terça-feira, 3 de abril de 2018

O PT quer uma vitória emblemática em São Paulo - poderia se contentar apenas com a vitória

Não acompanhei os bastidores da escolha do candidato do PT ao governo de São Paulo (isso, claro, se houver de fato eleições em outubro - ainda por cima livres e democráticas), e admito ter sido com surpresa que vi o nome de Luiz Marinho, ex-prefeito de São Bernardo do Campo - como expectador distante, imaginava Haddad como nome natural do partido, até por toda a exposição que o ex-prefeito paulistano possui. 
Ao ler a entrevista de Marinho para a Carta Capital [http://bit.ly/2IpYIJk], a impressão que se tem é que a análise de conjuntura do partido, ainda que em boa medida correta, é exagerada e ingenuamente otimista - o que reflete na ausência de Haddad das prévias e a escolha de Marinho. O PT, diga-se de passagem, é exímio em traçar estratégias eleitorais ruins - para ficar num contraexemplo: pelo que se diz na história oficial, o "Lulinha paz e amor" que sacramentou a consagração do partido, em 2002, foi um atitude do candidato mais que do partido.
Com o campo hegemônico do estado rachado, com duas candidaturas de peso - Márcio França, com a máquina estadual e Doria Jr, com dinheiro, muito dinheiro, a máquina federal e um pouco mais de dinheiro -, aumentam as chances de derrota do condomínio tucano que governa São Paulo há vinte e quatro anos. A análise explicitada por Marinho esquece que a eleição é em dois turnos, e com ao menos três nomes fortes - incluído aqui o do PT -, dificilmente alguém consegue levar no primeiro turno, e não é de se esperar apoio de PSDB ou PSB ao candidato petista num eventual segundo turno. Aí falta conhecer melhor o eleitorado do estado, de modo a montar uma candidatura mais eficiente em "ludibriá-lo" (porque o eleitor paulista demonstra uma capacidade analítica na qual não há muito espaço para convencimento pelo discurso racional: ele tem um fraco bem forte pelo engodo). Uma vitória de Marinho seria de uma simbologia gigantesca, não apenas pela vitória no bunker tucano, como por se tratar de alguém da base do partido, um ex-sindicalista (por mais que o sindicalismo, fora as greves de 79/80, e em especial após a "rosa neoliberal", não seja nada muito animador), isso numa terra em que consumidores são chamados de "patrão" ou "empresário" - numa versão pós-moderna do "meu rei", gíria pretensamente baiana, com mais cara de novela da Globo.
O discurso de Marinho, conforme a entrevista, é um tanto solto, abstrato: questões de administração, de prefeitos a passar o pires, tentativas de "desconstruir" o discurso tucano - que é o discurso afinado com a grande mídia -, apontamentos ao que não foi feito nessas mais de duas décadas de Tucanistão - mais do que se fez. Tem sua experiência na prefeitura como atestado de conhecimento do manejo da máquina executiva, e por ter sido ministro da Previdência de Lula, pode tentar federalizar a eleição, num ponto muito fraco do governo golpista - e Doria Jr tem muitas declarações