domingo, 20 de maio de 2012

Da distância entre os corpos e os padrões da cultura

Saí com o Wlad, fomos dar uma volta na Augusta, sexta-feira à noite. Lá ele encontrou um conhecido da sua cidade: normal, Augusta à noite é ponto de encontro de várias tribos, de vários estilos. O que soa estranho é que poucas vezes trombei com um conhecido, por mais que a desça e suba umas quatro vezes por semana, ao menos. Quando isso aconteceu, não ficamos só no oi! Você aqui? Tchau, nem acabamos na tradicional cerveja em um bar. A primeira vez que encontrei dois amigos, fomos ao show da banda de um outro, na Augusta, mesmo. Na segunda, fiquei conversando com uma amiga, na Paulista, até depois da uma da manhã. Fomos, inclusive, assaltados em dez reais. Na verdade, o assaltante dizia que queria dez reais para não ter que assaltar ninguém. Comecei a argumentar com ele que a sua exigência era, sim, um assalto; mas minha amiga achou que não era o momento para uma discussão de relação com a pessoa, e resolveu dar os dez reais e se livrar dela – e não quis dividir o custo do assalto depois. Este sábado encontrei outros dois amigos, Tiago e Alexandre. Eu ia para casa, talvez escrever algo e dormir cedo (antes das duas). Eles me chamaram para a sessão da meia-noite “de um filme japonês sobre drama familiar”, resolvi aceitar – se não for assim, convidado, não assisto a filme algum.

E essa era toda informação que tinha quando adentrei a sala para assistir a O que eu mais desejo, do diretor Hirokazu Kore-Eda. Não digo que o filme seja ruim, mas o fato de durar (enroladamente) mais de duas horas faz com que eu não o recomente. A estética não me impressionou, diferentemente de outros diretores orientais que conheço, como Akira Kurosawa, Kim Ki-duk ou Takeshi Kitano, que parecem ter um ponto de tensão oriente-ocidente nesse aspecto. No máximo, o diretor conseguiu uma poética interessante para o tema do desapego, de aprender que as coisas possuem um fim e aceitar isso como parte da vida. 
 
O que acabei atentando mesmo foi para as relações interpessoais que o filme retrata – bem típicas da cultura, creio eu –, talvez até por certas pulgas atrás da orelha, reflexo principalmente de amizades e casos com descendentes.

Começo pela escola: me causou estranhamento o medo para com o professor, e a sujeição à sua autoridade – por mais que se pense em questioná-la depois, por outras instâncias: os alunos teriam, conforme a sinopse, doze anos, já seria idade de terem um pouco mais de audácia.

Nas relações familiares, mais propriamente falando, há as especifidades dos personagens do filme: um dos irmãos que se vê responsável por cuidar das tarefas rotineiras da casa, acordar o pai, etc; o outro preocupado em desfazer o divórcio dos pais; a garota que quer ser atriz e é mais do que desestimulada, ridicularizada pela mãe, frustrada com seu passado, em que tentara ela seguir a carreira. O que me chamou mesmo a atenção foram as relações quotidianas: a exemplo do próprio cumprimento típico japonês, o se curvar para frente (ao invés do aperto de mão ocidental), as demonstrações de afeto não passam pelo toque, seja nos momentos de agradecimento por um grande favor, seja nos momentos de emoção, como do casal de velhos que recebe a visita da pretensa neta – o que dizer, então, no dia-a-dia de pais e filhos, avôs e netos. Os próprios movimentos de entrega, de compartilhar, são feitos de gestos bruscos, como quando o avô dá ao neto um manju. Não que as pessoas não se toquem no filme: isso parece ser mais comum, contudo, entre amigos, sejam crianças ou adultos.

