Saí com o Wlad, fomos dar uma volta na Augusta, sexta-feira à
noite. Lá ele encontrou um conhecido da sua cidade: normal, Augusta
à noite é ponto de encontro de várias tribos, de vários estilos.
O que soa estranho é que poucas vezes trombei com um conhecido, por
mais que a desça e suba umas quatro vezes por semana, ao menos.
Quando isso aconteceu, não ficamos só no oi! Você aqui? Tchau,
nem acabamos na tradicional cerveja em um bar. A primeira vez
que encontrei dois amigos, fomos ao show da banda de um outro, na
Augusta, mesmo. Na segunda, fiquei conversando com uma amiga, na
Paulista, até depois da uma da manhã. Fomos, inclusive, assaltados
em dez reais. Na verdade, o assaltante dizia que queria dez reais
para não ter que assaltar ninguém. Comecei a argumentar com ele que
a sua exigência era, sim, um assalto; mas minha amiga achou que não
era o momento para uma discussão de relação com a pessoa, e
resolveu dar os dez reais e se livrar dela – e não quis dividir o
custo do assalto depois. Este sábado encontrei outros dois amigos,
Tiago e Alexandre. Eu ia para casa, talvez escrever algo e dormir cedo (antes das
duas). Eles me chamaram para a sessão da meia-noite “de um filme
japonês sobre drama familiar”, resolvi aceitar – se não for
assim, convidado, não assisto a filme algum.
E essa era toda informação que tinha quando adentrei a sala para
assistir a O que eu mais desejo,
do diretor Hirokazu Kore-Eda. Não digo que o filme seja ruim, mas o
fato de durar (enroladamente) mais de duas horas faz com que eu não
o recomente. A estética não me impressionou, diferentemente de
outros diretores orientais que conheço, como Akira Kurosawa, Kim
Ki-duk ou Takeshi Kitano, que parecem ter um ponto de tensão
oriente-ocidente nesse aspecto. No máximo, o diretor conseguiu uma poética interessante para o tema do desapego, de aprender que as coisas possuem um fim e aceitar isso como parte da vida.
O que acabei atentando mesmo foi para
as relações interpessoais que o filme retrata – bem típicas da
cultura, creio eu –, talvez até por certas pulgas atrás da
orelha, reflexo principalmente de amizades e casos com descendentes.
Começo pela escola: me causou estranhamento o medo para com o
professor, e a sujeição à sua autoridade – por mais que se pense
em questioná-la depois, por outras instâncias: os alunos teriam,
conforme a sinopse, doze anos, já seria idade de terem um pouco mais
de audácia.
Nas relações familiares, mais
propriamente falando, há as especifidades dos personagens do filme:
um dos irmãos que se vê responsável por cuidar das tarefas
rotineiras da casa, acordar o pai, etc; o outro preocupado em
desfazer o divórcio dos pais; a garota que quer ser atriz e é mais
do que desestimulada, ridicularizada pela mãe, frustrada com seu
passado, em que tentara ela seguir a carreira. O que me chamou mesmo a
atenção foram as relações quotidianas: a exemplo do próprio
cumprimento típico japonês, o se curvar para frente (ao invés do
aperto de mão ocidental), as demonstrações de afeto não passam
pelo toque, seja nos momentos de agradecimento por um grande favor,
seja nos momentos de emoção, como do casal de velhos que recebe a
visita da pretensa neta – o que dizer, então, no dia-a-dia de pais
e filhos, avôs e netos. Os próprios movimentos de entrega, de
compartilhar, são feitos de gestos bruscos, como quando o avô dá
ao neto um manju. Não que as pessoas não se toquem no filme: isso
parece ser mais comum, contudo, entre amigos, sejam crianças ou
adultos.
Esses comportamentos me fizeram
lembrar de que na apresentação da Osesp, que eu assistira há
pouco, só havia uma pessoa que me pareceu mais entregue ao seu
instrumento do que o spalla
Emmanuele Baldini: uma oriental do celo (ia falar japonesa, mas vi no
site que se trata de uma coreana, Jin Joo Doh). O celo, por se tocar
próximo ao corpo, quase como em um abraço, já parece ser um
instrumento que convida mais à uma entrega – bem visível na
”dança da orquestra”, não havia celista que tocasse com a
frieza de certos violinistas –, por que calhar justo com a oriental
essa maior expressividade da pessoa e o instrumento se fundindo em um
só? Coincidência? Pode ser. Porém penso que um fundo cultural
tenha sua parte na explicação.
São Paulo, 20 de maio de 2012.