segunda-feira, 15 de julho de 2002

Privatizam-se os lucros, socializam-se os prejuízos

Democracia: sistema político cujas ações atendem aos interesses populares.
Não, essa definição de democracia não foi tirada de nenhum livro de piadas, e sim do dicionário Houaiss. Me interessei pela definição do termo devido às disputas nas contas de luz.
Havia sido estabelecido que consumidores que gastam menos de 80kwh por mês seriam considerados de baixa renda, e por isso pagariam tarifas subsidiadas. As distribuidoras, não querendo ver seus lucros diminuírem, entraram na justiça contra a lei e ganharam. O governo, por sua vez, sabendo, mas não seguindo, a definição de democracia dada pelo Houaiss, preferiu enrolar até quando puder para recorrer: caso haja realmente o subsídio aos mais pobres, as distribuidoras pressionarão por mais um aumento (que deve variar entre três e 11%), o que o governo não quer, por ser 2002 um ano eleitoral.
O diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) disse que o subsídio haverá, e sem reajustes. Por outro lado, o ministro de Minas e Energia disse que “ou paga o consumidor ou paga o contribuinte”. Não é de surpreender essa defesa do capital por parte de um governo que já defendeu a Monsanto no STJ, contra o próprio povo; mas vale a pergunta: se se recorre ao contribuinte para fechar o caixa das distribuidoras, por que foram privatizadas?
Eis os interesses populares atendidos com a privataria (como bem denomina Elio Gaspari, colunista da Folha de São Paulo e do Correio do Povo): aumentos (obscenos) nas tarifas (um exemplo que me vem à mente agora é o da telefonia: 20% de reajuste numa inflação de 6%), apagão, seguro anti-apagão, queda na qualidade dos serviços e, em caso das empresas privatizadas virem seus lucros diminuírem, recorre-se ao contribuinte (que já encara essa democracia como consumidor).
Mas para a classe-média não deixa de ser uma boa notícia a letargia governamental nesse caso: menos chances de haver mais um aumento. E o povo? O povo que se vire! que desligue a geladeira (caso tenha) para economizar luz!

Pato Branco, 15 de julho de 2002

quinta-feira, 27 de junho de 2002

A superioridade branca e a incompetência indígena

Foi essa idéia que passou a mesa-redonda que assisti segunda-feira, 24 de junho, na Unicamp, cujo tema era a situação do índio no Brasil hoje. Faço questão de esquecer quem a promoveu, assim como quem lá falou. Sei apenas que eram dois antropólogos: um era professor da Unicamp, o outro era da pastoral indigenista de algum lugar de São Paulo.

A platéia era formada principalmente por pós-graduandos em antropologia. Salvo uma exceção, as cerca de 25 pessoas lá presentes eram todas brancas. A exceção se tratava de um índio, sentado no fundo do auditório.

Começou falando o professor da Unicamp. Uma bela aula de discussão universitária: números, números e números. Não que os números não sejam importantes – e mesmo interessantes –, mas o professor poderia ter indicado, como leitura prévia, a página de onde os retirou, e falar coisas além.

Depois de uma enxurrada de números, chegou a vez do segundo palestrante. Como ele possuía (creio) um contanto mais direto com a situação vivida pelos indígenas, era grande a minha expectativa de que sua fala fosse, ao menos, melhor que a anterior. E o simpático senhor começou a recitar números e números de aldeias e tribos redescobertas Brasil afora por etnólogos que, pelo nome, não tinham qualquer ascendência indígena.

Excelente que hoje busca-se preservar a cultura e as populações indígenas, o contrário do que ocorria no princípio do século passado, quando um dos passatempos era “recolher nos hospitais as roupas infectadas das vítimas da varíola, para ir pendura-las junto com outros presentes ao longo das trilhas ainda freqüentadas pelas tribos” (Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos, p. 47). Porém a uma hora de mesa-redonda que assisti (ela teve meia hora mais) foi suficiente para notar que visão que se tem do índio hoje é a mesma de 500 anos atrás: são incompetentes e incapazes, como as crianças, que precisam de tutores (brancos, é claro) para conseguirem qualquer coisa.

Ah! Os índios também são vistos como interessante tema de dissertações, dado os muitos números relacionados.


Campinas, 27 de junho de 2002