terça-feira, 27 de maio de 2003

Alienação é eufemismo...

Com o tempo as coisas mudam, isso é muito bem sabido, e não há nada a fazer. Mas a impressão de que as coisas mudam pra pior, isso é pra se preocupar. Se nos anos 70 tínhamos ditadura, tortura, terror de Estado, guerra fria, em 2000 temos um oligopólio dos meio de comunicação, tortura (apenas com a diferença que ela não chega mais até a classe média), “privatização” da violência que nos anos 70 era de responsabilidade do Estado, e um império único que dita as regras do mundo como bem quiser.

Na arte – na música em especial – nada muito diferente. Nos anos 60, 70, Chico Buarque, o pessoal da Tropicália, Secos e Molhados, Mutantes; hoje, Chico, Caetano, Gil, Tom Zé, Ney Matogrosso, Rita Lee. Ótimo, excelente que eles continuem na ativa, mas e de novo? Zeca Baleiro, Adriana Calcanhotto? Bons, mas não estão no mesmo nível que Chico e cia. Na década de 80 tínhamos ao mesmo tempo Lobão, Raul Seixas, Renato Russo e Cazuza, cujas músicas oscilavam de política, revoltada, a amorosa, alienada. Já hoje....

Com o fim do bloco socialista, a hegemonia estadunidense e o proclamado fim da história, junto a crise da utopia parece que houve uma crise na capacidade de criticar. E isso não é um fato isolado ao Brasil, mas ao que tudo indica, ao mundo todo.

Na década de 80 coexistiam com muita força o movimento punk e o “heavy-metal”. Ambos tinham como característica comum as letras críticas aos sistema, ao mundo. Bandas como Metallica e Sepultura abocanharam fãs e mais fãs mundo afora com letras que tratavam de guerra, da justiça feita a base de dinheiro. The Clash, Ramones, Sex Pistols, Inocentes, chocavam o Sistema com sua postura, suas roupas rasgadas, suas letras esculachadas. E hoje, 20 anos depois o que temos? No punk, bandas como Green Day, Offspring, Holy Tree, e bandas afins que imaginam que tocar tresloucadamente bateria e pintar o cabelo seja algo contestador ao sistema (e fonte de dinheiro). No metal, a coisa parece ser até pior, banda que fez música como One, inspirada no filme Johnny foi à guerra, hoje canta refrões como “gimme fuel, gimme fire, gimme what I desire” (dê-me combustível, dê-me fogo, dê-me o que eu desejo). E as novas bandas de metal, o chamado nu-metal, essas estão entre deprimentes e desesperadoras. Musicalmente, uma porcaria, um lixo, um desastre (acho que estou tão catastrófico porque há pouco passei uma tarde inteira, durante uma competição de Kung Fu em São Carlos, escutando a mesma música – e somente ela – de uma dessas bandas, a Linkin Park), as letras então, BLEEEEEEERG, como se diria nas histórias em quadrinho. Vale apenas conferir o que disse o vocalista do Linkin Park à Folha de S. Paulo, quando questionado o porquê da banda, mesmo com a destruição do WTC, em 11 de setembro, e a guerra dos EUA pelo petróleo do Iraque, não ter dado um acorde sequer à política ou aos problemas socioeconômicos: “A minha vida não mudou [depois dos atentados de 11 de setembro de 2001]. Ou melhor, mudou pouco. Basicamente, nós não somos políticos, somos músicos, então acho que não é nossa responsabilidade. Não tenho conhecimento suficiente para discutir política profundamente. Faço a minha parte nas eleições. Não vejo como fazer muito mais além disso”.

A banda não precisava ser ativista como Zack de la Rocha e o Rage Against de Machine, que num show protesto obrigaram a bolsa de Nova Iorque fechar mais cedo, mas essa alienação toda é exagero!

Agora com licença que depois de ler tão brilhante depoimento eu vou chamar o hugo...


Campinas, 27 de maio de 2003

terça-feira, 20 de maio de 2003

Radicais e radicais

Os últimos capítulos da deprimente novela petista “Os Radicais” tem mostrado que radicais no partido não são apenas Babá, Luciana Genro e Heloísa Helena. Sem dúvida eles são radicais no sentido primeiro dado pelo dicionário Aurélio, ou seja, são radicais no sentido relativo à raiz, são radicais na medida em que defendem propostas muito semelhantes às defendidas pelo PT vinte anos atrás, propostas que estão na origem, na raiz do partido dos trabalhadores.

O episódio da semana passada mostrou que José Genoíno e a cúpula do PT são também radicais de marca maior, mas radicais no sentido de intransigentes. Imagino o que eles não diriam se, mesmo com 40% dos votos, José Serra assumisse a presidência, porque FHC iria renunciar se não fosse assim. Pois foi algo paralelo o que ocorreu semana passada: Tião Viana e José Genoíno ameaçaram renunciar – o primeiro a liderança do partido no senado, o segundo a presidência do partido – caso o abaixo-assinado apresentado por deputados e senadores do partido pedindo o diálogo e não a expulsão dos três radicais não fosse desconsiderado. Tivessem assinado tal abaixo-assinado apenas os três radicais, vá lá ele ser desconsiderado; mas foram 35 dos 90 deputados e oito dos 14 senadores, portanto 57% dos senadores do partido. A ceninha dos líderes do partido mostra o quão maduro está o PT, e o quão democrático eles são: “ou a coisa anda como eu quero ou eu não brinco mais”.

Caro Genoíno, quer dizer, então, que se a maioria da bancada do senado é contra senhor, eles é que devem mudar, não vossa majestade? Vai ver que isso explica o “novo” governo: a maioria da população votou por mudança, mas o PT resolveu continuar a velha fórmula econômica; a maioria da população votou pelo crescimento do emprego, da renda, o que significa estímulo à indústria, mas o PT optou por manter estímulo à especulação, o que significa juros altos, diminuição da produção industrial, aumento do desemprego, queda na renda...

Mudaram os termos: de neobobos para radicais; mas é muito bom saber que temos, a exemplo do governo anterior, um governo aberto ao diálogo e à discussão, cumpridor de promessas eleitorais e maduro o suficiente para discutir divergências.

Arrependimento mata?


Campinas, 20 de maio de 2003