quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O dia-seguinte do golpe: não chamem o ladrão (nem a polícia) [O Brasil em tempos de cólera e golpe]

Cinco da tarde do dia seguinte ao golpe de Estado no país - que por ora não é uma ditadura, dizem, afinal, não cancelou partidos e direitos políticos e afirmam que em 2018 teremos eleições para presidente. Em casa, não consigo ler, escrever e o pensamento gira em falso; decido dar um rolê por Sampa, sentir o clima da cidade, tratar de algumas pendências e, talvez, encontrar uma amiga. Não tenho ânimo para encarar um protesto, decido evitar a Paulista e sigo sentido Sé. Próximo da minha casa há um batalhão da polícia militar. Muitas muitas muitas viaturas e motos - estacionadas nas calçadas, apesar do grande fluxo de estudantes, afinal, a lei não vale para todos - e muitos muitos muitos policiais (é mais de uma quadra passando por um corredor polonês de militares esperando a hora de irem para a caçada). Por todo o aparato, a impressão que se tem é que há uma rebelião geral no Carandiru, e não apenas no Pavilhão 9. Estamos em 2016, não há mais Carandiru - mas os 111 mortos continuam! -, e hoje a rebelião atende pelo nome de democracia: algumas pessoas que vão para a rua achando que a constituição federal é algo respeitado (não aprenderam quando justiceiro Moro mostrou que está acima da lei e todos fora do judiciário estão vulneráveis aos seus arbítrios, até mesmo ex-presidente da república). Os militares parecem descontraídos, afinal, ganham um extra para um serviço sem qualquer risco à sua integridade física, com liberdade para bater em filhinhos de papai que invejam e ressentem, e ainda serão aplaudidos por apresentadores de tevê fascistas e políticos corruptos - só não podem matar, porque estamos no centro da cidade. Nos bairros do Bixiga e da Santa Cecília a vida parece normal - apenas um trânsito mais caótico que o habitual, não sei se fruto do protesto a começar dali uma hora ou dos policiais a postos para evitar o questionamento da ordem pública mesmo ao custo de causar grande desordem pública. O centro novo está hiper policiado, volto a lembrar do Carandiru: os sobreviventes do massacre de 1992 hoje estão aliados aos algozes e indicam ministros e secretários de Estado - bom fosse porque nosso sistema prisional recupera, contudo, isso significa antes o quanto nosso (narco?) Estado está corrompido. Minha amiga não me responde, e vou sozinho assistir a Por + Vir, da Cia de Danças de Diadema, na Olido - não estou no clima, mas o espetáculo é bom e tento abstrair que estamos na ante-sala de nova ditadura, sabe-se lá se de dois anos, duas décadas ou quanto (será que a polícia brasileira vai ser como a mexicana, e entregar estudantes para o massacre?). Ao chegar em casa, ligo o computador, dou uma olhada nas notícias: vejo que Alckmin, o Milosevic Bandeirante, proibiu protestos na Paulista, domingo, quando há um grande ato marcado, e que Temer, o Golpista, para ajudar o ex-chefe de seu ministro da justiça (ex-advogado do "Partido"), autorizou o exército a coibir manifestações contra a sua democracia. Mas não é golpe, é só uma questão de manter a ordem e o progresso - e cada um obediente e submisso no papel ditado pelo chefe. Há também uma mensagem da minha amiga: estava no centro de São Paulo, o centro hiper-policiado desta quinta, com centenas de militares de prontidão, indo ao meu encontro, quando teve o celular furtado. Ladrões, nas histórias da carochinha, têm medo da polícia. No Brasil de 2016, minha amiga, pessoa razoável, ao invés de pedir ajuda a um dos muitos PMs que estavam na rua, achou mais seguro voltar para casa.

01 de setembro de 2016.



terça-feira, 23 de agosto de 2016

Debate em SP: os presentes ganharam, a democracia perdeu

O primeiro debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, realizado pelo grupo Bandeirantes (um dos cinco Berlusconis do Brasil, não esqueçamos) na segunda, dia 22, não trouxe grandes surpresas nem grandes embates: os cinco presentes estavam ali para marcar posição, tentar garantir os eleitores que já tendem a neles votar. Analiso o desempenho de cada um a seguir.