públicas de amor a Temer. Não se trata de pôr em questão sua competência, mas sua simbologia em um estado muito conservador: Marinho é do PT - o "partido do mal", conforme mídia e seguidores do pato (mesmo muitos dos arrependidos) -, é ex-sindicalista, e não há grandes feitos a apresentar como ministro da previdência, que não que não fez o que Temer tentou fazer. Marinho precisa encorpar seu discurso, além de tentar suavizar sua imagem para melhor deglutição desse eleitorado - não é tarefa fácil.
Haddad tem um perfil eleitoral muito mais palatável: descolado, bonitão (isso é besteira, mas influencia, e não se aprendeu com Collor), educado - professor universitário -, "aparenta ser de boa família, tem essa pinta de pai em propaganda do Itaú Personnalité" - como descreveu certa feita Antonio Prata [http://bit.ly/2Gzg3mE]. Marinho tem aquele jeitão de funcionário da "adm", um cara ok, que não desperta maiores suspiros - talvez seja excelente de palanque (virtual e real) e consiga reverter isso sem maiores dificuldades, mas começa atrás. Ademais, Haddad teria a vantagem de se contrapor diretamente a Doria Jr, comparando ações e intervenções enquanto prefeitos da capital: iria além de acusações e mostras do que Doria Jr não fez, apresentando ao mesmo tempo suas realizações - ainda sou da tese que se Haddad tivesse trocado um hospital por mais publicidade teria ganho fácil em 2016; apesar que acho que era estratégia eleitoral não fazer muita propaganda durante a gestão e aparecer como uma onda que leva tudo na campanha, mas foi traído pela mudança nas regras eleitorais implementadas para 2016, que cortou pela metade o tempo de campanha (de 90 para 45 dias).
Se Marinho talvez seja capaz de reanimar a velha militância petista, me parece que o foco, pela situação do país assim como pelo contexto eleitoral do estado, pede uma estratégia de vitória pelo caminho mais curto. Não se trata de vencer a qualquer custo, mas Haddad é visto com alguém do meio classe média, quase uma "pessoa de bem" infiltrada no PT - como foi Marta um dia e Suplicy ainda é -, o tipo de pessoa que não precisa se justificar tanto para ganhar simpatia dos conservadores: há o risco de termos que ouvir um "Rota na rua" novamente de um candidato petista - como Genoíno em 2002 [http://bit.ly/2Gur1cU] -, e isso é tudo o que não precisamos neste momento de golpe e violência cada vez mais aberta e "democrática" - mas pode ser vital para conseguir a vitória.
Como disse, a opção por Marinho é uma escolha que implica num enorme simbolismo em caso vitória - é por conta desse simbolismo que o preço para sua vitória é mais alto. É um candidato viável, com boas chances de vitória - o massacre midiático do PT está tendo efeito rebote e hoje é óbvio que o partido recupera um pouco da sua imagem, enquanto os demais derretem como gelo sob o sol de verão do Saara -, mas não é o nome mais forte do partido. Ao assumir o risco, o PT pode estar perdendo sua melhor oportunidade desde 2002 - e São Paulo perde mais ainda.

