sexta-feira, 14 de fevereiro de 2003

DeRecepção aos Calouros

Parabéns calouro pela sua aprovação! Afinal você entrou no segundo melhor curso de filosofia de Campinas!!! Sabemos que passar no vestibular não foi o mais difícil. Duro mesmo foi criar coragem e assinalar o curso de filosofia na ficha de inscrição. Temos experiência, sabemos como as coisas estão para você: seu pai não te olha mais na cara, sua mãe chorando pelos cantos, perguntando "meu filho, onde foi que eu errei?", seu irmão menor com vergonha dos coleguinhas, seu tio, no churrasco de Domingo, abrindo aquele sorriso sarcátisco e perguntando "mas o que é que faz um filósofo", e você gagagaguejando, sem conseguir dar uma resposta convincente.

Não saber o que faz um filósofo é resultado da falta de informação sobre o curso. Falta de informação – diga-se de passagem e não sem propósito – que dura até o fim do curso, pelo menos. Essa desinformação é também um dos grandes responsáveis pelo preconceito com a filosofia, outro fator é a inutilidade da carreira.

Os filósofos costumam se dividir em três grandes grupos: padre/freira, maconheiro (a) e vagabundo (a). Caso você não se enquadre em nenhuma dessas categorias, são grandes as suas chances de ter errado de curso. Mas não desanime, vestibular tem todo ano e o COC é um ótimo cursinho! Se você se enquadrou em uma delas, você deve estar no curso certo. Agora, se você se enquadrou nas três categorias, parabéns! Você tem um futuro promissor no IFCH! Depois de formado é outra história, mas na faculdade você vai se dar bem!

Mas não bajulemos demais o curso, que ele tem seus pontos fracos, como todo curso. Final de semana de três dias, poucas provas, alguns trabalhos, nada de aula nas férias (o que significa, nada de recuperação). Para depois de formado (os tradicionais três mosqueteiros de cada turma) o mercado de trabalho também é muito amplo, falta apenas ser descoberto (se você descobrí-lo, por favor, avise-nos!). Mas já se sabe que a filosofia pode ser útil nas universidades e escolas, secratarias de cultura, editoras, jornais e empresas.

Como o curso exige muita leitura e escrita, você pode seguir, quem sabe, a carreira de escritor. Seguir o exemplo do Guimarães Rosa (ah, não, ele era médico), do Carlos Drummond de Andrade (ops, esse era farmacêutico), da Marilene Felinto (não, ela se formou em letras), do José de Alencar (xii, ele era advogado). Enfim, isso mostra como é amplo o mercado de trabalho, você pode ser o primeiro filósofo romancista famoso do Brasil!

Escolha o corte da sua barba e cabelo (sugestão nossa para os filósofos: cabelo comprido e barba de uma semana ou de seis meses; para as filósofas: uma tesoura na mão e uma idéia na cabeça), a cor do seu cabelo, uns piercings pra pôr no nariz, na língua e no (a) persiguido (a), puxe seu Nietzche do armário e venha se divertir na filosofia. Afinal, faculdade é sexo, festa e rock’n’roll (mpb e clássico são aceitos; funk, pagode e Alanis Morrisete, Kelly Key e Charlie Brown Jr. são terminantemente rechaçados).

Afinal, como dizia aquele grande filósofo: "Inútil, a gente somos inútil!"

Bem vindo à filosofia da Unicamp!

Campinas, 14 de fevereiro de 2003

(texto para o Cafil-Unicamp)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2003

Paciência tem limite

Se eu quisesse aumento de juros, medidas para agradar o mercado, aumento do superávit, independência do Banco Central, corte de gastos e outras medidas afins que marcaram o governo FHC, teria votado logo no Serra, ganharia uma orelha de burro, mas ficaria livre do nariz de palhaço.

Se acham que eu estou exagerando, vale conferir FHC: uma biografia não-autorizada, do cartunista Angeli (www.uol.com.br/angeli). Sarney, ACM, muito blábláblá, alianças esdrúxulas, Lula segue direitinho os passos do antecessor. Só falta o Lula dizer explicitamente "esqueçam o que eu escrevi".

Primeiro os mercados elogiaram Lula, agora foi a vez do FHC. FHC?! "O presidente [Lula] tomou decisões muito austeras. Isso parece uma espécie de coroação do que eu disse". Se FHC não mudou de idéia – continua se achando o maior estadista do Brasil, que suas reformas neo-liberais foram frutos de análise e reflexão e era (é) esse o único caminho para o Brasil chegar ao mundo civilizado – só pode o Lula ter mudado.

Claro que mudanças bruscas são difíceis, dado o estado calamitoso e dependente do Brasil entregue ao Lula por FHC, mas onde estão as sinalizações de mudança? Por que aumentar e não diminuir em meio porcento os juros? ACM na comissão de Constituição e justiça? Só faltou chamar a senadora Heloísa Helena e o deputado Babá de neo-bobos. O jornalista Jânio de Freitas, uma das mais lúcidas vozes do Brasil, disse que não podemos acusar Lula de incoerente: ele segue coerentemente a cartilha ditada pelo FMI.

Em editorial, a Folha de São Paulo criticou a falta de um plano de governo. E aquele projeto para o país que o Lula, durante a campanha, dizia ter, onde está? Existia mesmo? Onde estão as reformas prometidas?

Paciência tem limite. A minha chegou ao fim, e creio que a de muitos já está esgotando também. De La Rúa também se elegeu como candidato da esquerda, prometendo reformas, mas preferiu seguir os passos do antecessor. Nós sabemos aonde deu.


Campinas, 13 de fevereiro de 2003