quarta-feira, 19 de novembro de 2003

Um ano e meio

Fui hoje assistir a uma palestra sobre o governo Kirchner, com Atilio Borón, um dos principais sociólogos argentinos, professor da Universidad de Buenos Aires. Comentou vários fatos interessantes do presidente argentino, como a luta pelos direitos humanos, enfrentando para tal o exército e boa parte da elite argentina, e os caminhos neoliberais que o governo tem tomado apesar do acordo favorável, segundo a mídia, com o FMI (foi o maior superávit com o qual a Argentina já se comprometeu).
Mas uma coisa que me chamou a atenção foi a teoria que ele tem, baseado em Maquiavel, principalmente, de que um governante eleito sem o apoio da elite tem entre um ano e um ano e meio pra propor mudanças e tem que propô-las com convicção. Esse um ano e meio é quanto dura o mandato de um governante. Depois disso, resta-lhe administrar o Estado, sem qualquer chance de novas
mudanças. Como exemplo, ele citou Bill Clinton, que era a promessa de um Roosevelt do fim do século. Depois de eleito tentou reformar o sistema de saúde dos EUA, mas não se mostrou muito convicto, e depois de brigar um ano, se conformou com sua derrota e se tornou apenas mais um presidente estadunidense, sem nenhum brilho especial.
Moral da história: O governo Lula foi, até agora, um mero administrador da crise, sem sinalizar a menor mudança no modelo neoliberal, pelo contrário, tem aprofundado-o com uma nova leva de reformas neoliberais. Se Borón estiver certo na sua teoria de que um presidente tem de fato o primeiro ano e meio de mandato pra fazer as mudanças mais radicais que ditarão os rumos do governo, estamos perdidos.

Campinas, 19 de novembro de 2003

sexta-feira, 14 de novembro de 2003

Uma visão distorcida

Durante o governo FHC era comum abrir o jornal e deparar com o então ministro da educação, Paulo Renato de Souza, defendendo o financiamento do ensino superior por aluno e não por instituição. Era grande meu medo de que num eventual governo Serra, tal proposta fosse, finalmente posta em prática. Mas eis recebo a Folha e hoje e o que diz a primeira página? Que o ministro Palocci pretende cortar gastos com o ensino público. Votei no Lula, com a esperança de mudar, mas seu governo vem com o mesma idéia do
governo FHC, importada do Banco Mundial, e que dizia combater. Defender esse tipo de financiamento é típico de quem não conhece as especificidades da universidade pública brasileira, assentada no tripé ensino-pesquisa-extensão (e não somente ensino), e mais do que isso, ignora que o fato da universidade pública ser ocupada por alunos mais abastados é conseqüência da debilidade do ensino fundamental e médio ministrados pelo Estado.
O ensino superior de qualidade é pré-requisito básico para qualquer país que deseja ser uma grande nação, e a melhor forma de corrigir as distorções sociais do sistema brasileiro é um investimento maciço em educação fundamental e média, de forma a permitir ao aluno do ensino público, além de um formação cidadã, competir em pé de igualdade com o do ensino privado pela vaga na universidade pública.
Felizmente Cristóvão Buarque conhece nosso país e se opõe ao projeto da fazenda.

Campinas, 14 de novembro de 2003