Mostrar mensagens com a etiqueta João Doria Junior. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta João Doria Junior. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Eleição paulistana: disputa pela sobrevivência

Desde a ascensão do PT ao executivo federal os analistas políticos da grande imprensa (que entendem tanto de política quanto Miriam Leitão de economia e eu de modelagem teórica em monocamadas anfifílicas) tentam ligar as eleições municipais a uma prévia da presidencial de dali dois anos, como se fosse um equivalente às eleições legislativas de meio de mandato no Estados Unidos. Erram sempre, claro, porque o objetivo é criar uma narrativa de início de decadência do PT, que se consumaria na próxima eleição federal. Nas eleições de 2016, por conta da polarização política conseguida pela extrema-direita (bem ao gosto do fascismo e nazismo do século XX), consagrada com o golpe de estado encabeçado por Temer e Serra, e com o desenho institucional de uma "ditadura pós-moderna de linhas neofascistas", ao menos nas grandes cidades, talvez a política federal tenha  - finalmente! - alguma relevância na decisão do eleitor. Entretanto, na principal cidade do país, São Paulo, o que chama a atenção é o enredo de reality show que a eleição deve ganhar. Não se trata apenas de vencer a disputa, mas de sobrevivência política. Com um adendo a mais: não se sabe se e em que condições o vencedor concluirá o mandato, ainda mais se for Erundina ou Haddad.
Em fevereiro, quando Datena desistia da disputa e Erundina ainda não era cotada, Haddad podia ser considerado favorito [http://j.mp/cG160201]. Com o grau de perseguição e ódio ao PT que superou as expectativas dos mais entusiastas goebbelsianos e a entrada de Erundina, a situação se complicou ao atual prefeito, que está longe de ser carta fora do baralho, ao contrário do que apregoa a grande imprensa. Convém lembrar que os institutos de pesquisa tem índice de acerto de 0% nas suas pesquisas de boca-de-urna (como bolão, Ibope, DataFolha e afins chegam perto dos 50%, mas pesquisa estatística e bolão são significativamente diferentes [http://j.mp/cG10410]). Não por acaso, pesquisas internas de partidos e candidatos são feitas por outros institutos, que numa estratégia de mercado optaram por não divulgar resultados na imprensa, e garantir seu ganha pão com índices de acertos relevantes (ouvi isso de um professor de estatística, dono de um desses institutos menores mas mais bem conceituados). Mesmo assim admito; é difícil pensar que tudo o que se vê na grande imprensa sobre as pesquisas de intenção de voto seja mentira - mas ouso dizer que se não é tudo é quase tudo: o The Intercept mostrou como Folha de São Paulo não tem nenhum pudor em manipular e distorcer dados (Globo, Veja e quetais menos ainda) [http://bit.ly/2bcjdbG]. Enfim, faço uma breve análise dos principais candidatos do pleito:
João Doria Junior, PSDB: o azarão
Dos principais candidatos, apenas Doria Junior pode perder: o PSDB não possuía nome para a disputa (graças a seus caciques personalistas, que não permitiram a emergência de outras lideranças), e Doria Junior foi ungido para ser escada do Milosevic bandeirante, Alckmin, no seu plano de alcançar a presidência de nossa república bananeira. Disputa a prefeitura para ganhar visibilidade com vistas à eleição estadual em 2018 (se houver eleições em 2018). Tem pequena chance como voto útil contra as esquerdas, caso Russomano abra a boca e desidrate, como em 2012, e Marta não consiga anular o fato de ser ex-petista. Seu veto a Erundina participar dos debates televisivos mostra que sua preocupação maior é combater as esquerdas e não vencer as eleições.
Luiza Erundina, Psol: para provar que é alternativa
Mais que Erundina, quem testa sua sobrevivência nas eleições de 2016 é o Psol. Vencer a disputa na capital paulista seria sua consagração como alternativa de esquerda ao PT. Ainda que uma derrota não seja desastrosa para a legenda nem para a candidata, dificultará a construção de um discurso para 2018 (se houver eleições em 2018). O problema da candidatura de Erundina é se resolver centrar fogo em Haddad, como alguns de seus apoiadores têm feito: além de ajudar a enfraquecer a esquerda como um todo, num cenário de criminalização goebbelsiana das esquerdas, seu passado tem deslizes que contradizem abertamente seu discurso atual. Seu ponto forte é que deve ter a militância mais aguerrida da disputa, o que pode fazer diferença num eleitor de esquerda hesitante entre ela e Haddad e a força de cada um no segundo turno.
