sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Passei no vestibular

Demorou, mas finalmente alguém não me deu os parabéns e perguntou "que curso" depois de minha resposta à pergunta sobre o que houve com meu cabelo. Ao meu "passei no vestibular", minha amiga não titubeou: "aham, tá bom. Diz aí, por que raspou?". Comentei que andava insatisfeito com os cortes em cabelereiros - não por culpa dos profissionais, e sim de minha parca cabeleira -, e desde o fim do ano passado, corto eu mesmo meu cabelo, com a ajuda de uma máquina de barbear e dois espelhos. Descobri, no feriado de carnaval, que tentar cortar o cabelo pouco depois de acordar, com ele revolto e maçarocado, não dá certo e, diante de um buraco que abri com a máquina, resolvi raspar tudo - logo no zero, para ver como é que fica. Uma outra amiga, após um tempo para me reconhecer, estranhou: "da última vez que te vi, você estava brigando para manter os cabelos na cabeça, agora te encontro assim". Ok, prefiro os cabelos, porém admito: desta feita até que não ficou tão mau, ao menos comparado à outra vez que o zero perfez minha cabeça - essa, sim, por conta do vestibular -, em noventa e nove. Minha mãe mesmo reconheceu que minha cabeça deu uma arredondada nesses quinze anos, perdendo a citação à arquitetura árabe (nada contra, muito pelo contrário, só não simpatizava com minha sombra abobadada). Contudo, foi ingenuidade demais de minha parte achar que porque uma pessoa não acreditou na história do vestibular, a partir de então nenhuma outra iria acreditar: minha fama de eterno vestibulando, ou de permanente calouro-em-potência é grande, e não sem uma certa dose de razão: desisti da psicologia para prestar filosofia (prestei física também nesse ano), da filosofia passei para ciências sociais (essas duas ao menos terminei); tentei por três anos arquitetura, sempre ficando na prova de aptidão por motivos óbvios (nunca fiz maquete fora dessas provas, não sei desenhar, há dez anos não via geometria e afins, e sou daltônico para a prova de lápis de cor), e acabei por começar o curso de ciência e tecnologia (no qual hesitava entre seguir engenharia ambiental e urbana e neurociência) - e isso tudo porque me achei na filosofia e não abandono mais o barco. Pois encontrei hoje um amigo, que me interpelou com a mesma pergunta e foi contemplado com a mesma resposta. Era um amigo mais próximo, achei que perceberia que não falei de vestibular ano passado - não percebeu. Mas não deixou de mostrar que está atento aos meus últimos movimentos: "entrou em dança?". Tentei ver pelo lado bom: não me perguntou "que curso", e deu um chute com propriedade. De qualquer modo, não me pareceu um prêmio de consolação suficiente.

20 de fevereiro de 2015

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Então prove!

Os mais jovens talvez não saibam, os mais velhos (e mais velhos aqui quero dizer os mais velhos que os mais jovens, não apenas os antigos) talvez não lembrem, mas houve um tempo em que as pessoas não acreditavam em tudo o que se falava. E nem faz tanto tempo assim, coisa deste século, mesmo - antes da internet e do Fakebook, principalmente. 
Talvez fôssemos menos ingênuos, ou menos burros mesmo (e a comparação é com essa mesma geração nos dias de hoje), ou mais desconfiados, de qualquer forma não era raro que chamássemos pra chincha quando achávamos que havia algum chuncho na história (e agora desenterrei dois termos que eu usava século passado). "Então prove!", era a expressão de desafio, dita sempre em voz alta e com firmeza. Já éramos de uma época bastante decadente: enquanto na antigüidade os santos duvidavam de deus e deus duvidava dos homens, e pediam provas uns dos outros para acreditarem; ou mesmo fora religião, punham o loroteiro à prova em latim - "hic rhodus, hic salta" -; século passado acreditava-se com base em qualquer autoridade chinfrim, sem questionar a mesma: "o padre falou que masturbação é pecado", "foi o doutor quem disse que punheta dá pelo na mão e diminui a virilidade" (no caso dos rapazes), "saiu no JN que o Lula vai obrigar as pessoas a dividirem sua casa, seu carro, seus pertences e seus filhos com os pobres, vindos diretamente da favela para acabar com a civilização". Nos litígios entre pessoas comuns, quando não se podia apelar à televisão ou aos santos, na falta de provas, ninguém acreditava. Os que acreditavam, em algum momento acabavam caindo no velho golpe do baú. Hoje, qualquer meme no Fakebook começando com "isto é um absurdo" as pessoas acreditam e repetem. 
No ensino médio eu tinha um colega que ganhou o apelido de Forrest Gump, por sempre ter histórias e nunca ter qualquer prova. Uma vez ele contou que estava com um amigo, brincando de tiro ao alvo, sem querer a arma disparou e acertou esse amigo, fazendo com que o osso do antebraço se enroscasse no do braço. A turma já começava a tirar sarro quando interrompi: tinha ouvido essa história saindo da sala de cirurgia, quando quebrei o braço e tive que pôr um pino: ao ser informado do que o esperava a seguir, um baleado pelo pai ou tio, sem querer, o ortopedista questionava como ele tinha conseguido enroscar a ulna no úmero. Pelos meu pinos no braço, a turma deixou passar essa história como verdadeira. 
Na faculdade, ainda na de psicologia, lembro de uma discussão no bandejão sobre não sei o que, mas que fez com que meu amigo, para provar que a história de que dinheiro é sujo é falsa, conseqüência do catolicismo medievo, jogou uma caneta no chão, perto de um dos banheiros, onde passavam além de pessoas, cachorros, esperou um breve tempo, pegou de volta a caneta, pôs na boca, e concluiu, orgulhoso: "tá vendo? Aposto que caneta você não tem nojo de pôr na boca, apesar de ela cair no chão e sabe-se lá mais o que". Uma péssima prova: não só não me convenceu que dinheiro não é sujo como levou um tempo para me convencer de que ele não era tão relaxado quanto pareceu ser aquele almoço. De qualquer forma, tentou provar. 
Estes novos tempos, admito, não são de todo ruim. Posso contar essas duas história e, não fosse eu avisar aqui, neste último parágrado, ninguém iria pedir prova alguma, e acreditariam nelas sem mais, assim como até agora acreditavam que pus pino no braço em noventa e sete (fruto de uma queda após uma enterrada) e que fiz psicologia (onde tive esse amigo da caneta, o qual possuía dois gigantescos ratos de laborarório em sua casa). De qualquer forma, ainda acho melhor a época que nos desafiávamos: então prova!

16 de fevereiro de 2015