Esses comportamentos me fizeram lembrar de que na apresentação da Osesp, que eu assistira há pouco, só havia uma pessoa que me pareceu mais entregue ao seu instrumento do que o spalla Emmanuele Baldini: uma oriental do celo (ia falar japonesa, mas vi no site que se trata de uma coreana, Jin Joo Doh). O celo, por se tocar próximo ao corpo, quase como em um abraço, já parece ser um instrumento que convida mais à uma entrega – bem visível na ”dança da orquestra”, não havia celista que tocasse com a frieza de certos violinistas –, por que calhar justo com a oriental essa maior expressividade da pessoa e o instrumento se fundindo em um só? Coincidência? Pode ser. Porém penso que um fundo cultural tenha sua parte na explicação.


São Paulo, 20 de maio de 2012.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Soninha Francine e o metrô “sussa”

Soninha Francine, pré-candidata do PPS à prefeitura de São Paulo, jura que foi ironia o que escreveu no twitter: "Metrô caótico, é? Não fosse pela TV e o Twitter, nem saberia. Peguei linha verde e amarela sussa". Sendo uma figura pública e conhecendo das suas posições políticas, não consegui encontrar a ironia na frase – e não creio na sua incapacidade intelectual para ironias, antes na sua inabilidade política para tentar salvar o chefe. O comentário foi uma clara tentativa tornar o acidente na linha 3 como um caso isolado, resguardando o resto do maravilhoso sistema de metrô da cidade.

Sua frase serviu de gancho para lembrar a decepção – não só minha – que a ex-apresentadora e agora política profissional foi para uma geração – essa que hoje está entre os vinte e cinco e trinta anos, mais ou menos. Com bandeiras progressistas na área de direitos humanos, lembro de muitos amigos terem votado nela para deputada federal, em 2006, quando era ainda filiada ao PT. Depois trocou de partido, foi para o PPS, partido reboque de segunda mão (em vias de se tornar de primeira, com o naufrágio do DEM) do PSDB. Em 2010 apoiou Alckmin e participou da campanha de José Serra, dois dos expoentes mais fortes do conservadorismo reacionário em direitos humanos. Soninha definitivamente se transformava numa carcaça do que um dia havia sido.

Surpreende? Não. Decepciona, isso, sim.

Não surpreende porque Soninha é antes cria da indústria cultural. Oriunda da MTV, onde a linguagem da emissora – na época, década de 1990 – dava aos apresentadores a impressão de donos de uma personalidade independente e não mero representantes de um figurino para a ocasião, teve coragem de admitir que fumava maconha e de ter feito um aborto. Se admitir que usava maconha custou-lhe o emprego na emissora controlada pelo PSDB, ter assumido o aborto, para sua sorte, não lhe custou a estima do cruzadista da moralidade, José Serra – porque político, como comunicador, é uma espécie bem maleável. Contudo, ao aceitar participar da campanha do candidato tucano, parece que, no fundo, aceitou o pensamento de todo bom moralista: que os outros não façam aquilo que julgo errado, por mais que eu já tenha feito.

Sentimento semelhante de deslumbramento com um candidato parece ter acontecido com Marina Silva, na eleição para a presidência, em 2010. As diferenças, contudo, são enormes, e não fosse a própria Soninha jogar fora seu histórico, soaria ofensivo a comparação: Marina Silva é o Alckmin de saia, aversa aos avanços dos direitos civis, só que travestido num discurso up to date de preservação do meio-ambiente. Discurso que não é vago, visto sua história de vida, mas que não me surpreenderia ela ir para o outro oposto, caso fosse politicamente necessário – vide seu silêncio sepulcral durante todo o início da discussão do novo código florestal, quando ela estava mais preocupada em disputar o poder interno do PV.

Não tenho certeza disso que vou falar agora: porém tenho a impressão de que o Tiririca é menos nocivo à política nacional – encarando aqui além de seus aspectos pragmáticos, no que há de simbólico –, do que a Soninha. Ou talvez, sendo mais sensato, o palhaço Tiririca talvez seja só uma versão sem disfarces da comunicadora Soninha Francine.

São Paulo, 18 de maio de 2012.