Erundina, PSOL
Não esteve presente no debate, por conta da cláusula de partido (no mínimo 9 deputados federais ou então aprovação de 2/3 dos demais debatedores) que, se excluiu Erundina, também não deu voz a Ley Fidelix (aquele que em 2014 nos ensinou que sistema excretor produz partidos e candidatos). Não há como negar que perderam todos, eleitores, candidatos e nossa democracia-na-UTI. Curiosamente, quem parece ter se dado melhor com sua ausência foi justo Haddad, que defendeu sua participação.

Major Olimpio, SD
Tanto quanto a ausência de Erundina, deve ser sentida a presença de Major Olimpio, do SD (seria SD ou SS?), partido do notório Paulinho da Farsa Sindical. A presença dele não somente no debate, mas no pleito, é uma grave sinal da qualidade da nossa democracia e da nossa sociedade: Major Olimpio tem um discurso de ódio de clara inspiração nazi-fascista, apenas atualiza os termos: de "ratos" para "câncer" e "metástase"; sua proposta é militarizar e hierarquizar a sociedade, enquanto extingue qualquer contestação - fez questão de associar movimentos sociais ao tráfico de drogas e a população carente e da periferia ao PCC (mas ignora que o ministro da justiça (sic) do governo golpista foi advogado do "partido"). Termina sua fala falando em "força e honra", dois termos bastante afins aos regimes totalitários do século XX, além de várias vezes dizer que a cidade é terra sem lei e que vai "impôr" a lei - "tolerância zero". Tem como propostas repressão ampla e extinção do PT (provavelmente porque falar em extinguir a democracia não cairia bem). 

Doria Junior, PSDB
Em fevereiro, quando PSDB hesitava entre Doria e Matarazzo, eu dizia que "João Doria Junior seria a assunção do papel de legenda proto-fascista" e que o PSDB deixaria, definitivamente, de ser uma opção democrática. Faço uma correção: substituto o "proto" por "neo". O PSDB de São Paulo é um partido neofascista. Doria Junior claramente desdenha da política, dando novo alento à tarefa que o PSDB se põe há tempos, de esvaziar a esfera pública de toda e qualquer política. Doria Junior chegou a soltar o velho conhecido "nada contra, mas...": "não desrespeito os políticos, mas...", mas é isso que fica claro na posição atual do PSDB: sai o gerente, entra o patrão, e a política é varrida para longe de qualquer horizonte - temerosos tempos nos aguardam. Um partido que nega a política é um partido que bebe do fascismo - ainda que o PSDB tenha suas idiossincrasias, como ser anti-nacionalista. Doria Junior, a exemplo do candidato do SD (SS?), buscou marcar presença como candidato de extrema-direita e anti-PT: em todos os blocos o candidato tucano atacou o PT, no primeiro bloco os dois chegaram a rivalizar no discurso de ódio, a seguir Doria Junior diminuiu um pouco o tom, deixando ao PT a responsabilidade por ter "destruído o Brasil"; encerrou suas considerações finais não com uma mensagem positiva, como publicitários geralmente defendem, mas com mais ataques e ódio ao PT - outra figura lastimável que São Paulo apresenta ao Brasil.

Russomano, PRB
Russomano era quem mais tinha a perder com o debate, por ser líder e por ser fraco - já provou em 2012 e já deu mostras em 2016. Faltar, como havia ameaçado, o tornaria alvo fácil dos adversários - fez bem em comparecer. Apagado, falou pouco, e conseguiu, ao que tudo indica, se safar. Por ser o adversário ideal no segundo turno, foi também poupado por todos. Com entonação muito próxima a dos pastores televisivos, evitou se apresentar como candidato anti-PT, ao mesmo tempo que assumiu discurso de direita, falando em gestão, redução de impostos, liberdade de mercado (para a construção civil). Em suas considerações finais, fez um discurso de candidato próximo do povo e dos seus problemas, por ser apresentador de tevê e brigar pelos seus direitos de cidadão (sic), foi o único a marcar tal proximidade (ao menos a conseguir, Doria Junior foi risível ao dizer que vai fazer uma gestão na rua). Por fim, se apresentou como "zelador de São Paulo": um papel condizente com sua presença apagada, o que pode ser bastante perigoso (para o candidato): um homem como eu e você tem condições de ser prefeito? Lula tem má-recordação de discurso desse tipo. Além do mais, zelador é uma figura um tanto subalterna, que cumpre ordens e faz pequenos consertos, mas não tem autonomia para realizar grandes mudanças. A ver se esse seu discurso não lhe custa votos - se correr o risco de ficar fora do segundo turno, passa a ser alvo preferencial dos adversários.

