sexta-feira, 7 de novembro de 2003

De quatro Brasil!

Na era do tucanato, o Simão costumava vir com a seguinte piada, depois do Brasil apelar ao FMI: diz que o Malan tinha ido aos EUA, acertar o acordo com o FMI, mas no dia da reunião chovia, e para não chegar com a calça suja, o ex-ministro levantou a barra. No elevador, o ascensorista notou que o ministro esquecera a barra levantada e falou: 'senhor Malan, o senhor não
vai baixar as calças?', a resposta do Malan foi 'calma, deixa eu tentar conversar antes'.
Na era do PT, essa piada não funciona, afinal, um governo que aumenta por livre e espontânea vontade o superávit primário pra 4,25% do PIB, os juros para 26% mostra que não está disposto a dialogar: já chega pro FMI de calça abaixada. Então, nada de surpreendente o novo acordo com o FMI, mesmo sem que o Brasil necessitasse. O governo Lula mostrou que não vai pro FMI só de caixa abaixada, mas também já na posição adequada (e quem toma o ferro somos nós).
O que indigna é o PT mostrar que tudo o que ele disse quando oposição era bravata. Na eleição de 98 o partido atacou FHC por não dizer na sua campanha que costurava um acordo com o fundo. Em 2002 o PT também não disse nada à respeito de um novo acordo. Mas o caso do PT é pior, afinal o PT sempre atacou as idas ao FMI, e quem votou nele na última eleição imaginava que assim seria no governo. Afinal, o PT até bem pouco tempo atrás era a favor de uma auditoria e da renegociação da dívida externa. A Folha de São Paulo trouxe quatro frases de petistas sobre o FMI, um bom
exemplo de como o PT é um partido tão ético quanto o PFL ou o PMDB: "Todo país que vai ao Fundo é um país que se mete em enrascada". A frase é do ministro do planejamento, Guido Mantega, e pode não parecer, mas foi dita quando ele já era ministro. Se ele está correto, o Brasil acaba de se enfiar numa bela encrenca, e o pior, sem necessidade.
"O PT não pode se acomodar e achar que é possível o país se desenvolver e crescer dentro dos parâmetros da política econômica que existe hoje. A Argentina está mostrando o desastre para o qual as orientações equivocadas do FMI podem levar". Frase do ministro da casa civil, José Dirceu, em dezembro de 2001. Assim sendo, o espetáculo do crescimento fica, na melhor das hipóteses para 2005. E bem lembrou o ministro do caso da Argentina: De La Rúa caiu porque seguiu as políticas desastradas do governo anterior. "O FMI não existe para ajudar o país ou ajudar o povo. Existe para ajudar os credores". Algum comentário sobre pra quem Lula governa?
E por fim: "O Malan não sabe o que é o desemprego. O presidente FHC e o Armínio Fraga também não sabem. Se soubessem, certamente o Brasil não estaria subordinado à especulação financeira e ao FMI". Pelo jeito o presidente esqueceu o que é desemprego (se é que alguma vez ele realmente soube). Ou então crê que esse é um problema secundário: o importante, antes de mais nada é agradar os mercados, afinal são os mercados que investirão em saneamento básico no Brasil, não é presidente? Pode-se argumentar que o acordo, como o Brasil não estava desesperado, não foi tão ruim, afinal, diminui o superávit, permite investis 2,9 bilhões de reais em saneamento básico e discute-se deixar de contar parte dos investimentos das estatais como gastos.
Algumas observações: 1) enquanto aqui nós apertamos o cinto pra ter um superávit de 4,10%, na União Européia os governos não podem ter um DÉFICIT maior que 2,5% do PIB, e olha que na Europa as necessidades são bem menores que no Brasil; 2) os 2,9 bilhões de reais correspondem a 1,63% do necessário para universalizar o abastecimento de água e esgoto no país; e 3) um governo que se dispõe por conta própria a aumentar o superávit, e pra isso corta gastos sociais, em segurança pública (o governo liberou 4,98% das verbas previstas para o Fundo Nacional de Segurança Pública), na saúde, você acha que vai gastar 2,9 bilhões abrindo buracos sem nenhuma visibilidade eleitoral?
Nessas horas que eu digo: Kirchner para presidente!

Campinas, 07 de novembro de 2003

quinta-feira, 6 de novembro de 2003

O autoritarismo não acabou

Estava eu hoje com minha namorada na cantina do Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Unicamp, conversávamos, ela sentada em meus joelhos, mas nada que fosse ofensivo ou considerado atentado ao pudor. Mas eis que passa um senhor e, como se estivéssemos em pleno coito, agressivamente se dirige a nós, pergunta de onde somos, e exige com que ela saia do meu colo,
pois "isto é uma instituição de pesquisa séria", argumento - se é que pode ser chamado de argumento - totalmente furado, afinal aquilo era um espaço público e não fazíamos nada de mais. Mas ele, claro, não se contentou com esse "argumento", e logo usou um que pode ser chamado de argumento de autoridade: "sou diretor deste núcleo". Uma clara demonstração de autoridade, em um assunto que não lhe cabia respeito. Não pudemos fazer nada além de aceitar a ordem, pois minha namorada trabalha lá, mas ficou na boca uma boa porção de revolta. Exemplos parecidos têm às pencas nas escolas e universidades - eu mesmo já tive alguns problemas ao questionar essa "autoridade" - e, creio eu, em qualquer emprego. Enfim, qualquer lugar em que haja uma hierarquia,
subordinados.
Parênteses: não que eu ache ruim autoridade, mas há uma grande diferença entre autoridade e autoritarismo: o primeiro se conquista, o segundo se impõe.
Mas enfim, estou reclamando de barriga cheia. Picuinha de pequeno-burguês, coisa pra revoltinha de uma crônica e fim. Entretanto, se é assim numa universidade pública, onde está boa parte da elite nacional, imagine como não é com os menos favorecidos.
Uma música do grupo O Rappa dá uma boa mostra disso: "A viatura foi chegando devagar, e de repente, de repente, resolveu me parar. Um dos guardas saiu de lá de dentro já dizendo 'aí cumpadi, 'ce se perdeu, se eu tiver que procurar 'ce tá fudido, acho melhor 'ce ir deixando este flagrante comigo'. No início eram três, depois vieram mais quatro, agora eram sete os samurais da extorsão, vasculhando meu carro, metendo a mão no meu bolso, cheirando a minha mão. De geração em geração todos no bairro já
conhecem essa lição. E eu ainda tentando argumentar mas tapa na cara pra me desmoralizar, tapa na cara pra mostrar quem é que manda".
Por que estou falando tudo isso? Já ocorreram em São Paulo, segundo li, quase 30 ações contra policiais. Sem dúvida, obra do crime organizado com o intuito de amedrontar o Estado. As classes abastadas se apavoram com isso, acham uma calamidade, mas muito provavelmente o pessoal de Capão Redondo, Diadema, devem estar se sentindo, de certa forma, justiçadas. Estão errados? De jeito nenhum. Quantos não comemorariam caso o general Médici fosse assassinado?
Autoritarismo só gera ódio e revolta, e a culpa (não tenho receio em apontar um culpado) é de quem é autoritário.

Campinas, 06 de novembro de 2003