quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Martão, aprendiz de Rivarola em como ser inconveniente [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça]

Já comentei alhures do colega Rivarola, o doutor Sabujinho do setor. Um colega servil com os chefes, desleal com os colegas e assediador das colegas. Um tipo feio, que parece figurante d'Os Simpsons, inconveniente, chato e de piadas precárias. 

Sempre me pergunto se alguém consegue achá-lo interessante, e penso que sua esposa tem uma auto-estima sofrível para aceitar estar com ele - porque se concordasse com as ideias liberais dele, teria largado um fracassado desses, que mesmo com doutorado no exterior e MBA numa das melhores escolas do Brasil, foi por um tempo motorista de Uber, como forma de complementar a renda, pois o sustento quem leva é a esposa (até hoje o salário dela é superior, mesmo eu não sabendo quanto ela ganha). E pior que nem é porque ele não aprendeu nada nesse MBA - o problema é mesmo de incompetência.

Uma coisa que aprendi com chefes formados nessas “melhores escolas” é que assédio moral e terror psicológico são a maneira de gestão de pessoas preferidas deles. Não conheci um chefe liberal dessas escolas que não fosse um filho da puta sem escrúpulos e ética. Pois foi com a chegada de uma nova colega, a Lima, que notei todo o esquema pelo qual Rivarola mescla assédio sexual com o moral. Na verdade, essa deve ser a única chance de conseguir dar uma escapada da “patroa” (provavelmente ele deve usar esse termo na roda dos amigos da igreja) sem precisar pagar para um prestadora de serviços sexuais, injustamente mal afamadas (e não há ironia nessa frase). Uma moça novinha, pouca experiência de vida, menos ainda de mercado, recém chegada a uma grande empresa costuma chegar sempre acuada: vai ser difícil se levantar contra o assédio - de um colega que parece tão popular e querido, ainda por cima -, e pôr seriamente em risco o emprego recém conseguido.

Acho que sua esposa sabe o marido que tem e por isso não se incomoda de ele ser esse galanteador fajuto, pois nunca vi suas empreitadas terem sucesso - que fosse um segurar a mão mais longamente (sem ser em joguinho pré-adolescente dele), uma bitoquinha, uma troca de olhares calientes, nada, nem no serviço nem nas confraternizações. Desembargador discorda, diz que apesar de ele ser acabado e desagradável, deve conseguir, sim. Meirelles não acredita, e se arrola o local de fala de mulher sensata. Nisso eu que preciso discordar dela: pois se ela é, sim, sensata, isso não vale para todo mundo - a começar pela esposa do doutor Sabujinho. Sem argumentos, ela resmunga concordância e admito ter ganhado o dia aí, porque consegui ser mais rápido que a Papa Léguas do raciocínio, logo eu, que sou sempre o último a entender as piadas, quando entendo. Todos democratas no grupo, recorremos aos princípios da pólis ateniense, e para não perder tanto tempo discutindo o sexo do anjo, fizemos uma votação, cuja tese vencedora foi a de ele não consegue nada, digo, que ele segue os mandamentos da igreja e é fiel, até que se prove o contrário.

Pior que nem era dele que eu queria falar. É da minha suspeita, despertada com a chegada da colega Líbero e confirmada agora: Rivarola está fazendo seguidores. É Martin, que quase tem um chilique se não falamos “martãn”, com esse ã francês bem assinalado, de onde eu prefiro chamá-lo logo de Martão, e me justifico com minha caipirice de quem fala “croisã” na padaria - e com recheio, ainda por cima! Enfim, Martão chegou pouco depois de mim no setor, não parece personagem decadente d'Os Simpsons, mas o Batatinha com pitadas do Gênio, da turma do Manda Chuva, da Hanna Barbera, só que insosso e muito bobo (por falar e Hanna-Barbera, sim, eu sei que se eu puser um chapéu e um suspensório verde eu pareço o Zé Buscapé). Quer dizer, eu achava ele muito bobo até isso - agora já está em outro patamar.

Pois na apresentação de Lima, ainda no grupo de whats, um dos colegas foi traído pelo corretor e soltou um “seis bem vinda, Lima” (a vírgula do vocativo fui eu quem pus). Demos todos as boas vindas virtuais, ainda que minha vontade fosse dizer “pêsames, você veja que merda o capitalismo faz com a gente: você vai ter que trabalhar aqui, e nem é o pior lugar”. Na segunda-feira, quando chega a infeliz para o trabalho presencial, Rivarola, tendo feito a avaliação da colega e achado que vale a pulada de cerca que ele tanto deseja, não perdeu tempo e para o setor todo ouvir soltou um “Seis bem vinda, Lima! Bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda”, com amplo e bôbo gestual - um pateta ridículo. Algumas pessoas deram uma risadinha amarela, uma que outra pessoa achou graça (certeza que é liberal e votou no coiso, ao menos no segundo turno), Lima ficou sem graça, visivelmente acuada, mas sorriu, ia fazer o que?; Carnegie ficou puto, como sempre, mas não sei como conseguiu não falar alto, permitindo que só nós da baia ouvíssemos: 

Esse filho da puta é engenheiro e não sabe nem contar: deu sete bem vindas, porque teve o primeiro. E, por fim, concluiu: sete é o número da mentira.

Achávamos que a cena constrangedora de assédio na frente de todos já tinha acabado, mas eis que entra em ação Martão, e mete os mesmos sete bem vindas de Rivarola.

Martão se perdeu no desenho e achou que o cósplei magro do Barney Gumble é o Manda Chuva.

Com essa minha frase arranquei mais risadas dos colegas próximos que Rivarola da sala toda.

