quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Quem tem medo das ruas ocupadas?

A internet tornou-se parte importante da arena política, isso é inegável. Uma mostra foi a eleição para presidência dos EstadosUnidos de Barack Obama, que soube fazer bom uso da rede, principalmente para arrecadação de fundos pra campanha. No Brasil, temos presenciado este ano reiteradas discussões – classificá-lasde “quente” seria eufemismo –, cuja repercussão tem reverberado muito além da internet: nos meios de comunicação tradicionais, como também foi responsável pela articulação do protesto “churrascão da gente diferenciada”, por exemplo.

De modo que a internet pode ser encarada como um paliativo – apresentado pelo status quo como suficiente – para a falta de legitimidade das instâncias representativas das atuais democracias – legitimidade aqui não no sentido legal, antes nosentido “moral” –, como dão mostras não apenas os índices de abstenções, votos brancos e nulos de eleições pelo mundo, como o efervescente ano de 2011, seus ni-ni espanhóis, estudantes chilenos, turba londrina, e por último o Occupy Wall Street – para não falar dos mimados-vagabundos-mascarados da USP e de Harvard, que invadem reitorias.

Os exemplos acima não foram ao acaso. O Brasil, até os recentes eventos da USP, curiosamente vinha num contínuo contra-fluxo, comper da de visibilidade dos seu principais movimentos sociais “de rua” – como MST e MTST. Na sociedade do espetáculo, um movimentode massa perder visibilidade implica quase necessariamente na perda de poder – serve de ilustração a grande disputa pelo edifício São Vito, em São Paulo, sinônimo de discussão sobre moradia popular e direito à cidade, que foi ignorado pela imprensa, e passou despercebido pelo respeitável público.

Me volto à mais aclamada das manifestações do ano, depois da primavera árabe, o Occupy Wall Street,que se disseminou por diversas cidades dos Estados Unidos e do mundo. O “Empty Wall Street” promovido pelo governo, com apoio da corte suprema do país, que declarou legal a proibição de acampar em locais públicos, deixou claro que a internet pode ser auxiliar na arena política, mas está longe de ser seu palco principal – que continua sendo a rua.

Comonos séculos passados, quem está com a rua está com o poder de fato, e as demonstrações desta semana mostram que não é preciso sequer estar armado. Buscou-se no discurso médico-científico a alegação do risco de doenças, e no discurso do medo (que já prescinde de cientistas) a necessidade de segurança, sob o pretenso aumento da violência (brigas, mortes, drogas), a legitimidade para ouso da repressão policial; sem precisar, assim, admitir que o verdadeiro motivo para o esvaziamento dos locais públicos é o fato da efetividade da representatividade democrática e desse poder descolado da população estarem sendo não apenas questionados, mas corroídos por algumas milhares de pessoas acampadas em uma ou algumas praças.

Retomo a discussão mais em evidência por estestristes trópicos, semana passada: por que a PM e não uma estação de metrô na USP?


Pato Branco, 16 de novembro de 2011.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Ordem ou conflito: democracia e a PM na USP

A parceria da reitoria da USP com a PM pode não ser, por princípio, nada benéfica para o ambiente acadêmico; contudo, a presença da PM no campus tem se mostrado, na prática, de grande interesse para sociedade, que fica conhecendo um pouco da principal universidade do país, e para a USP, que fica conhecendo um pouco destes tristes trópicos que a cercam. É evidente que o pretenso objetivo da PM no campus – coibir a criminalidade – não tem sido posto em prática – autuar estudantes com cigarro de maconha não soa inibidor de assassinos. Isso, porém, não é extraordinário: é dever do Estado zelar pela vida, como explicar a PM paulista ser responsável por 20% dos assassinatos da capital paulista, conforme dados do próprio governo [http://glo.bo/tQlaB2]? Por sinal, a morte do estudante da FEA ainda não foi bem explicada, e a explicação oficial – assalto – não foi bem digerida por boa parte dos estudantes – diante dos boatos que pairam, a não-solução do caso parece ser interessante para a reitoria.

Trato novamente das reações raivosas dos cidadãos de bem às atitudes radicais de uma minoria dos estudantes, que resolveram invadir primeiro o prédio da direção da FFLCH, o da reitoria da USP, depois.

Curiosamente, uma das grandes virtudes alardeadas do sistema democrático representativo liberal é a garantia de poder para as minorias (minorias no sentido de classes, não de grupos étnicos, opção sexual ou afins). O Brasil, com a necessidade de maioria qualificada para alterações constitucionais e parlamento bicameral, segue o melhor do receituário para a preservação da voz e dos direitos dessas minorias. Salvo as esquerdas radicais, quase ninguém questiona tais garantias, que no Brasil ganham o status de privilégio – basta ver o número de grandes proprietários de terra que o país possui e a força que eles têm no congresso.

Garantias que são ótimas no parlamento, aquele antro de corruptos, onde são todos farinha do mesmo saco, conforme os incorruptíveis e politizados homens de bem – muitos deles professores da USP.

Quando a questão desce para o mundo quotidiano, e as minorias deixam de ser as endinheiradas, a reação é diametralmente diferente. No caso motivador desta crônica, a primeira acusação – seja da comunidade acadêmica, seja dos homens de bem de fora da academia, seja dos meios de comunicação – costuma ser a de que se trata de uma minoria dos estudantes. Isso é inquestionável! Mas vem a questão: não vi o grupo que invadiu a reitoria ter dito que falava por todos os alunos, no máximo pode ter dado a entender que defendia os interesses da universidade e dos estudantes – isso, porém, a imprensa faz todo santo dia: diz defender interesses gerais, sendo que se é geral, é de todos, sem que tenha nunca consultado os todos por quem diz falar.

E por qual motivo tal minoria, a exemplo do que ocorre nas casas representativas, não deveria ter direito a voz e voto (que não simbólico) na universidade? Não tendo, deveria simplesmente se calar e aceitar o que vem de cima (bovinamente, como os cidadãos de bem)?

Ao mesmo tempo, se a minoria radical aceitar ter voto em instâncias representativas, implica que concordou a “ordem burguesa”: como vai poder defender suas bandeiras? Logo, suas bandeiras são factíveis com atos isolados, como ocupação de reitorias, ou, sem a grande noite da revolução, se trata somente de oba-oba-hormono-revolucionário?

E o Estado, sendo democrático e de direito, não teria a obrigação de entrar na justiça contra aqueles que descumpriram as leis – ou, como as manifestações são de “esquerda”, cabe o “dois pesos duas medidas”? Por outro lado, que democracia é essa que não suporta conflitos? (Notem que não estou falando nem de movimentos sociais, nem da questão de sindicâncias internas da universidade).

Sem dúvida, a discussão é bem mais complexa do que simplesmente PM ou não PM no campus, e exige reflexões mais profundas e soluções menos simplistas. A única certeza que se pode ter é que com cassetetes é que não se aprenderá a dialogar, e sem diálogo a solução fica na dependência de métodos definitivamente anti-democráticos – nada que os homens de bem e a imprensa não tenham apoiado num passado recente e não voltariam a apoiar, caso necessário.

Pato Branco, 07 de novembro de 2011.