Deve ter sido há uns vinte anos que eu fizera isso pela última vez (também
a primeira). Estava na praia, no litoral paranaense, meu pai avisara:
hora de cortar a franja. Naquela época devia ser moda isso:
para economizar no cabeleireiro, salão, barbeiro, cortava-se a franja
da pobre criança e assim dava para passar um mês mais com o cabelo
comprido – lembro de ter visto foto de infância de uma amiga, a
mesma franjinha de pais pão-duros.
Se
meu pai tinha avisado, não tinha como fugir: a franja seria cortada,
quisesse eu ou não. Para manter o mínimo de orgulho que me restava,
resolvi eu mesmo cortar minha própria franja. A primeira tentativa
saiu errada, torta. A segunda, também. A terceira, já quase sem
franja, pior ainda. Me desesperei: já é daquela época que roupa,
em geral, não me incomoda, mas cabelo... impensável sair de casa
com um teco arrepiado. Para me ajudar: não era moda, ninguém usava
cabelo raspado – situação que se inverteria uns dois anos depois – e eu não era lá adepto do boné – nunca fui, na verdade; de boina, nos últimos tempos.
Fomos até um salão, onde uma mulher fez uma gambiarra com o que me
restava de cabelo.
Eu
era feliz nessa época, pois o “me restava de cabelo” era uma
situação pontual, bem diferente da de agora, em que o que me resta
de cabelo, estou quase passando cola pra que sigam na cabeça os
parcos fios. E pior é pensar que cheguei nesta situação porque
ninguém me explicou que quando me diziam que meu cabelo estava
afinando, isso era o prenúncio da queda. Poderia ter evitado –
ou tentado, ao menos. Lembro de uma crônica do Antônio Prata, em
que ele dizia que preferia tomar finasterida e arcar com problemas de
ereção: afinal, brochar seria algo que só ele e uma mulher
precisariam saber, enquanto a careca refletindo a luz do sol poderia
atrapalhar a visão de todos os que estão no tobogã do Pacaembu –
inclusive diz ele que a tal da impotência causada por finasterida é
lenda: toma desde os dezenove e pratica sexo todos os anos, sem nunca ter
tido problemas.
Deixo
o Prata com sua quase cabeleira a base de finasterida e volto à
minha grande aventura dos últimos dias.
Da
última vez que cortei o cabelo (no salão), dei as indicações de
sempre: dá uma aparada não muito grande, mas o suficiente pra
disfarçar a careca que se anuncia. Assim foi feito, mas a
cabeleireira esqueceu das entradas, e o corte as deixou muito maiores do que realmente são. Essas entradas falsas me
incomodavam, já fazia mais de mês, até que terça tomei uma
decisão drástica: cortar minha própria franja. Depois de vinte anos, me aventuraria novamente. Tesoura em punho,
sem ter achado nenhum pente ou escova pra dar uma arrumada antes (abandonei esse tipo de apetrecho há uma década, o que não implica em cabelo arrepiado),
cortei aquele enganoso trecho da franja. E digo mais: não sei se dá
pra dizer que ficou bom, mas ficou melhor do que antes.
Me
olhei no espelho, orgulhoso do meu feito, e vi um pouco daquele
garoto que há vinte anos chorava o cabelo mal cortado no banheiro:
rá! Você não sabia fazer direito!, disse
a esse piá que me olhava do outro lado do espelho. E, realmente: se
soubesse, teria corrido atrás de algo pra calvície quando ainda
havia cabelos em abundância.
Pato
Branco, 04 de maio de 2012.