sábado, 1 de novembro de 2003

Ajamos!

Há um provérbio chinês que diz que antes de sairmos para consertar o mundo devemos dar três voltas em torno da nossa casa. Não concordo inteiramente com esse dizer, acho que dá possibilidade a uma interpretação um tanto quanto comodista, algo como que só se deve agir depois de resolvidos os problemas mais próximos. Acho que devemos nos preocupar com os grandes problemas, todavia sem deixar de estarmos sempre atentos para nossos próprios erros. Se só agíssemos quando já estivéssemos perfeitos, quando todos nossos defeitos tivessem sido corrigidos, nunca agiríamos; afinal, não somos deuses para alcançar a perfeição. Inclusive é agindo para consertar o mundo que perceberemos muitos de nossos defeitos, desde, é claro, estejamos abertos a nos permitir uma constante auto-avaliação. Conversando com um amigo meu esta semana, ele criticava um terceiro amigo que estava usando uma camiseta do Greenpeace. Dizia ele que era hipocrisia usar uma camiseta dessas, bradando contra a caça às baleias e à destruição das florestas tropicais, quando os mananciais de Barão Geraldo (distrito de Campinas onde nós três moramos) estavam ameaçados pelo novo zoneamento do distrito. Concordo em parte com ele, acho realmente que deveríamos equilibrar nossa ação entre temas mais globais, locais e pessoais (será que esses meus dois amigos reciclam o lixo que usam?). Me parece hipocrisia, sim, agir em temas globais ou locais sem fazer do dia-a-dia uma permanente ação de defesa da ecologia (para ficar no caso citado). Mas enfim, agir em qualquer uma dessas esferas já é um grande passo, visto como são as pessoas
de hoje. Só para citar um exemplo, quinze dias atrás eu e minha namorada discutimos com uma guria na fila do bandejão, após esta expressar seu desejo de soltar um bomba no IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), apontado por ela como responsável pela greve contra a reforma da previdência, ocorrida em agosto, que fez com que ela perdesse parte das suas férias. Fosse ela uma exceção, tudo bem, mas não é.
E eu aqui discutindo se devemos agir local, global ou pessoalmente, quando a maioria das pessoas têm a visão de futuro equivalente à de um avestruz (a moça com que discutimos é incapaz de perceber que se o conceito da Unicamp cair, o diploma dela, conseqüentemente, irremediavelmente, passará a valer menos por conter o logo da universidade) - quem dirá que uma pessoa dessas vai ter visão de comunidade. Não deixa de ser um pouco desanimador. Mas é preciso agir. Na esfera pessoal, primeiro, expandindo para a esfera local e global depois.
E você, já separou o lixo, boicotou a Coca-Cola e cumprimentou com um sorriso a atendente do mercado hoje?

Campinas, 01 de novembro de 2003

sábado, 18 de outubro de 2003

Dois pesos duas medidas

No auge da crise da Venezuela, ano passado, os Estados Unidos e a imprensa brasileira não cansou de chamar de Hugo Chavez de autoritário, ainda mais quando ele ameaçou emissoras de tv que divulgavam notícias falsas contrárias ao governo.
Nova crise na América do Sul, desta vez na Bolívia, a população nas ruas protestando, o governo manda o exército conter as manifestações. Desta vez não foram uma ou duas mortes causadas não se sabe se por partidários ou opositores do governo, mas mais de 70 causadas pelo governo. Qual a reação que vemos nos jornais? Uma cobertura exemplar na sua "imparcialidade", onde
os mortos são números e nada mais que isso, onde governo de Sánchez de Lozada nem parece ser aquele contra o qual clamava a multidão. Um primor jornalístico enfim.
Mas uma notícia me chamou ainda mais a atenção, foi uma nota não muito aprofundada na Folha de São Paulo: "Uma das únicas redes de tv da Bolívia a destacar a cobertura dos conflitos civis no país foi tirada do ar na noite de ontem. Em comunicado, a porta voz da RDP afirmou que a rede fora tirada do ar pelo governo do presidente Goinzalo Sánchez de Lozada". Reação dos Estados Unidos a esse atentado contra a liberdade de imprensa? Nenhuma. Algum editorial condenando o ataque à democracia por parte da Folha de São Paulo? Nem perto.
Nada como a imparcialidade: se se trata de um presidente de esquerda, é autoritário por ameaçar uma emissora de tv. Se é de direita, pode fechar emissoras de tv, perseguir radialistas, que se trata da justa luta para manter a ordem.
E tem gente que ainda acredita cegamente nas mentiras que os jornais todos os dias inventam...

Campinas, 18 de outubro de 2003