segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Então prove!

Os mais jovens talvez não saibam, os mais velhos (e mais velhos aqui quero dizer os mais velhos que os mais jovens, não apenas os antigos) talvez não lembrem, mas houve um tempo em que as pessoas não acreditavam em tudo o que se falava. E nem faz tanto tempo assim, coisa deste século, mesmo - antes da internet e do Fakebook, principalmente. 
Talvez fôssemos menos ingênuos, ou menos burros mesmo (e a comparação é com essa mesma geração nos dias de hoje), ou mais desconfiados, de qualquer forma não era raro que chamássemos pra chincha quando achávamos que havia algum chuncho na história (e agora desenterrei dois termos que eu usava século passado). "Então prove!", era a expressão de desafio, dita sempre em voz alta e com firmeza. Já éramos de uma época bastante decadente: enquanto na antigüidade os santos duvidavam de deus e deus duvidava dos homens, e pediam provas uns dos outros para acreditarem; ou mesmo fora religião, punham o loroteiro à prova em latim - "hic rhodus, hic salta" -; século passado acreditava-se com base em qualquer autoridade chinfrim, sem questionar a mesma: "o padre falou que masturbação é pecado", "foi o doutor quem disse que punheta dá pelo na mão e diminui a virilidade" (no caso dos rapazes), "saiu no JN que o Lula vai obrigar as pessoas a dividirem sua casa, seu carro, seus pertences e seus filhos com os pobres, vindos diretamente da favela para acabar com a civilização". Nos litígios entre pessoas comuns, quando não se podia apelar à televisão ou aos santos, na falta de provas, ninguém acreditava. Os que acreditavam, em algum momento acabavam caindo no velho golpe do baú. Hoje, qualquer meme no Fakebook começando com "isto é um absurdo" as pessoas acreditam e repetem. 
No ensino médio eu tinha um colega que ganhou o apelido de Forrest Gump, por sempre ter histórias e nunca ter qualquer prova. Uma vez ele contou que estava com um amigo, brincando de tiro ao alvo, sem querer a arma disparou e acertou esse amigo, fazendo com que o osso do antebraço se enroscasse no do braço. A turma já começava a tirar sarro quando interrompi: tinha ouvido essa história saindo da sala de cirurgia, quando quebrei o braço e tive que pôr um pino: ao ser informado do que o esperava a seguir, um baleado pelo pai ou tio, sem querer, o ortopedista questionava como ele tinha conseguido enroscar a ulna no úmero. Pelos meu pinos no braço, a turma deixou passar essa história como verdadeira. 
Na faculdade, ainda na de psicologia, lembro de uma discussão no bandejão sobre não sei o que, mas que fez com que meu amigo, para provar que a história de que dinheiro é sujo é falsa, conseqüência do catolicismo medievo, jogou uma caneta no chão, perto de um dos banheiros, onde passavam além de pessoas, cachorros, esperou um breve tempo, pegou de volta a caneta, pôs na boca, e concluiu, orgulhoso: "tá vendo? Aposto que caneta você não tem nojo de pôr na boca, apesar de ela cair no chão e sabe-se lá mais o que". Uma péssima prova: não só não me convenceu que dinheiro não é sujo como levou um tempo para me convencer de que ele não era tão relaxado quanto pareceu ser aquele almoço. De qualquer forma, tentou provar. 
Estes novos tempos, admito, não são de todo ruim. Posso contar essas duas história e, não fosse eu avisar aqui, neste último parágrado, ninguém iria pedir prova alguma, e acreditariam nelas sem mais, assim como até agora acreditavam que pus pino no braço em noventa e sete (fruto de uma queda após uma enterrada) e que fiz psicologia (onde tive esse amigo da caneta, o qual possuía dois gigantescos ratos de laborarório em sua casa). De qualquer forma, ainda acho melhor a época que nos desafiávamos: então prova!

16 de fevereiro de 2015

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Da vez que acordei morto

Isso nunca tinha me acontecido antes. É verdade. Foi neste carnaval, e o fato de ser em meio a essa festa é apenas uma coincidência sem qualquer significado. Eu ia de São Paulo a Pato Branco. Eram seis e meia da manhã, o ônibus chegara na garagem, em Ponta Grossa, para reabastecer e trocar de motorista. Eu não sei com o que sonhava; sei que dormia gostoso, na profundidade que o excesso de estímulos me permitia: a música em meus fones de ouvido, tentando abafar a música que vazava potente dos fones de ouvido de meu vizinho de viagem - uma versão tampinha do Cássio, goleiro do Corinthians -, com quem eu tivera uma pequena disputa pela demarcação de território antes da viagem começar de fato; o ruído do motor, o barulho do ar-condicionado, a luz que entra de fora pela cortina escancarada; o foco de luz de meu vizinho, o Cássio baixinho, que parece ter medo de escuro; o pra esquerda e pra direita das curvas da estrada, e o próprio "balancinho do ônibus", como diz minha mãe - que me faz perguntar por que alguém paga para usar aquelas cadeiras massageadoras na rodoviária. Pois era esse o ambiente que me rodeava quando (soube disso depois, é claro) o ônibus adentrou a garagem, foi até um canto escuro, onde fica a bomba de combustível e o motorista desligou motor e tudo o mais. De repente me vejo privado de estímulos: há tempos a música havia acabado em meus fones e do meu vizinho, sem motor ou ar-condicionado, sem esquerda-direita nem balancinho, sem luzes de fora e de dentro, diante dessa escuridão silenciosa, desse silêncio escuro, acordo assutado: Putaqueopariu, morri! Ainda grogue de sono, abro os olhos, vejo onde estou e me certifico que, apesar de por um instante achar que não, sigo vivo, sim. Mesmo com todo o alívio, uma sensação desagradável perdura.   

14 de fevereiro de 2015