reforma da previdência que rompe um certo contrato feito pelo então candidato Luis Inácio Lula da Silva, o de que o atual governo seria o governo da mudança. Que mudança? Segundo Plínio de Arruda Sampaio Júnior, em fala proferida na assembléia dos estudantes da Unicamp, o petebista Roberto Jefferson disse que iria votar as reformas com a consciência tranqüila, pois conhecia-as como a palma da sua mão: a coluna vertebral da reforma é a mesma que ele fez para o governo Collor, introdutor do engodo neoliberal no Brasil. E se Jefferson confia assim na reforma do Lula, qualquer comparação com o Collor é desnecessária.
E, ao contrário do que a imprensa gosta de alardear, a aprovação da reforma não foi uma demonstração de força, mas de fraqueza, como bem alertou Leonel Brizola na Folha de São Paulo desta quinta, 08 de agosto: "O governo considera ter feito uma demonstração de força. Na verdade, porém, estampou diante de todos a sua fraqueza. Os grupos econômicos vão a exigir mais e mais concessões de um Governo que, sabem eles, cederá e tolerará tudo em nome da "estabilidade" de um modelo econômico inviável, que está arruinando nosso país."
Mas talvez eu tenha entendido errado as mudanças do candidato Lula, afinal, no dia dia já é possível sentir as mudanças: prefeituras paradas, desemprego crescente, crise no campo, crise na cidade. Ainda bem que a Unicamp está em greve, assim eu posso passar mais tempo contemplando todas as mudanças que este grande estadista nos tem trazido.

Campinas, 08 de agosto de 2003.

domingo, 3 de agosto de 2003

Viva o conforto!

Podem falar o que quiser, mas uma coisa é inegável: o capitalismo trabalha sempre para o nosso conforto. Conforto que nós, cidadãos bem adestrados, aplaudimos de pé.
Lembra quando era necessário levar o vasilhame para comprar refrigerante? Baita trabalho ter que carregar garrafas vazias até o mercado, só pra então poder comprar mais bebida? Veja só que baita avanço foi a introdução da garrafa plástica não retornável: agora nós vamos ao mercado de mãos vazias e voltamos com quantos litros quisermos de guaraná ou coca-cola (também conhecida como água negra do capitalismo, sangue de iraquiano e outros apelidos carinhosos e condizentes afins). Tentaram fazer garrafas plásticas retornáveis, mas foi um tremendo fracasso. Por que? Porque não eram práticas, cômodas. Com as garrafas não retornáveis, ao invés de amontoar garrafas num canto da casa para trocar na próxima vez que formos às compras, botamos tudo num saco de lixo e daí direto para o lixão. Muito mais prático, muito mais cômodo!
Agora há a promessa de algo parecido com os filmes. É um porre você ter que sair da comodidade do lar e se dirigir até a locadora só para devolver um filme, e caso se esqueça - coisa não muito difícil de ocorrer na correria do mundo moderno - ainda tem que pagar multa. Pensando na comodidade dos seus clientes a Walt Disney está testando um dvd que se auto-destrói 48 horas após aberto. O preço sairia o equivalente a uma locação. Quanto conforto! Poder alugar um filme sem precisar devolvê-lo no dia seguinte. Ao invés de caminhar quadras, caminha-se alguns passos, põe o dvd no lixo e está devolvido, sem risco de multas, sem incomodação.
Uma pena que nós, cidadãos bem adestrados, não percebemos o que há por trás de toda essas inovações em nome do conforto. Primeiro o desejo de lucro sempre maior, por parte das empresas. Segundo que, como alertou a psicanalista Anna Veronica Mautner, todos esses equipamentos que aumentam nosso conforto e diminuem nossa perda de tempo em tarefas que não gostamos não são suficientes para que tenhamos tempo para fazer o que gostamos. Terceiro que o L de lucro vem sempre acompanhado do L de lixo. Em nome de um corfortinho mísero que a publicidade vende (e nós compramos) como se fosse algo sem a qual nossa vida perderia muito em qualidade, aumentamos, estimulamos a degradação do ambiente e a produção de lixo.
Antigamente para fazer um chá tínhamos um pezinho plantado em casa, ou então íamos a feira, comprávamos um maço de erva, colocávamos numa chaleira e estava pronto o chá. Lixo: a erva com a qual fizemos o chá. Hoje compramos um pacote de chá que tem um plástico em volta da caixa de papelão e um saquinho de papel envolvendo cada saquinho com o chá. Lixo: além dos plásticos e papéis, toda a energia gasta para produzi-los.
Hoje comprei um pedaço de frango que, em nome de uma aparência bonita e de pseudo-higiene, veio numa badeja de isopor, envolto por duas camadas de microfilme. Um plástico já não seria mais que suficiente? Pra que todo esse lixo extra?
Ah, que maravilha nosso mundo moderno, que em nome do lucro, do conforto e da boa aparência sacrifica nosso próprio mundo!

Campinas, 03 de agosto de 2003.