quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 5

Trelew, mais uma cidade que chegamos e nos perguntamos "o que estamos fazendo aqui?". Porém, desta vez não era hora da siesta nem havia uma praia logo ali. Estávamos cansados - como disse o Phah, caminhamos muito, dormimos pouco, e comemos menos - e, para completar, na ausência de albergues, nos hospedamos em um hotel detonado, o que ajudou a nos abalar.
Mas depois de uma siesta, os animos apaziguados, conseguimos ver Trelew mais positivamente - o que não significa que não continuamos nos arrependendo de ter saído do simpático albergue de Madryn.
Trelew tem seus 90 mil habitantes, mais ou menos, e é uma cidadezinha do interior - apesar de uma das maiores e mais importantes da província de Chubut. Seu interesse para os turistas é o mesmo que teria Pato Branco, ou seja, nenhum. Serve apenas como base para visitar Punta Tombo. Mas foi curioso ver como a cidade se comporta: a cidade deserta por causa da siesta, a praça fervilhando de gente a partir das 18h, em plena quarta-feira, com velhos, criancas e jovens; em outra praça, sessão de cinema ao ar livre, crianças brincando na rua até perto da meia-noite...
Mas vamos ao que interessa. Punta Tombo é uma grande pinguinera que fica a uns 120km de Trelew. Segundo a guia, há lá 800 mil pinguins de magalhães. Não sei se tem tudo isso, mas que tem ave para mais de metro, isso tem. A área que nos é permitido circular possui muitos filhotes, que não estao mais pequenos ao ponto de dizermos "olha que gracinha", mas fazem você se sentir em uma granja quando recém chegaram os pintinhos. Muitos estão no meio da troca de penas - que escurece com cada troca, até chegar ao preto característico -, o que os torna relativamente feinhos pra caralho (desculpem o termo chulo). São bichos desengonçados - talvez por isso eu simpatize tanto com eles - mas que não tomam marola (está certo "tomar"?), não importa o tamanho da onda.
A poluição tem causado mudancas genéticas nos pinguis: não é raro avistar aves de peito verde. Pessoas que não aceitam críticas ao progresso dizem que o peito verde é devido a eles dormirem deitado na merda. Falando sério, o folhetim do parque diz que cresceu muito a mortandade de pinguins, por nadarem entre petróleo e derivados lançados ao mar pelos barcos.
A paisagem de Tombo não é espetacular como a de Valdés - o negócio é mesmo ver pingüim -, mas o vento castigava como lá, com a vantagem de não precisamos comermos areia, por a praia ser de pedra.
Na volta passamos por Gaiman, outra cidade - tal qual Trelew e Rawson - de colonizacao galesa, que se desenvolveu ao longo do rio Chubut, um dos únicos rios em uma área de 200 mil quilometros quadrados. Não tomamos o famoso chá gales, mas vimos outro carro igual ao do pai da Mafalda!
Amanhã é dia de seguir para Puerto Deseado, ver outra pinguinera e o Parque Nacional dos Bosques Petrificados. Odeio chegar aos lugares sem ter um lugar garantido para ficar, mas desta vez, além de nao termos lugar, também nao temos mapa, e chegaremos já no fim da tarde.
Até mais.
2.
Trelew, 02 de fevereiro de 2006

