sábado, 8 de outubro de 2005

Sacrifícios pela arte!

Vida de crítico não é fácil (e olha que eu ainda nem me tornei incompreendido nas críticas profundas e muito bem embasadas que sempre faço). Mesmo gripado fui assistir à mostra noturna de bandas do feia 6, o sexto festival do Instituto de Artes. "Mostra noturna de bandas" é o eufemismo usado para festa desde que estas foram proibidas dentro da Unicamp. Mas já deixo avisado que fui por causa das bandas e não por causa da festa, atividade a qual não me apetece.
Seis bandas se apresentariam, assisti a metade delas. Sobre a primeira comentou um amigo: "esses caras não desistem nunca!". Como não desistem nunca, creio que terei outras oportunidades para falar (mal) dessa banda, que hoje não merece sequer ter seu nome mencionado aqui neste espaço.
A segunda foi Brás Cubas, um trio que toca surf-music, e faz cover de Los Hermanos e Radiohead. Segundo minha amiga entendida em surf-music, as músicas por eles tocadas devem ser composições próprias. E são boas. Mais calminhas que as do The Violentures, por exemplo, mas muito boas. Sobre as músicas cantadas o que sempre digo: o japonês baixista-vocalista tem vergonha de cantar, apesar de não cantar (muito) mal. Logo, imagina-se que a voz fique um pouco apagada, o que é recomendado em certas passagens. Ao fim do Brás Cubas o japonês baixista foi para a bateria e subiu ao palco um maluco à Wally, da série "onde está Wally?", que assumiu o baixo e os vocais. Dizem que essa banda é uma de nome estranho que eu lera o cartaz no estúdio da Rádio Muda. Tocaram duas músicas e mandaram bem: uma versão de Peito Vazio, de Cartola, e House of Jealous Lovers, do The Rapture, com direito a voz estridente e tudo. O único porém é que o Wally deveria cantar Rapture longe do microfone. Depois dessa banda pós-Brás Cubas subiu ao palco a banda que eu queria ver: Del-O-Max. Sim, a mesma que eu fui assistir há menos de uma semana. Banda com pegada, sonoridade já bastante característica e estilosa sem ser mala ou "poser". Bateria, guitarra e dois baixos. Desta vez começaram já tocando e cantando, o que foi uma pena: no Bar do Zé a banda começou meio que sem querer, pareciam estar afinando os instrumentos, começava uma batidinha mais ritmada na bateria, o baixo e a guitarra iam fazendo uma base, e estavam já tocando, à espera do outro baixista e vocalista. Terem começado como começaram agora não é ponto negativo, apenas não é ponto positivo extra. A apresentação correu bem, composições próprias e o único cover ficou por conta de Paint in Black, dos Rolling Stones (no Bar do Zé haviam tocado também uma do Velvet Underground).
Mas nem tudo são flores, há sempre algumas rãs para se engolir (mesmo sem a participação da tal da Isa K.). Vamos a elas. A festa só aconteceu no gramado do IA porque o Centro Acadêmico do IA (CAIA) consegue ser mais incompetente do que pelego. Dependesse do CAIA e ali haveria uma agência do banco Itaú. Ops, esqueci que se trata de uma crítica de arte, e que neste campo é coisa totalmente "out" falar de política (eu preferiria dizer "demodé", mas "out" é mais "in"). Prosseguindo, não falarei da festa, porque não gosto de festas. Mas a discotecagem estava uma bosta! Apresentações de bandas alternativas, legal! Custava por rock alternativo enquanto se passava o som? Ficava tocando reggae e um pouco de forró, o que desagradava a praticamente todos os que estavam ali por causa da música. Mas isso não é tudo. A primeira banda (aquela que não desiste nunca), escalada para tocar às 23h, começou a tocar à 0h15. O que é um avanço, claro: o IA já está começando a ser mais pontual. A quarta banda, por exemplo, começou a tocar lá pelas 3h30, horário previsto para a sexta! Mas isso não é o pior. As caixas não tinham potência, mas ainda assim se insistia para ver se o pessoal do fundo conseguia escutar algo. Não conseguia, mas para o pessoal da frente o som ficava muito ruim. Mas o pior de tudo foi a passagem de som. Guitarras e baixos que sumiam conforme o guitarrista e o baixista se viravam, bateria que só tinha o som de uma caixa captado, e ainda assim captado muito mal; microfones baixos: o "backing vocal" da Del-O-Max, por exemplo, quase não se escutava; e o trompete, que foi uma grande sacada da banda, ficou fingindo que tocava, porque não se escutava absolutamente nada! O microfone do vocalista, então, além de que caía sempre, ficando baixo (no outro sentido), fazendo com que o vocalista ficasse em posições um pouco desconfortáveis, já deixava a voz rouca e ruim de antemão. Em todos esses problemas, nada de novo. Mas custava fazer algo que prestasse? Onde estão os músicos do instituto? Se fosse para fazer algo porco, melhor não fazer nada. Fim.

