sexta-feira, 21 de março de 2003

Abaixo a liberdade de imprensa!

Não li a reportagem, apenas vi a capa e li uma nota que saiu na Folha de São Paulo. Diz a revista Veja (Readers Digest Veja) que Bin Laden esteve no Brasil, em Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira, para ser mais específico.

Com todo o respeito, mas prefiro acreditar em duendes, acreditar que a Xuxa contribui para a formação de valores que respeitam a dignidade humana, que ela em momento algum de sua carreira estimulou a erotização infantil ou o consumismo, que a guerra do Bush é um bem para a humanidade, que FHC foi um bom presidente, e que todo natal Ariel Sharon se veste de papai-noel e sai distribuindo balas às crianças palestinas, enquanto estas entoam canções natalinas, do que acreditar na Veja.

Quem leu o livro O Castelo de Âmbar, do Mino Carta, ex-redator-chefe da Veja na década de 70 (hoje na Carta Capital), sabe que os Civita, detentores da editora Abril conhecem tão bem o Brasil que não devem nem saber se Brasil se escreve com Z ou com S. E conhecendo tão bem o nosso país, claro que eles põe os interesses da nação sempre em primeiro lugar. Que o diga as análises políticas presentes na revista, as reportagens imparciais sobre o MST (“rebeldes sem causa”) e a cobertura pós 11 de setembro.

Como o governo estadunidense deve pagar mais do que o brasileiro, a revista Veja não tem dúvidas em assumir as posições do Império. E o Império vem há muito dizendo que a região da tríplice fronteira é ninho de terrorista. Já foi provado e comprovado que é lorota, mas os EUA insistem que ali é ninho de terrorista, assim como o Iraque é uma ameaça iminente aos EUA. Sou procedente da região, e é certo que Foz do Iguaçu não é uma flor que se cheire: convivem ali diversas máfias, o tráfico de drogas, armas, cargas, carros roubados rola a solta. Mas daí para ninho de terroristas a distância é enorme. Não para Veja, que não hesita em forjar reportagens, sempre visando dar razão a quem paga mais, no caso, os EUA. Talvez numa próxima edição mostre que as Farc já dominam 50% da Amazônia brasileira, envenenando a água, matando hipopótamos-do-chifre-amarelo apenas para treinar pontaria e incendiando madeiras de lei, e que somente com uma ação militar norte americana é que o perigo será afastado.

Como dizia o meu professor de história do cursinho, também formado em ciências sociais, Fernando Gelfuso: para evitar contaminação, não use a Veja nem pra substituir o papel higiênico. Ou como diria Mafalda: Abaixo a liberdade de imprensa! Às vezes é preciso.


Campinas, 21 de março de 2003

quarta-feira, 19 de março de 2003

Vinheta de guerra

Não tenho muito conhecimento sobre guerras, mas acredito que esta seja a primeira com propaganda na tv. Parece até estréia de novela: data e hora de estréia, personagens, o mocinho e o bandido. Imagino que na Fox News a guerra tenha até vinheta. Como será a chamada? "Operação liberdade para o Iraque. Estréia amanhã, às 11am, aqui na Fox News". Será que vai ter transmissão "pay-per-view" também, estilo a Fórmula 1? Câmera 1: Bico do Bombardeiro; câmera 2: torre do porta-aviões; câmera 3: mãe de todas as bombas.

Por falar em mãe de todas as bombas, além do seu aspecto video-game e de grande show, o ante-guerra tem também nos proporcionado momentos cômicos da diplomacia mundial, como a acusação de que a França, por sua intransigência, é a culpada pela guerra; e momentos poéticos, como é o caso da mãe de todas as bombas. Imagino bondosas e cristãs criancinhas norte-americanas fazendo lindos versinhos: "Quando a mãe de todas as bombas/ sobre o solo iraquiano caiu/ a explosão a liberdade pariu/ não restando de Saddam sequer sombras". Bem, acho que meus versinhos estão um pouco avançados demais para o nível intelectual estadunidense, mas creio que consegui transmitir a mensagem. Imagino também que no natal, a exemplo do que fizeram na Bósnia-Herzegovina (se não me engano), as criancinhas estadunidenses vão dar seus brinquedos velhos e fazer lindos cartões de natal para as pobres e rotas crianças iraquianas; se bobear, ainda mandam pacotes de Baconzitos, ou uns salaminho de porco...

Outra bela cena cômica foi o ultimato dado por Bush, O Bonzinho, para que Saddam saísse do Iraque. Quer dizer que se Saddam sair ele vai levar junto todos os mísseis que ele tem guardado embaixo do colchão e o mundo passará a viver em paz? Ou será que o futuro presidente do Iraque vai ser tão bonzinho que vai poder ter as armas? Matar curdos tudo bem, proibir empresas americanas de explorar o petróleo americano, aí é um atentado contra a liberdade e a democracia.

E enquanto o mundo se prepara para mais uma carnificina, Bush, O Pacifista, poodle-Blair, O Convincente e Aznar, O Lambe-botas sorriem tranqüilos e faceiros, afinal, eles já devem ter carregado suas despensas com muito McTripa e Coca-Cola, e estão apenas esperando o início da transmissão para se esticarem em suas poltronas e assistirem a vitória da civilização sobre a barbárie.

E já que falei em tranqüilidade, enquanto iraquianos fogem e soldados "estadunidenses" (melhor seria dizer enquanto os cucarachas cooptados pelos EUA) se despedem de suas famílias, Bush, O consciência tranqüila, passeia com seu cachorro, que tem até nome: Spot, numa guerra em que haverá milhares de mortos anônimos. Mas essas mortes são justificáveis, trata-se de efeito colateral, dirão os representantes da Casa-Branca, que há muito tem manchas vermelhas em suas paredes (depois falam do comunismo). Mas ai de quem atirar uma pedra em Spot!

Me tranqüiliza saber que o mundo está em tão boas mãos!


Campinas, 19 de março de 2003