quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Arte na rua num início de noite

Início da noite, caminho pela Paulista. Pessoas nas calçadas, carros na rua - muitas, muitos. Reparo em dois edifícios sendo terminados, erguidos na imponência de suas altas paredes de vidro, vazias de histórias e de significados - que não a marca da força grana que ergue e destrói coisas belas. Eis São Paulo, na poesia melancólica de suas ruínas, soterradas por quem tem mais. Passo por encoletados que pedem um minuto da atenção, oferecimentos de ingressos para teatro, santinhos de políticos e conselhos espirituais, por pedintes, vendedores de artesanatos e de milho verde, por artistas de rua diversos. Três deles tocam quase na esquina com a Brigadeiro Luiz Antônio. Bateria, teclado e violino. Tocam algo meio trilha sonora de filme, quase um Kenny G (sim, foi um juízo de valor) sem saxofone, menos grudento e mais melancólico. Poucas pessoas param para ouvi-los - três, para ser mais exato. Um deles, mais distanciado, tem no rosto as marcas da força da gravidade, de uma vida sem cosméticos. Traz entre os dedos um cigarro aceso, quase no final. Dedos grossos apontam uma vida de adversidade. Está sentado sobre sua carroça de recolher material reciclável, observa a banda com o olhar ausente, concentrado e distraído ao mesmo tempo, a música a pô-lo em algum outro registro de tempo - ou de espaço. Eu sigo a passos rápidos. Atravesso a rua.

São Paulo, 25 de setembro de 2014.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Dança de pequenos ruídos e amplas pinceladas

Uma dança de pequenos ruídos e amplas pinceladas, entrecortados por movimentos constritos e silêncios. Em Iki - Respiração, Toshi Tanaka obriga o público a se desfazer, temporariamente, da temporalidade fora da caixa preta da sala Paissandu, na Galeria Olido, centro de São Paulo. Obriga também a repensar não apenas a correria so nosso dia-a-dia, como qual a tônica desse universo apresentado por uma hora e quinze minutos. 
Silêncios, pausas, permanências, rompidos em um impulso - constrito -  para a pincelada de nanquim sobre o papel. Pincelada precisa - não no sentido de se expressar em um só golpe, mas de exteriorizar o necessário. Toshi golpeia o papel, ou apenas imprime nele a força criadora de sua coreografia? A relação agônica entre homem e meio vencida pela simbiose de ambos. 
Um mestre, quatro discípulos - leio na cena a força da tradição. Uma tradição que desconheço, não me diz respeito, mas me surpreende, com a qual me identifico - ao mesmo tempo que estranho. 
O som do vento, produzido guturalmente pelo artista, o nanquim, que escorre pelo corpo semi-nu antes de marcar o papel, a pincelada curva. As quatro telas pintadas são alçada no espaço - em uma delas, em seus amassados da performance, tenho a impressão de ver a silhueta de um corpo, suas dobras impressas antes da tinta. Será? 
O lento desdobrar do papel no chão, a ajudante tornada sombra, o reaparecimento de Toshi, corpo novamente coberto - e pintado. O cheiro de nanquim, o silêncio, os ruídos, o som gutural. A tradição, a performance, o estranhamento - a estranha sensação de se sentir diante de uma cena familiar que eu nunca vi, não entendo exatamente o que tenta fala, mas me toca.   

São Paulo, 24 de setembro de 2014