segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Carta para Folha: Folhateen

"Que a Folha tem uma imagem bastante rasteira do que seria um adolescente médio, isso fica bastante evidente pelo seu caderno Folhateen. Conforme o caderno (e, conseqüentemente, o jornal), o "teenager" - que vai dos dez até próximo dos 30 anos (?!) - é uma pessoa idiota ávida por consumir e estar sempre na última moda, de preferência na última tribo. Até aí, o reforço dessa imagem por parte do caderno já não me surpreende mais. Agora, dizer que doar tênis para vítimas de enchentes é "engajamento", como na edição passada, é exagerar demais a dose. O repórter poderia alegar que se trata de uma ironia, mas nada na reportagem (ou mesmo no caderno) dá deixas para usos "tão" sofisticados da linguagem.

Não sei qual era o objetivo do jornal em ter um caderno destinado ao público jovem. Se era entretê-lo com mais do mesmo, sem nada a acrescentar, penso que o caderno cumpre com louvor seu papel. Se, pelo contrário, o Folhateen visava habituar os jovens à linguagem do jornal, formando os futuros leitores das suas páginas sérias, tenho sérias dúvidas de que o objetivo seja alcançado."

Campinas, 09 de fevereiro de 2009

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O Lino

O Lino. Conversava eu com um amigo dia desses e de repente lá estava eu prestes a falar do Lino novamente. Estávamos quase nos despedindo, ele tinha compromisso em breve, consegui me segurar e não falar dele. Tenho a impressão que depois do Paulo o Lino é a pessoa que mais tenho citado nos últimos tempos (não entram nesta estatística, por motivos assaz razoáveis, citações feitas em terapia). O Paulo é um amigo meu que tem o dom de saber contar histórias, de transformar tragédia em causo divertido, e ainda tem como herança de família um repertório de anedotas e casos incríveis, bizarros, engraçados (piada para o Paulo entender daqui dois volumes. Se mais alguém entendeu, fico feliz). O Lino é parte dessa herança. Trata-se do “filho do primo do Paulo”, como eu sempre o apresento. É um garoto que hoje deve ter seus nove anos, mas que sempre se fala em subversão, criatividade, quebra dos parâmetros, ele me vem à mente. Culpa dos pais, também, é claro.

Conheci o Lino no final de 2004, ele tinha seus cinco anos, se tanto. Foi quando me tornei fã dele. Infelizmente, foi a única vez que tive contato com o figura. Depois disso, tudo o que soube foi por intermédio do Paulo. Por sinal, era casamento deste nesse dia do final de 2004. Na ida do cartório para o local onde seria a festa fui de carona com os pais do Lino, acompanhado do próprio. Antes de entrar no carro a mãe do garoto tirou um papel de propaganda que estava no pára-brisas. Com a curiosidade típica da idade, perguntou o que era o papel que ela tinha pego, quem tinha deixado ali. “Você quer a verdade ou uma história”, perguntou a mãe. Ele parou, olhou para mim, para o outro Daniel que estava no carro, pensou um pouco e escolheu, contente: “uma história”. “Foi um coelho quem pôs ali”. Pronto, foi a deixa para ele se divertir o casamento todo, tentando encontrar o dito coelho. Eu mesmo aproveitei pra me divertir um pouco com ele – não que o casamento estivesse chato, mas não tinha procura ao coelho.

Por um problema no olho que eu não sei dizer qual era, o Lino precisava usar tampão (parece que não precisa mais). Era de se esperar que uma criança entrando na escola com um tampão fosse motivo de chacota por partes dos colegas, e que acabaria complexada, algo do gênero. Tenho a forte impressão que com ele foi ao contrário, e imagino que os pais de muitos dos seus colegas devem ter olhado um tanto perplexos para seus pimpolhos pedindo para usar um tampão. Isso porque o Lino não se limitava a usar um simples tampão, mas um tampão animado, feito pelo pai, ilustrador profissional. Durante a festa o pai me contou da alegria do filho em escolher o personagem que iria usar no dia seguinte, e dos apertos de quando esquecia qual era o personagem pedido. Contou também que quando a professora do moleque o devolvia com uns papos religiosos que os pais não simpatizavam muito, nos dias seguintes podia ter certeza que o Lino iria com o próprio Demo, em diversas versões, estampado no rosto. Isso para não falar das fantasias com que seguidamente ia à escola.