Campinas, 08 de outubro de 2005

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

Sorte de principiante?

Comecei com sorte minha carreira de crítico de arte. Não me lembrava que justo esta semana acontece o FEIA 6 - Festival do Instituto de Artes -, com mostras de música, dança, teatro e vídeos produzidos pelos alunos. Por uma feliz coincidência, próximo ao meio-dia eu passava próximo ao local em que se apresentava o Buarque'n'Roll, banda que toca Chico Buarque em ritmo rock. Minha intenção, inclusive, era escrever sobre eles - até para eu não parecer mal-amado (afinal, como disse no texto anterior, me dispenso de certos apretrechos considerados imprescindíveis para um bom crítico de arte). Mas eis que, já à noite, ia eu pegar o ônibus para voltar pra casa, não digo lépido e faceiro, mas quebrado e febril (no sentido literal), quando encontro o Flávio, meu simpático professor de grego, esperando para entrar no auditório do IA. O Flávio é uma figura fantástica, uma pessoa simpaticíssima, carismática, divertida. Eu poderia aqui escrever uma crônica só falando bem dele, o que seria bem mais interessante do que escreverei, ainda mais que ele deverá ser meu professor ano que vem, mas não foi com este propósito que liguei meu Pentium 200, às 22h, ainda febril (no sentido literal). Pois bem, cumprimentei-o e depois, tomado de grande curiosidade, abri o caderno de programação para ver o que o Flávio iria assistir.
Se o primeiro texto eu critiquei um festival que não fui, neste eu falarei de uma peça que não assisti. Não assisti agora, mas assisti semestre passado. Trata-se de uma montagem feita por uma tal de Isa K. (parece personagem de conto do Kafka!) para uma matéria do terceiro ano de artes cênicas da Unicamp da peça As Rãs, do autor grego Aristófanes. Aristófanes foi contemporâneo de Sócrates e seu teatro é divertidíssimo (mais até do que o Flávio), uma espécie de Monty Pithon (sei lá como se escreve) da Grécia clássica.
Não assisti à peça desta feita, que provavelmente sofreu algumas modificações frente àquela que assisti em julho. Mas como sei que eles não jogaram tudo o que foi feito no lixo, posso afirmar categoricamente que a peça continua sendo um lixo execrável. Logo que assisti à peça pensei: não é possível, essa tal de Isa K. deve ser uma aluna, por isso que não entendeu bulhufas de Aristófanes, por isso fez uma montagem desse nível (nem rés-do-chão, o negócio é subsolo 5). Os alunos também, estão em uma universidade, de primeira linha, inclusive, e têm ciência de que esta peça não deve figurar no currículo deles, sob o risco de não conseguirem vaga sequer como ator (ou atriz) de filme pornochanchada. Pois bem, não só descobri que a tal Isa K. não é aluna, mas professora do IA, como a descobri que os alunos iriam reapresentar a peça em cidades da região (e vejo agora que reapresentaram-na na Unicamp).
Em grossíssimo modo, engrossando o relato grosso modo que uma amiga minha me fez da peça, ela é uma sátira pesada ao ideal de pólis grego, tanto é que o herói, Dionísio, vai até o Hades, em busca de autores de tragédia - Ésquilo e Eurípides - para salvar a pólis, e a disputa entre os dois para definir qual o mais apto para salvá-la se dá em discussões inúteis, retóricas e supérfluas, como métrica. Acompanhe meu raciocínio, por favor, pra ver se ele é complicado. Se é sátira é humor, se é humor não é tragédia. Se fosse uma tragédia seria uma tragédia e não uma sátira ou uma peça humorística. Pois bem, aqui está o primeiro pequeno lapso da tal Isa K.. Como bem alertou o professor Flávio (aquele simpaticíssimo, do grego): tem muita gente que, ao ler uma peça de teatro grega, por ver que é da Grécia clássica, acha logo que é tragédia. Até parece que ele havia assistido à montagem da tal Isa K.. Leu a peça, viu que era de Aristófanes, um autor contemporâneo de Sócrates, e já concluiu: é uma tragédia. Com isso já se pode desconfiar que a peça perde muito, mas muito - e bota muito - da sua graça original. Soma-se a isso uma representação um pouco aquém do ator que representou o personagem principal, Dionísio, coisa que eu não havia reparado, mas foi-me dito em uníssono por colegas e calouros do ator, assim como por atores amadores que são meus alunos no cursinho, e por uma amiga minha que nunca