Marta, PMDB
Confesso ter me surpreendido com a Marta, imaginava que ela seria mais crítica a Haddad e ao PT, apelando para a baixaria. Não foi. No debate tentou se apresentar como a velha Marta de 2004, a Marta petista - talvez tenha notado que tentar disputar os votos do anti-petismo com a extrema-direita seria tarefa inglória -, apenas se corrigindo em criar taxas e impostos. Seu anti-petismo ficou na discreta consideração final, em que se disse capaz de "acolher todos os cidadãos", o que faz coro com o discurso da grande mídia e da extrema-direita, de que o PT dividiu o Brasil e governa só para alguns - ao que tudo indica, vai guardar o anti-petismo para quando falar diretamente com anti-petistas, como os leitores do Estadão. Acenou com a direita em pouco pontos, como na defesa da repressão na região central de São Paulo como política anti-drogas; preferiu marcar sua experiência e fazer um discurso para a periferia. O que mais chamou a atenção durante o debate, contudo, foi a quantidade de vezes que usou "eu": sua forma ultra-personalista de fazer política é bem aceita na tradição política do país, e sua força nestas eleições vem justo daí (Doria e Olimpio foram pelo mesmo caminho, mas sem toda ênfase no "eu" porque tinham que atacar o PT).

Haddad, PT
Haddad era quem mais tinha a ganhar com o debate: por ser o governante de turno tem mais que promessas a fazer, mas como é boicotado pela grande imprensa, pouco espaço teve para notícias positivas durante seu mandato - seu marketing também parece ter sido falho, ao não se centrar em propaganda intensiva nos veículos tradicionais durante os quatro anos (tenho cá minhas dúvidas se não foi decisão tática). Soube usar o debate para elencar suas ações nos três anos e meio à frente da prefeitura: citando obras e localidades e bairros, ao invés de falar genericamente em "periferia" ou zona leste, oeste, norte, sul, seu discurso foi direcionado para as periferias citadas, com o objetivo de marcar para seus moradores o que são ações de seu governo. A tentativa desesperada da extrema-direita de colá-lo ao PT (e o PT à corrupção) demonstra minha tese de que ele conseguiu construir sua imagem acima da do partido. Foi o único candidato a falar "nós" e não "eu", ou seja, o único que assumiu a política como construção coletiva (seja de um equipe, de um partido ou da população) e não como desejo voluntarioso de um governante benfeitor - uma sutileza política talvez pouco notada, mas que parece ser um dos responsáveis pela sua (alardeada) baixa aprovação. Destaque para quando resolveu não responder Major Olimpio e sim desmascará-lo no que chamou de "provocação": não apenas por dizer que todos os partidos e corporações têm corruptos (Major Olimpio babou de raiva quando Haddad falou que havia PMs corruptos) e devem ser punidos, mas por recusar entrar nos termos postos pelo major da SS, digo SD.

Enfim, pode-se dizer que todos os candidatos presentes ganharam com o debate, em que pouco, quase nada, se debateu, o que talvez explique seu "bom" nível. A ausência de Erundina e a presença de Major Olimpio e Doria Junior, entretanto, podem ser encarados como uma grande derrota da democracia e da população da cidade. Há ainda cinco debates pela frente, e é de se esperar que o nível caia muito - resta-nos torcer pra que nossa democracia-na-UTI resista.

23 de agosto de 2016

Erundina, apesar de sua relevância política, foi barrada do debate por Marta, Doria e Olimpio