Lá pelas tantas os pais resolveram se mudar. Foram para Londres, tentar ganhar a vida no que gostavam e para o que haviam estudado. Lá o Lino bem que tentou manter a rotina que tinha no Brasil e ir fantasiado para a escola, por exemplo. Porém chamaram os pais e avisaram que na Inglaterra a escola é coisa séria e nada de ir fantasiado para a aula. Repassaram o recado ao filho, explicaram a situação. Não havia nada a fazer a não ser aceitar: e o Lino aceitou. Mas ele queria escolher a roupa que usaria. Os pais aceitaram, nada mais justo. Depois de passar por algumas modas ele finalmente encontrou seu modelito: sapato, calça (ou bermuda) de linho, camisa, colete, gravata borboleta e boina. E lá foi o Lino para a escola... fantasiado de criança do início do século XX! E desta vez não tinham como barrá-lo, afinal, muito provavelmente se tratava de um dos alunos mais bem arrumados da turma.

Outra das história do Lino foi quando ele pediu para o pai comprar um terno/casaco novo. O pai disse que não dava, pois a grana estava apertada. O Lino insistiu, garantiu que pagava o casaco. O pai, vendo que o filho falava sério, apesar da pouca idade, comprou o tal casaco. No final de semana ele chamou os pais para irem até um parque de Londres. Lá, subiu em uma espécie de pilar e passou a tarde brincando de estátua viva. Resultado da brincadeira: não só pagou o casaco como conseguiu dinheiro para comprar mais um.

Uma vez, contando as histórias do Lino para uma amiga, ela teimou que ele, assim como a família (os Kicakolino), eram invenção minha, personagens de alguma história que eu estava escrevendo. Felizmente há registros da existência deles, o que fez com que até essa amiga acreditasse – não sem certa resistência – que não eram frutos da minha mente um tanto desocupada (bem que eu gostaria de ter criatividade para tanto). Digo isso porque um desses registros é justo um vídeo do Lino brincando de estátua viva no parque. Está em: www.youtube.com/watch?v=k6zca0X8lXY

As últimas notícias que tive do Lino é que ele está trabalhando na indústria e que com esse trabalho está salvando o orçamento da família. Descoberto por um caça talentos, ia gravar um filme pipoca com a Una Thurman (é indústria cultural mas é indústria). Diz que não ficou muito contente com o papel que deram para ele: o de Lino. Segundo o Paulo, reclamou que era muito chato, que ele queria interpretar outra pessoa. Não adiantou, segundo vi na internet, ele interpretará ele próprio. É curioso que sempre que chego neste ponto dos causos do Lino lembram do Macaulay Culkin (por sinal, procurei pelo dito na wikipedia, até para saber como escreve o nome do infeliz, e não vi nada muito escabroso na vida dele. Parece que é mais fama). Da minha parte, admito que também fico preocupado com o futuro do garoto: por melhor que seja a educação que os pais tem dado, como será que ele vai encarar o fato de interpretar a si próprio em um roteiro que é dado de fora, ou seja, é ele, mas não é ele, já que o Lino, inspirado nele é o que dizem que ele é, ou deveria ser? Será que conseguirá manter sua subversão tendo sido absorvido de maneira tão voraz pelo sistema? Como será que lidará com o estrelato? Espero que consiga lidar bem com isso e mantenha sua subversão de quando era um garoto “normal”. E torço muito para não ter o desgosto de vê-lo dando entrevista no Fantástico no Natal do ano que vem.


Campinas, 27 de janeiro de 2009