fez teatro. Não consegui reparar o Dionísio fraco porque achei que ele não destoou do resto da montagem, que começou, digamos, pífia. Se pífia tivesse continuado, quem sabe eu não estaria agora escrevendo. Mas a tal da Isa K. é uma mulher ousada. Gosta de romper paradigmas, gosta de inovar, gosta de chocar! Pena que ela vive no século XXI e não no século XV. Quem sabe a montagem dela tivesse chocado Gil Vicente. A mim, o maior choque foi pensar que o Gugu, o João Kléber talvez ficassem constrangidos com uma montagem dessa. Complementando a montagem em clima de tragédia de uma comédia, a tal da Isa K. carregou as falas de piadas de duplo sentido, preconceituosas e batidas e enfiou um monte de bunda, perna e peito, mas esqueceu dos órgãos genitais. Quem sabe mostrando-os - ou uma cópula, quem sabe - ela não conseguisse atingir seu objetivo de chocar, de ser vanguarda? Além de constrangido pelos atores (que eu imaginava estarem ali representando porque eram obrigados para ganhar nota), eu já achava que não dava para piorar. Mas não satisfeita com peitos, pernas e bundas, piadas batidas, preconceituosas, de duplo sentido e a montagem de uma comédia em clima de tragédia, a tal da Isa K., já lá pelos fins dos Hades, resolveu enfiar um monte de palavrão. Não satisfeita, botou em cena um pinto de madeira de meio metro de altura que as atrizes passavam de cabeça em cabeça, como chapéu de baiana. Quando eu vi aquilo eu não falei "não dá pra piorar". Ora, se a tal da Isa K. conseguiu chegar tão baixo, ela consegue descer mais. E conseguiu, é óbvio, afinal, trata-se de uma mulher ousada! Conseguiu reduzir a disputa entre Ésquilo e Eurípides a uma briga de gênero: homem contra mulher, mulher contra homem. Na Grécia antiga!!!
Mas não pense, ó leitor e leitora apressada, que só porque a montagem era lamentável, execrável, deprimente, que não seja possível tirar algo de proveitoso. Veja só, vamos ao nosso momento "moral da história". Afinal, história sem moral (moral boa, não ache que é qualquer moral) não é uma boa história, como deixou subentendido a tal da Isa K., ao não aceitar que a comédia do Aristófanes não tinha moral.
Pois bem, a peça As Rãs me trouxe algumas reflexões. Desde que entrei na Unicamp me indigno com a situação precária dos prédios do terceiro mundo da Unicamp - IA, IEL, IFCH. O barracão do IA, o local em que são ministrados os cursos de artes cênicas e dança, então... Como o próprio nome diz, é um barracão, coberto com telhas de zinco, sem isolamento acústico, sem qualquer estrutura para um curso do que quer que seja. Um negócio muito mais precário do que o muito precário prédio da música e das artes plásticas, prédio sem isolamento acústico, sem salas de aula adequadas, sem a estrutura mínima necessária para os cursos ali ministrados. E eu sempre me indignava com tal situação, principalmente da do barracão do IA. Mas depois de ver As Rãs devo confessar: aquele barracão me pareceu um luxo desnecessário, muito além do trabalho que algumas vezes é realizado ali (e olha que, avisado de antemão, eu não fui assistir a Catléia, representada no ano anterior, que tinha como tema algo como 'órgãos genitais', assim digamos, para mantermos um certo nível). Depois daquela peça passei a me perguntar: por que um barracão? eles poderiam ensaiar, ter suas aulas, no estacionamento da Biblioteca Central, desde que não atrapalhasse os carros, é claro. É um espaço à altura da peça As Rãs.
Mas claro, nem tudo são rãs, digo, nem tudo é lixo no departamento de artes cênicas do IA. Já vi muitas peças de bom nível, bom gosto - algumas muito boas, como O Doente Imaginário -, alguns grupos teatrais de alunos ali formados são muito bons e respeitados, como é o caso da Boa Companhia, que por sinal, apresentará este fim de semana a peça Esperando Godot, de Samuel Beckett. Será uma ótima oportunidade para eu falar bem de alguém!
Mas resumindo minha crítica a As Rãs: se algum dia você tiver oportunidade de assisti-la, nessa montagem da tal da Isa K., com a Caos Cia. de Teatro, fique em casa, assistindo Zorra Total, ou alugue o filme do Alexandre Frota. Sem dúvida não serão de mais baixo calão que a peça. Aristófanes não merecia (nem eu, nem o Flávio, aquele simpaticíssimo, do grego)! Fim.

Campinas, 5 de outubro de 2005