segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Presentes e passados [Memórias feitas de saudades]

Encontrei Djalma sexta à noite, num karaokê (olha o Dalmoro!, você diria). Me pediu um abraço forte, que estava precisando - ele também. Parece que seu espectro andou a passeio por este dias, deixando um certo pesar em nós. Não é o tipo de sentimento que você gostaria de despertar, tenho certeza, mas, entenda, a lembrança dos momentos que passamos juntos - bons e maus -, o prazer da sua companhia, o radiar do seu sorriso, a saudade de tudo isso, que flutua no vazio insubstituível da sua ausência, tem horas que dói. E tamanha dor, tanto tempo depois, se deve à pessoa que você foi - ou seja, culpa sua! Combinamos de ir na sua casa domingo, visitar seus pais, seus irmãos. Eu tinha uma lembrança para dona Mê, artesanato simples porém gracioso, um imã de geladeira de uma pequena rosa, feita sei lá de qual material, com uma rolha como suporte. Foi no dia em que sua mãe fazia anos que vi o enfeite, em uma festa em Pomerode. Hesitei entre a rosa e a pimenta. Esta, pensei, poderia representar o espantar eventuais má-sortes da sua família. Optei pela rosa, pois acho que estamos num ponto de fazer florescer o futuro, pois a vida segue, desabrochando alegrias e tristezas, planos e saudades, no seu incansável caminhar. E foi com alegria que fiquei sabendo que sua irmã conseguiu passar no curso que ela queria, na faculdade que ela pretendia - veterinária. Imagino o quanto você também não teria ficado feliz ao saber da notícia. Na despedida, parabenizei ela novamente, e comentei que era uma coisa que você sempre dizia, o seu desejo de que Victória conseguisse fazer o que desejasse - a gente dá um jeito, guardo parte do meu salário pra pagar a faculdade dela, um dia você comentou. Não sei se fiz bem, ela se comoveu e não conseguiu segurar as lágrimas - e não adiantou meu abraço forte ou o beijo terno do Djalma. Sua mãe comentou que tem sempre lembrado de você falar para ela calcular o custo-benefício. Achei graça, não imaginava que você tinha encampado meu discurso tanto assim - sabia que se admirava desse meu excesso racional para gastos, deixou isso bem claro quando comprei a máquina de pão, a qual cobriria os custos em, no máximo, seis meses. Houve um momento que estávamos sentados à mesa, o clima não era de velório, mas havia uma tristeza no ar, penetrando as lembranças alegres de quando estava conosco. Seu pai falou do seu bom coração - e também que você não era de deixar barato. Verdade. Djalma estava com a namorada - tenho certeza que você iria adorá-la. Eu estava sentado no lugar de seu pai, e ele ocupava o seu. Sua mãe me mostrou um vídeo de uma reportagem de quando houve qualquer caos na estação Tatuapé - parece que, desde sua partida, seus colegas próximos saíram todos de lá, exceto um. Entrar no QGinho para vê-lo foi difícil. Na reportagem, em meio ao blablablá idiota do ancora, às oito e vinte e um da manhã de um dia que não sei qual é, da câmera do helicóptero vejo você, uniforme do metrô, gesticulando com um colega, enquanto voltam para a estação e o trem tenta se locomover. Sabia desse vídeo, você tinha comentado, contudo nunca tinha visto. E vê-lo me causa uma sensação estranha: eu te vejo, agora, no presente: você caminha, segura o rádio, ajuda a abrir a porta, gesticula. Não há dúvidas, é você: o cabelo, os gestos. Não há dúvida: é no presente que vejo você se mover. Mas são imagens passadas. Tento segurar o choro, não consigo totalmente. Porra, Misson! Penso comigo, frase tantas vezes dita desde sua perda. Porra, Misson! Revejo os trinta segundos de sua presença uma, duas, três vezes. Volto para cozinha. Seu pai pergunta do seu livro, reconheço que não tenho tido estrutura para ler seus cadernos. Porra, Misson! Sabia que também pensei em comprar um caderno? Mas acho que não tenho muito o que escrever em cadernos. Você os leria? Seu irmão fala de aparecer na minha casa esta semana, para começarmos a organizar as linhas que você nos deixou. São linhas presentes - nosso tesouro. Você não é passado.   

Para Patrícia Misson. Porra, Misson!   

São Paulo, 02 de fevereiro de 2014.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Um convite em aberto [memórias feitas de saudades]

Descubro que aquela tequila que Tânia (para você Tatiane) te convidara, diferentemente do que você imaginara, era mesmo sério. Entrei em contato com ela este sábado (fico pensando o que você diria disso, com um sorriso aberto e um certo tom de deboche). Lembrei do seu encontro com Tânia na sexta, quando ilhado com alguns colegas da iluminaçâo em uma lanchonete, por causa da chuva que alagava a rua em frente, um dos meus amigos pediu um todinho e me ofereceu. Fosse você ou algum de nossos amigos, tiraríamos sarro que o convite era para algo mais apimentado que um simples todinho. Tudo porque você teve sede depois do encontro com Tânia e a única coisa que ela tinha para oferecer era um todinho. Foi seu único encontro com ela, um encontro rápido, esporádico, que você achou que seria insignificante para ela - por mais que vocé tenha gostado e comentasse muto tempo depois sobre. Foi um encontro que te ajudou no seu processo de se livrar da síndrome de patinho feio, como você dizia, também com as mulheres (com os homens vocé se mostrava cada vez mais confiante). Penso que foi o início da sua guinada na forma de se relacionar consigo e com o mundo, interrompida a meio do caminho. Mandei no sábado uma mensagem para Tânia, sem saber muito o porquê,talvez na ânsia de te descobrir um pouco mais e fingir pra mim mesmo que essa auséncia irreal não é real. Tinha receio de que você estivesse certa e ela me respondesse grosseiramente que sequer lembrava de você e não queria saber de notícia de morte. Mas foi justo o contrário. Apesar de má fisionomista, disse que lembrava muito bem do seu rosto, e andava pensando em você, que sumira e nunca mais a procurara para tomarem a tequila combinada. Lamentou que sua ausência fosse mais definitiva do que um não dar notícias. E comentou que só lembrava de você sorrindo. Apesar de ter te visto chorando, pesarosa, angustiada muitas vezes, na maioria te via alegre, tentando não deixar que as interpéries da vida te deixassem para baixo, sempre atenciosa e disposta a ajudar os outros (até demais, como na metádora do cacto que justifiquei sua partida para sua irmã), são essas imagens da sua felicidade e da sua bondade que primeiro me vem. Com a conversa com a Tânia descubro que teu sorriso não faz falta só a mim e aos seus próximos, que sua  ausência é sentida por gente que você encontrou uma vez, mas na qual foi capaz de cativá-la. Não me surpreende.

São Paulo, 26 de janeiro de 2014.

Para Patrícia Misson, com suas surpresas e nossas piadas