terça-feira, 31 de janeiro de 2006

Relato de viagem 4

Eu vi pingüins! De verdade! Eles espirram (espero que não seja a gripe aviária...)
Pois bem, chegamos a Patagônia. À primeira vista a paisagem surpreende: uma estrada pista simples, reta a perder de vista, divide a planície de vegetação quase desértica. À segunda vista uma nova surpresa: a paisagem não muda, assim como a estrada, reta quase todo o tempo (tivemos a capacidade de tirar foto de uma curva!).
Nossa primeira parada patagônica foi Puerto Madryn - lê-se Mádryn, assim como se pede talharini al gráten, e não al gratén, a nao ser que queira ver o garcom de cabeleira bizarra fazer careta. Chegamos pouco antes das 15h, depois de 17h de viagem, com janta e almoço melhores do que nos últimos dois dias, e três filmes incrivelmente péssimos, entre eles, "A fantástica fábrica de chocolates", em versão (muito) maniqueísta do Tim Burton. Nossa pergunta ao chegar a Madryn foi: "em que fim de mundo nos enfiamos?", já que a cidade estava deserta. Mas às 18h as pessoas saíram da praia e/ou siesta, e a cidade desdesertificou.
O albergue da juventude estava lotado, mas logo ao lado estava "El refugio", que bem poderia se chamar "O albergue ao lado estava lotado", dada sua localização estratégica. Apesar de segunda opção, o albergue é bom e aconchegante, sem comparações com o de Buenos Aires.
No dia seguinte à nossa chegada acordamos cedo para visitar a Península Valdés, em uma excursão de cinco pessoas: o motorista Hugo, o"guia" de primeira viagem (literalmente) Alejandro, o alemão companheiro de quarto Johann, o Phah e eu. O guia era um figurinha chatinho, que assobiava para qualquer par de pernas e uivava ao vislumbrar qualquer buraco, sem se importar muito se as pernas eram de cadeira e os buracos de tijolo de furo. Embromava feroz um inglês e não conseguia ficar quieto - nem que fosse para dizer de como é bom ficar em silêncio, só escutando as ondas, blábláblá. Mas o que mais me irritava é que ele falava qualquer pavada, mas não dizia "yo no sé" ou "Ai don nou". Mas deixemos o pobre Alejandro em paz.
As paisagens em Península Valdés são fantásticas: flores de deserto com um "rio" de água salgada ao fundo, conchas fossilizadas e bichos até então só conhecidos por nós através do Discovery Channel: leões-marinhos (eram 1722, uns 180 machos, 706 femeas, e uma cambada de filhotes), elefantes-marinhos (lentos... davam cinco barrigadas para frente e paravam uma hora para caminhar outras cinco barrigadas), e, claro, os já supracitados pingüins de magalhães - todos os bichos mui simpáticos. Enfim, nao me alongarei fazendo descrições que de nada valerão - quem sabe as fotos deixem perceber algo do lugar. O triste é que os turistas jogam lixo no chão, assim como tentam alimentar os pingüins (os tatus eles conseguem) com pão e, apesar dos pedidos de silêncio, assobiam para ver se os elevantes marinhos levantam a cara e deixam ver a "tromba".
Isso me fez pensar que espécie de turismo é esse que estamos fazendo. Queremos conhecer lugares, mas no tanto que nos é permitido: não vamos além da cerca, não jogamos lixo no chão, não assobiamos para elefantes marinhos, não alimentamos os animais, não mijamos no mato. Creio que é o mínimo que qualquer pessoa deve fazer. Mas minha pergunta é: estamos realmente "conhecendo" algo, ou estamos simplesmente "vendo"?
Queria ter conversado com uma mocinha que estava em nosso quarto e viajava há sete meses, mas ela já havia partido quando voltamos de Valdés: é possível conhecer um lugar ficando somente uma semana nele? Será que conseguimos nesse turismo ficar um pouco mais de tempo em um lugar sem nos entediarmos? Essas viagens parecem ser feitas somente de primeiras impressões e supresas.
Elas são legais porque parece que perdemos a capacidade de descobrir o novo, o impressionante (que sempre ocorre) no quotidiano. Imagino que depois de sete meses viajando assim se aprenda (ou reaprenda) a ver todas as cores que podem haver na "mesmisse" (além de outras coisas que são sabidas mas não lembradas, mas que o Mattia Pascal já falou muito bem e não convém repetir). Também me pergunto que relação, que elo, pode haver entre alguém e um lugar em quatro dias. E como passamos essa situação sem nos incomodar - estaremos acostumados a não possuir tal elo? Estaremos, no fundo, buscando algo além de paisagens e animais exóticos?
Falo, falo, falo, mas chegamos ontem e amanhã partimos para Trelew.
A ver.

Puerto Madryn, 31 de janeiro de 2006