03 de abril de 2018

quinta-feira, 29 de março de 2018

Só sobreviverá quem não reagir? Alckmin e os próximos passos do golpe

Ouso dizer que Alckmin é um dos principais personagens a ser observado para entender os caminhos que o golpe desenha para o futuro - para além dos que estão na ribalta. Sua declaração inicial sobre o atentado ao ex-presidente Lula, durante a caravana no Paraná, não parece ter sido um mero "escorregão", como classificaram alguns jornalistas. Teria sido se as eleições de 2018 fossem correr em condições normais - livres com tentativas de golpes brancos. Não é o caso. Por isso a fala de Alckmin pode sinalizar um cálculo político além do eleitoral.
Alckmin, é evidente, é o nome do establishment - econômico, midiático, judiciário-policial, político. Reparem que falo "nome" e não "candidato": ainda que tecnicamente lhe caiba a condição de candidato, de alguém que almeja um cargo, falar em candidatura daria a falsa impressão de normalidade democrática, com eleições livres e disputa aberta entre concorrentes. Ele é o nome porque já foi escolhido para assumir o Planalto em 2019, falta apenas achar um jeito de dar um verniz legal a essa escolha das elites.
Em novembro de 2017, quando Alckmin mostrou tirou do páreo Dória Jr, ficou clara a estratégia para dar legitimidade ao escolhido pelos donos dos poderes, ao emergir como o moderado, diante dos extremistas Bolsonaro e Lula (?!). Houve até aproximação desse político santo com a esquerda (?!) do seu partido - sinal a ser interpretado como altamente positivo, mesmo sendo evidente toda sua hipocrisia: nestes tempos em que o fascismo avança e esquerda se torna não apenas palavrão como condição suficiente para violência "legítima" contra o outro, fazer o papel de político aberto a dialogar e ouvir todos os lados é um exemplo de avanço civilizatório.
Mas, ao que tudo indica, esse avanço civilizatório é dispensável para os rumos que se pretende impôr ao país, e Alckmin pôde dar vazão a uma persona mais autêntica, ao dizer os tiros de ruralistas-fascistas contra a caravana de Lula eram a colheita daquilo que o líder popular plantara. Alguém que não tem apreço pela vida de uma pessoa não precisa de esforço para não ter apreço pela vida de mais outra. Alckmin, redundante dizer, nunca demonstrou maior respeito pela democracia (fora dos pleitos) e pelos direitos humanos, ao legitimar assassinatos extra-judiciais, por parte de seus subordinados, de pessoas inocentes (lembrem-se que num Estado de Direito, até que se prove a culpa, a pessoa é inocente), desde que fossem pretos pobres periféricos. Dizer que Lula colhera o que plantou foi apenas uma nova apresentação para seu "quem não reagiu está vivo", ensaiado dois dias antes pela "jornalista" Eliana Cantanhede, quando esta expressou sua preocupação com a caravana estar reagindo aos ataques sofridos - ataques legítimos, pelo que ficava claro no não-dito da frase. Sobrou por parte de outros políticos, expressar o pathos democrático surgido do golpe desde Curitiba: quem provoca pode apanhar e levar tiro - e por provocação pode-se entender querer fazer uso do direito constitucional de ir e vir por vias públicas de acordo com as leis de trânsito.
Contudo, não creio ser apenas o desabrochar da crisálida tucana, há ali cálculo político. A ida e vinda, de se desdizer no dia seguinte, não deixa de ser majoritariamente positiva para o bom moço da Opus Dei. Dois cenários justificariam a frase de Alckmin - e seu recuo.
O primeiro, mais positivo, vamos dizer assim, o governador paulista faz um cálculo visando as eleições previstas de outubro: sem Lula no páreo e ainda sem força para encostar em Bolsonaro (supondo que este também não será impedido de concorrer, possibilidade factível para dar verniz de imparcialidade ao judiciário), sua frase mostra o abandono do corte de político de centro para um mais à direita, imaginando que a disputa seria com Bolsonaro - se não pela vitória, por uma vaga no segundo turno. Seu recuo posterior pode ser reinterpretado na temporada eleitoral como um ceder ao "patrulhamento ideológico" das esquerdas - num segundo turno contra um nome progressista. Ou pode ser usado - se for para buscar votos na esquerda - como um mero lapso, e melhor votar nele que em Bolsonaro.
O outro cálculo que o governador pode estar fazendo seria o de agradar não o eleitorado geral, mas de um possível colégio eleitoral. É certo que não há nada na lei que fale em eleições indiretas para presidente, entretanto tampouco há o crime de não possuir um imóvel, e isso não impediu a condenação de Lula por não ter adquirido um imóvel que um juiz e uma emissora de tevê queriam que fosse dele.
A frase de Alckmin tanto contribui para a construção da narrativa da prisão de Lula - necessária até para a segurança do ex-presidente -, como o gabarita para uma eleição via congresso ou senado - que se não for o atual, será tão ou mais conservador, ao que tudo indica -, e o legitima perante as forças repressivas que detém o poder de fato no país (judiciário, polícia, militares). Em suma e em conclusão: o "quem não reagiu está vivo" deve ser a palavra de ordem dos golpistas, com o ponto que quem define o que é reação são os reacionários - como reportagem sobre a caravana de Lula no Rio Grande do Sul, quem foi armado intimidar partidários do ex-presidente foram policiais da brigada militar [http://bit.ly/2Ijhxha], se um destes tivesse reagido, teria pedido... como pediu a democracia, ao reagir contra o 1% dando voz à população, reagiu: foi alvejada, e agora luta para não morrer. Bem feito.

29 de março de 2018