Uma discussão até começou, mas preferimos pensar melhor, com calma, em casa. Para amanhã, se nada mais urgente aparecer, na nossa conversa de pós almoço iremos deliberar se o paspalho-mor do setor é Rivarola, o doutor Sabujinho, pela originalidade, ou Martão, o Batatinha-Gênio, por nem isso ter e imitar uma pessoa desnecessária, que talvez só ele veja como alguém legal.


13 de dezembro de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Sobre os tempos que não voltam mais [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça]

Estávamos conversando aleatoriedades no pós almoço e acabamos entrando no papo “de um tempo que não volta mais”, como diz o poeta - ainda que esteja pra ver tempo que volte (a não ser como farsa), e mesmo ver algum poeta de verdade usar uma frase tão ruim. Enfim, conversávamos sobre nossa juventude, em especial os tempos de faculdade. Quem falara até então fizera questão de contar seus feitos pretéritos - quase difíceis de acreditar, a se ter como parâmetro as tristes figuras atuais, Dons (e Donas) Quixotes derrotados pelos moinhos de vento (ok, exagero, estamos todos ótimos, nem parecemos tão velhos assim).

Nisso, Macedo, talvez também descrente daqueles feitos todos, resolveu encarnar o Álvaro de Campos, e sem mudar o assunto, resolveu diversificar o tom da conversa, ao melhor estilo do Tabucchi: “Perguntei-lhe sobre aquele tempo, quando ainda éramos tão jovens, ingênuos, impetuosos, tontos, despreparados. Algo disso restou, menos a juventude - me respondeu”. Contou dois de seus feitos em não conseguir ficar com ninguém.

Eu ia perguntar se ele estava contando isso para provar aos solteiros da mesa que um início pífio não necessariamente não culminaria num final feliz, redentoso - e esse papo good vibes era mais a cara do Carnegie, que já tinha contado seus feitos futebolísticos, que só não tinha virado um grande astro ludopédico porque se recusava a vestir um uniforme que não fosse verde, e o seu amado clube não o quis, digo, ele teve outras prioridades e precisou abdicar do esporte -, mas Goreti se intrometeu e interjeitou, cabal: 

Esse é dos meus!

Como assim? Não entendi e pedi para ele se explicar. 

Empolgado, contou que não era só um pega ninguém (palavras dele), como ainda conseguia se queimar com as garotas nas baladas: no meio da tentativa de corte vinha uma frase absolutamente infeliz, e a seguir, rapidamente, a consciência de que tinha falado merda e perdido a chance - só não mais rápido que havia sido pra proferir tamanha groselha. Preferia nem se alongar muito, e como o atacante que perde o gol a dois metros do travessão e sem goleiro, isolando a bola nas arquibancadas, ele perdia o gol e já saía para buscar a bola e não voltar. 

Pior - continuou ele -, dei fora em duas garotas que eu estava super apaixonado. E contou os casos. 

Me sensibilizei com sua tentativa de não deixar Macedo sozinho como o fracasso juvenil, mas éramos da mesma faculdade e eu conhecia sua fama.

Que fama?!

Achei manjado esse lance de se fazer de humildão, depois de desentendido. Entretanto, me pareceu tão convicente nessa atuação que resolvi entrar no jogo e ver até onde iria.

A de mineirinho come quieto.

De onde você inventou isso?!

Inventei coisa alguma, era sua fama!

De onde inventaram isso?!

Ué, sempre tinha um monte de mulheres correndo atrás de você, você acha que a gente não sabia que você devia ficar com a maioria delas, só não saía contando por aí.

Que mulheres correndo atrás de mim?!

Muitas! Você arrancava suspiros apaixonados, quase o Tom Cruise da faculdade (só se for no tamanho da napa, ele pontuou). Era um dos mais requisitados! Disse o nome de três delas. Ele murchou e disse que era apaixonado pela primeira citada.

Pois ela era por você, achamos que vocês tinham ficado, não tinha dado liga e por isso ela parou de falar de você. Na verdade todo mundo achava que você tinha ficado com as três.

Certo, as mais cobiçadas da faculdade, totalmente factível! Quem mais?

Disse mais uma.

Ela não me achava com cara de psicopata?

Isso você soube, é? Mas uma coisa não invalida a outra.

Vai ver ela tinha uma paixão pelo perigo - completou Macedo.

O perigo com o Goreti é a de morrer esperando - contra argumentou Meireles.

Garantiu que não tinha ficado com ela também, porém ainda não me convencia que não era o galã pega todas da faculdade, por mais que Meireles confirmasse que já tinha ouvido suas histórias de fracasso. Sem falar que isso acabava até com a moral da história do Macedo (ao menos a que eu tinha imaginado), já que Goreti era um dos solteiros da mesa - e é solteiro não por convicção.

Com quem você viu eu ficando, ou soube de boa fonte, salvo minha namorada do primeiro ano e a ficante do último semestre?

De fato, eu nunca tinha visto ninguém além dessas duas, e ninguém tinha nunca contado uma fofoca do tipo. Mas e a fama?

Eu quem pergunto: por que você nunca me avisou?!

E eu lá ia saber que você não percebia as mulheres caindo em cima de você?

Porra, eu com essa fama toda e não pude aproveitar! E você só me conta duas décadas depois!

Macedo, talvez um pouco decepcionado por ver que seu caso era menos de competência e mais por outros atributos, assim como abriu, fechou o assunto:

Pois veja pelo lado bom, caro colega: ficou com a fama sem ter tido todo o trabalho.

Achei justa a colocação, Goreti é que já vai para mais de uma semana desolado com os tempos que não voltam mais.


09 de novembro de 2023


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.