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quarta-feira, 17 de julho de 2019

A grande imprensa e sua condescendência com atos fascistas

Começo falando o óbvio: diante do fascismo, ou você o afronta abertamente, ou você está pactuando com ele, na medida que dá brecha para que seja naturalizado como uma posição aceitável - até mesmo razoável - dentro do espectro político e das diversas formas de sociabilidade que uma sociedade moderna comporta. Por ser uma posição extremista, exige uma contraparte extrema também. A mídia brasileira já tem um débito enorme com o país por seu apoio ou sua omissão diante da ascensão de Bolsonaro e Moro (para não falar no golpe de 2016). Era sabido quem eram, de onde vinham, havia razoáveis indícios de por quais caminhos obscuros trilhavam suas trajetórias. Se calaram foi por não acharem tão grave, por acharem que controlariam os fascistas depois de assumirem o poder - assim como a direita liberal europeia confiou nas suas instituições, no século XX. A história não se repete, mas isso não quer dizer que não vá por sendas semelhantes.
Feita a desgraça de esgarçamento do pacto social de 1988 e da fraude nas eleições de 2018 (depois de quatro tentativas frustradas de golpes brancos), parte da mídia pula fora do barco fascista e finge criticidade - e ignora de que lado estava até um mês atrás. Não que não seja válido esse movimento, porém não se deve aceitar como um dos nossos, dos anti-fascistas, dos progressistas, apenas como aliados de ocasião, cujo apoio é importante agora e cabe abandonar tão logo não sejam mais úteis - sim, estou pregando uma ética estritamente utilitária (como defendem os neoliberais, ou seja, eles próprios) nestes casos.
Folha de São Paulo talvez seja o veículo mais avançado na oposição light a Bolsonaro. Já se fez de virgem no bordel quando o mandatário da nação disse que cortaria sua verba publicitária (e alguns amigos, infelizmente, caíram, fazendo assinatura digital, ao invés de apoiarem o jornalismo independente e deveras crítico); trocou críticos mais agudos por outros suaves, que batem em Bolsonaro mas contemporizam com parte da elite que apoia o governo, e atualmente tem publicado trechos da #VazaJato, o que mira o coração do projeto neofascista de periferia que as elites nacional e internacional têm para estes Tristes Trópicos. 
Contudo, o caminho para a integração do fascismo como norte político razoável persiste. Como já disse em outro texto, o fascismo entra pelas frestas [http://bit.ly/cG170601], está oculto no que nos pareceria, à primeira vista, uma afronta a ele [http://bit.ly/cG170315]. A forma como o jornal mancheteou as recentes investidas fascistas contra a cultura, na Flipei, em Paraty (RJ), e na feira do livro de Jaraguá do Sul (SC), mostra como nem mesmo a Folha faz oposição séria ao fascismo - talvez por não considerá-lo tão perigoso quanto o petismo conciliador de soma positiva (para usar jargão econômico) de Lula.
Sobre o cancelamento de Miriam Leitão e Sérgio Abranches no evento catarinense, a Folha, dentre os grandes veículos de fake news autorizada, digo, grandes veículos de mídia corporativa, é quem mais se preocupou em dar nome aos bois, mas fez isso discretamente, longe da manchete ou do texto de destaque: “Após protestos, feira do livro em SC cancela presença de Miriam Leitão - Evento em Jaraguá do Sul recebeu mensagens contra a participação da jornalista e do sociólogo Sérgio Abranches”. Mensagens de quem? É preciso ler a notícia para saber. Os outros veículos foram ainda piores. O Zero Hora, de Porto Alegre, por exemplo, tem como manchete: “Após receberem ameaças, Miriam Leitão e Sérgio Abranches são cortados de evento literário“. Sabendo quem é Miriam Leitão, um leitor desavisado mas não de todo desinformado, pode muito bem achar que a pressão se deu por “esquerdistas” - afinal, a esquerda que é violenta, vide a facada em Bolsonaro,e Miriam é uma reconhecia antipetista. A Folha, no trecho que a salva, comenta: “Ela é vista como oposicionista ao governo Jair Bolsonaro (PSL), presidente que teve na cidade 83% dos votos válidos na última eleição”. As demais publicações não foram além de divulgar o tom da petição online que barrou a jornalista, sem especificar de onde vinham as ameaças: “Por seu viés ideológico e posicionamento, a população jaraguaense repudia sua presença, requerendo, assim, que a mesma não se faça presente em evento tão importante em nossa cidade”. Ou seja, uma petição que pode ser tanto dos extremistas fascistas quanto dos "extremistas" "esquerdistas" - a mesma estratégia errada para a eleição de 2018, de pintar o PT e a centro-esquerda como extremo.
O caso da tentativa de atentado a Glenn Greenwald, em Paraty, também teve uma cobertura vergonhosa. O jornal dos Frias fala em “protestos”, “atos” e fogos para atrapalhar. Nada de atentado, de fogos para impedir de falar e tentar machucar [http://bit.ly/32pRjV4]. Pior foi o UOL, portal do grupo, que tinha como manchete: “‘Gringo de m...' e 'Lula Livre': Glenn leva gritos à Flip e polariza Paraty” [http://bit.ly/2YWYQsr], pondo o jornalista estadunidense como culpado pelos transtornos causados pelos fascistas: não fosse Greenwald e Paraty não teria polarização, seria o perfeito éden da harmonia social - faltou também dizer que os agressores eram cidadãos de bem agindo dentro do seu direito de tentar calar, ferir e, por que não?, matar alguém.
Não adianta Folha publicar reportagem contra a Lava Jato e seus métodos mafiosos, eventualmente se posicionar contra o governo Bolsonaro, se anunciar favorável ao diálogo e à razão, se ela tolera ações fascistas e as trata como expressões de que a democracia no Brasil vigora, de que “as instituições estão funcionando normalmente”. Mas falta à Folha sinceridade, coragem e boa fé (e vergonha na cara, também). Se tivesse, ela teria que assumir que não apenas se "equivocou" ao apoiar Bolsonaro, como mentiu ao tratar a esquerda brasileira como disruptiva da democracia ou das instituições - o único risco que PT e congêneres trazem é de diminuição dos lucros dos seus patrocinadores. O que a Folha segue a ignorar é que ou ela combate abertamente o fascisco - e isso significa, sim, "Lula Livre" -, ou não adianta depois ficar #chateada porque o fascista no poder não quer lhe abrir os cofres, ou resolver fechá-la de vez. Com fascista não se dialoga, não se pactua, a não ser que você seja um também.

17 de julho de 2019