domingo, 18 de maio de 2014

Gargalhada

Estávamos em cinco naquela festa. Cinco grandes amigos que assim se consideram há mais de doze anos. Apesar das mudanças. Apesar dos avanços e recuos, dos erros e acertos, dos sumiços e aparecimentos, das cidades e dos caminhos distintos que cada um tomou. Amigos que me fizeram descobrir que escolhas aparentemente erradas não são perda de tempo. Havia novidades muitas - inclusive o casamento do amigo que reunia os quatro outros naquela festa -, mas a conversa fluía como se voltássemos das férias da faculdade: mais do que elencar o que nos ocorrera, conversávamos sobre dilemas da vida - pequenos e grandes, bons e ruins, leves e pesados. Havia também os momentos de tirar fotos - entre os quatro ou entre os cinco, quando o anfitrião conseguia nos dar um pouco da atenção dividida entre todas as mesas. Fotos daquelas que guardamos para rever no futuro e notar as diferenças nos traços, o envelhecimento na pele, a perda dos cabelos. Para compararmos a diferença no sorriso esculpido, aquele sorriso forjado para fotos, em que nos apresentamos contentes e de bem com a vida - mais do que com o momento. Posávamos para nós mesmos daqui a alguns anos. Eis que numa dessa sessão de fotos, em que três sorriem para a quarta que segura a câmera, a fotógrava do momento faz uma careta que nos remete a uma piada interna, uma graça que nos surpreende, apesar dos doze anos de contato. A pose se perde, o sorriso pronto se desfaz, e eis que ela consegue, enfim, capturar o momento.



São Paulo, 18 de maio de 2014.

Para: Aline, Vannucci, Paula, Paulo e Tati.

sábado, 26 de abril de 2014

Black Star [Memórias feitas de saudades]

Não sei com o que sonhei hoje. Sei que sonhei porque acordei com a sensação dos sonhos tristes. Foi com sua ausência, novamente? Não sei, nem idéia. Que não tenha sido em sonho, tenho sentido ela acordado. Perdi a hora, desisti do café-da-manhã e de preparar o almoço. Castanhas com goiaba e chimarrão, um desjejum um tanto incomum (havia sementes de abóbora também). Pouco depois, adentra por baixo da porta sua lembrança. Uma carta da Daisy, namorada do Djalma (que, já disse, acho que você iria gostar muito). Achei curioso: eu bem te pedia uma carta no meu texto passado, um dia antes do carimbo do correio. Por um instante, ao abri-la, achei que fosse material seu, perdido e agora recolhido. Parecia um Trumbica. Uma versão mini do Arara Teresa? Era o Misión... Ainda me falta coragem para lê-lo. Como me faltou coragem para ver um arquivo que seu irmão me mandou, já há mais de mês. Coragem me falta também para encarar novamente seus cadernos, suas cartas (tantas destinadas a mim). Também não tenho coragem de escrever uma crônica dizendo o que gostaria. Você sabe o que é. Talvez soubesse desde antes de mim, que só descobri depois de você partir. Tenho ela escrita em minha cabeça já há muito tempo - e tenho evitado Caetano por causa dela. Meu medo é de que, ao dizê-lo, tudo o mais seja supérfluo e não haja mais nada a ser dito, que eu me convença de que a espera acabou - porque não há regresso. Então guardo esse essencial para mim, como se fosse segredo - um segredo que espera seu retorno impossível. Escuto Radiohead: "blame it on the black star, blame it on the falling sky, blame it on the satellite that beams [you] home". Queria um abraço seu.

São Paulo, 26 de abril de 2014.

Para Patrícia Misson, que voltou para casa.