sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Falta de educação

Lembro da primeira vez que assisti a uma orquestra sinfônica ao vivo. Cidade do interior, há dez anos uma sinfônica não pisava por lá, o maestro achou por bem pedir que não aplaudissem entre os movimentos. Começou com Mozart, não lembro o que. Ao final do primeiro movimento, aplausos esfuziantes de boa parte da platéia – deste escriba, inclusive. Espertinho, imaginei que o maestro não ter agradecido devia ser sinal de que aplaudíamos na hora errada. Esse tipo de educação, de etiqueta, se aprende mesmo com o uso.

Com o advento do correio eletrônico, aquele cabeçalho de carta caiu. Salvo um professor aposentado da Unicamp que ainda punha “Paris, data tal do ano tal” (será que era só para ele dizer que estava passando uma temporada em Paris?), começa-se logo com um “eae’smaluco”, ou um “olá, tudo bem”. A carta tradicional, em compensação, até ano passado, ao menos – que até 2009 eu ainda trocava cartas com alguns amigos –, seguia com o tradicional cabeçalho.

O Orkut dispensou até o olá e o sds do final dos e-mails, que atualmente já vão dispensando tais “formalidades”. Porém não se pode fazer o mesmo nos mensageiros instantâneos – falta de educação que eu reiteradamente acabo por cometer.

Etiqueta que eu ainda não consegui descobrir é o que fazer quando comentam texto meu por aí, em fórum aberto. Se o fazem privadamente, fácil: é um correio eletrônico, respondo – ainda que por vezes leve dois meses para enviar a resposta, o que acaba por ser quase tão mal-educado quanto a não-resposta. Agora, e comentário em blogue? Se é um mal entendido, um convite à peleja, há, sim, o que responder. Porém, quando se trata de um comentário mais tranqüilo, um gostei, um interessante complemento – como o do Anderson em meu último texto –, o que responder? É um pouco da minha dificuldade em lidar com elogios, e dizer simplesmente obrigado; um certo senso de utilitarismo estrito (nem sempre seguido) nos comentário, em que um valeu só para dizer que li o comentário me parece dispensável – porque é óbvio que li e que gostei do elogio. Isso pouco importa: se é essa a etiqueta, já há um bom tempo sou um baita de um mal educado virtual.

Num eventual próximo comentário, a me surgir novamente tal dilema, não me tendo ainda decidido o que fazer, remeterei a este texto: lê lá, eu me enrolo, me enrolo, me enrolo, mas no fim digo obrigado.

Campinas, 29 de outubro de 2010.

domingo, 24 de outubro de 2010

Saudades do Tiririca

Fui um dos que criticaram o Tiririca. Hoje me retrato. Não que ele tenha feito uma campanha de alto nível, mas foi exagero dizer que ele escarneceu da política e dos eleitores, salvo quando disse que “pior do que está não fica.” Não é por obra de nenhum semi-analfabeto que nossa política está e estará pior.

O escárnio parte de uma facção da elite, de um grupo da elite intelectual e acadêmica – ainda inconformada por ter sido alijada do poder federal há oito anos pela rafuagem –, que conseguiu baixar o debate eleitoral e a discussão política a um nível tão baixo, mas tão baixo, que tarefa para os próximos quatro anos será tentar desfazer a ligação automática entre política e falta de escrúpulos que PSDB, Folha, Globo e Veja, principalmente, construíram.

A campanha de Serra nos contemplou com algumas lembranças dos piores momentos da direita nacional. Começou com um tosco lacerdismo udenista pré golpe de 64. Para chegar ao segundo turno apelou descaradamente ao populismo mais rasteiro – Adhemar de Barros e Maluf – com suas propostas anti-tucanas nunca questionadas pela imprensa sempre vigilante dos gastos petistas do dinheiro público com os pobres. Já no segundo turno, faltou apenas jogar caspa no paletó e dizer que Dilma incluiria maconha na merenda escolar para ser confundido com Jânio Quadros – porque a pergunta sobre a crença em Deus houve. E, claro, desde o início sua campanha tem um collorido indisfarçável, que vai se tornando a cada dia mais evidente. Não imagino o estouro de uma refinaria de crack com a bandeira do PT, ou uma edição tão tosca do debate no JN como em 1989, nem há clima para um novo Proconsult, mas atento apreensivo para um golpe branco orquestrado pelo candidato junto com a Grande Imprensa.

Nestas eleições uma eventual vitória da Dilma já foi anunciada como o fim da democracia de fato no país; já se levantou o desmonte do Estado Democrático de Direito e a ascensão de um Estado fascista sob o PT. Nunca a lembrança de 64. Não creio que seja por conta da história do PT, antes por qualquer projeto do PSDB – esboçado no início da campanha, sem eco nos quartéis.

Alberto Goldman, do PSDB, em discurso não transmitido na Grande Imprensa, sugeriu semana passada comparação entre Lula e Hitler. Tiririca perguntava se o eleitor sabia o que fazia um deputado federal. O eleitor poderia perguntar agora se Goldman sabe o que é capaz de fazer um político. A lembrança a Hitler, o apoio da Grande Imprensa e o Serra ao seu lado mostram que, ao contrário do Tiririca, ele e o PSDB sabem, sim, mas não terão coragem de dar a resposta antes das eleições. Nem depois.

O eleitor pode escolher descobrir por conta. Não sugiro.

Campinas 24 de outubro de 2010.