sexta-feira, 9 de janeiro de 2004

Uma mão lava a outra

Falei na última crônica nas verbas distribuídas generosamente pela imprensa nacional. As revistas semanais não ficariam de fora, claro. Entende-se bem o porquê da revista Veja ter ficado com o bolo maior (R$ 1,2 milhão), afinal trata-se da maior revista semanal do país. Mas na segunda posição veio a revista Carta Capital, com seus modestos 55 mil exemplares (a revista Época tem algo em torno de 500 mil leitores). Nada surpreendente. Carta Capital, que Mino Carta, seu editor-chefe, se gaba de imparcialidade, independência e espírito crítico, apoiou Lula já no primeiro turno da eleição presidencial. E como diz aquela canção do Arnaldo Antunes: uma mão lava a outra, lava uma. O apoio que Mino deu à Lula não foi algo tão desinteressado assim, preocupado unicamente na melhor opção para o país.

No quesito independência, Carta Capital, ao que parece, não vende reportagens como Veja, mas tem esquece de certas coisas que deixa a gente pasmo.
Exemplo primeiro: já faz um par de anos Carta Capital fez uma reportagem sobre transgenia, mas transgenia em animais, em plantas, nada. Uma das principais propagandas daquela edição era da Monsanto. Talvez seja só coincidência, mas...
Exemplo segundo: a revista tem como um de seus sócios o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, sócio também de uma universidade particular, a Facamp (que se utiliza de parte da estrutura da Unicamp, diga-se de passagem). Educação superior no Brasil é um tema que recebe uma atenção considerável da revista, mas detalhe: nem uma linha sobre universidade públicas. Estão ameaçando cortar a luz da UFRJ por falta de pagamento? Vão fechar o PS do HC da Unicamp? Instalação de cartão de débito de banco privado como cartão de registro acadêmico nas universidades paulistas? Bem, isso Carta Capital
desconhece. Agora inadimplência de alunos, aumento na qualidade das universidade particulares, boas universidades a preços acessíveis, tudo isso você encontra nas páginas da revista.
Semana passada saiu na Folha de São Paulo uma reportagem sobre o recorde de aposentadorias na Unicamp, vamos ver se desta fez Carta Capital fala alguma coisa.

Pato Branco, 09 de janeiro de 2004

quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

A oportunidade perdida

O PT surgiu nos anos da ditadura militar, e apesar de combatê-la e defender
a democracia parece não muito interessado em efetivá-la. Não me refiro à
democracia internado partido, mas sim à democratização de um certo país
tropical chamado Brasil.
Impossível haver democracia em um país em que uma família controla
emissoras de tevê, rádios, revistas, jornais. Não falo apenas da família
Marinho, que controla a maior emissora de tevê do país, com índices
absurdos de audiência, mas de qualquer dono de imprensa do interior do
país, que não passa de um Marinho em versão estadual, regional, municipal.
Mas é nos grandes que vou me deter, afinal, eles detêm grande poder de
influência no país, na Globo em especial.
Lula assumiu o governo com a mídia de joelhos: altos custos, atoladas em
dívidas: a imprensa nacional pedia ajuda. Antes mesmo do início do seu
governo o PT se sensibilizou com a situação: ajudou na aprovação da lei que
permitia a entrada de capital estrangeiro na imprensa nacional. Coisa pra
se ficar indignado, mas que os otimistas de plantão (e éramos a maioria)
preferiram deixar passar, achando que se tratava de algo inevitável para
manter a governabilidade.
Veio então a tardia data em que Roberto Marinho morreu. Tudo bem, a família
Marinho é poderosa, não precisava fazer festa ou passar o documentário da
BBC Além do Cidadão Kane(Beyond Citizen Kane) em horário nobre na tevê,
ficar em silêncio estaria de bom tamanho. Mas não, o governo tinha que
abrir a boca e elogiar o imortal Roberto Marinho pela contribuição para com
a democracia do Brasil. Proconsult, Diretas já e Collor, só pra citar três
belos atos democráticos da rede Globo, não existiram.
Deu na Folha de domingo, na coluna do Josias de Souza a outra forma (além
do capital estrangeiro) pela qual o governo ajudou a imprensa nacional: a
propaganda dos 50 anos da Petrobrás. Foram gastos R$ 54 milhões em um ano
de publicidade! Mais do que foi liberado para muito ministério! Mais do que
a Petrobrás gastou nas suas iniciativas sociais (R$ 50 milhões, gastos em
iniciativas realmente úteis)! Acima da Petrobrás apenas a Schincariol, com
R$ 60 milhões e uma campanha publicitária com um objetivo específico e
alcançado: vender a Nova Schin. E a Petrobrás, no que resultou toda essa
dinheirama gasta? Resultou na divulgação do governo do PT (aliás,
publicidade é uma das únicas áreas em que o PT sabe fazer alguma coisa), e
num alívio para as empresas de mídia.
Somente a Rede Globo de televisão abocanhou R$ 28,2 milhões, dos R$ 30,8
milhões que os Marinhos receberam. Não é a redenção, mas é um grande alívio.
Lula, na questão da mídia, se mostrou mais uma vez um covarde, pusilânime.
Mostrou também que não sabe aprender com o dia-a-dia. Com a imprensa
passando o pires, nada melhor do que oferecer ajuda... sob certas
condições. Algo como o FMI faz conosco. Os Marinho precisam de dinheiro?
Vão ter o dinheiro, desde que se desfaçam das suas rádios, revistas e
jornais, desde que fatiem sua audiência.
Ao invés de se aproveitar da imprensa em crise para impor a democratização
da mídia, Lula preferiu se subordinar mais uma vez aos poderosos. Em troca
do que? De elogios no Jornal Nacional, que ajudarão na popularidade do
presidente. Elogios, diga-se de passagem, que podem cessar a qualquer
momento, se o governo não fizer o que a mídia quiser. O resultado já é
sabido: no futuro próximo, nenhuma mudança significativa à vista.

Pato Branco, 07 de janeiro de 2004