Celso Russomano, PRB: o candidato sabonete não pode falar
Em 2016 Russomano precisa provar que é capaz de disputar de verdade uma eleição majoritária: se fizer o papel de cavalo paraguaio novamente deverá se consolar com eleições legislativas, apenas. Em 2012, tão logo abriu a boca para fazer uma proposta política, perdeu votos e ficou fora do segundo turno. Promete não fazer muito diferente em 2016, de modo que ameaça não participar dos debates no primeiro turno - sua sorte também é o menor tempo de campanha. Tem ido em busca dos viúvos do Datena, assumindo discurso militarizado e de repressão. Uma de suas promessas é de revista geral para garantir que só os "cidadãos de bem" circulem pelo centro da cidade: proposta capaz de desagradar parte de seu eleitorado - pretos pobres periférico - sempre vistos como suspeitos, que ganhariam uma revista bônus da polícia e da GCM, sempre que resolvessem sair de casa. Também pesa contra o político ser do partido da Igreja Universal do Reino de Deus - para sua sorte o pastor-estuprador Marcos Feliciano apenas declarou apoio, não havia chegado a gravar um vídeo. Ainda assim, tem grandes chances de ir para o segundo turno, se ficar quietinho. Ganhar a eleição, dificilmente. Se não cair nas pesquisas, deve ser poupado de ataques no primeiro turno: Marta, Haddad e Erundina sabem da fragilidade do adversário, e que quem for disputar com ele tem boas chances.
Marta Suplicy, PMDB: tudo ou nada
Numa disputa onde todos tem muito a perder, quem está com a pele mais em risco é Marta: derrota em 2016 pode significar o fim da sua carreira política (pressupondo a continuidade de certa democracia). A disputa à prefeitura serve para pôr à prova se seu capital político é mesmo dela, ou é do PT. A sexóloga homofóbica (basta lembrar a campanha contra o Kassab, em 2008) abandonou o PT ressentida e assumiu o discurso mais tacanho da grande imprensa: defendeu a moralidade e o fim da corrupção ao lado de Temer e Eduardo Cunha, se aliou a Serra na entrega do pré-sal, foi voz ativa dos golpistas na farsa do impeachment, e até se disse vítima de "racismo reverso", por ser loira de olhos azuis. Resta saber se isso será suficiente para que ela perca a pecha de petista para o paulistano classe-média típico - até que prove o contrário, Marta é o mais petista dos candidatos. Seu ponto forte está na periferia, ainda em conseqüência de sua gestão à frente da prefeitura, em governo bastante personalista. Ganha votos também graças ao discurso de destruição do PT, e ao erros de publicidade da gestão Haddad. Entretanto, por estar aliada ao que há de mais nefasto na política nacional, pode perder parte do seu capital político numa periferia que não tem vocação para massa de manobra. Deve fazer uma campanha das mais vis, de fazer Regina Duarte mirim no seu discurso do "eu tenho medo", centrando ataque contra Haddad e Erundina.
Fernando Haddad, PT: a negação da tese, novamente?
Em 2012 Haddad já foi a negação da tese da grande imprensa, judiciário e grande capital (o triunvirato da ditadura pós-moderna em que vivemos): mesmo com julgamento do chamado mensalão do PT nas manchetes de todos os jornais, o petista conseguiu ganhar a prefeitura paulistana, derrotando ninguém menos que o cacique tucano José Serra. Mas o discurso de 2012 era primário perto do que foi feito desde então, em especial desde a eleição de 2014: o objetivo não é mais derrotar o PT, mas destruí-lo, aniquilá-lo (ao gosto nazi-fascista de Coronel Mendes, irmãos Marinho, PSDB paulista e asseclas menores). Vencer a eleição de 2016 seria a prova de força do PT, mais que do candidato, apesar de tudo o que tem se passado. A seu favor, Haddad conseguiu construir uma imagem desvinculada do partido, a exemplo de Eduardo Suplicy, vencendo barreiras, inclusive, nos cinturões endinheirados da capital. Sua fraqueza estaria justo onde o PT costuma ser mais forte: nas periferias - ainda mais depois de Erundina ter entrado na disputa. Também é ponto fraco o pouco conhecimento da população acerca das ações de seu governo - ações que não são visíveis, mas são sentidas e foram fácil e rapidamente incorporadas ao dia-a-dia do paulistano, como o bilhete único mensal -, e o tempo reduzido de campanha, aprovado pela mini-reforma eleitoral Cunha-Dilma. Esse desconhecimento, contudo, pode ser o seu trunfo: se conseguir reverter os índices de rejeição que os institutos de pesquisa lhe atribuem e ter um crescimento significativo, é capaz de se tornar uma onda difícil de ser parada - para isso, é importante a militância não aceitar o discurso da grande imprensa de candidato derrotado. Por ora tem centrado ataques em Marta, Dória e Russomano, como forma de não deixar dúvidas como candidato de esquerda.

Com a situação dada, é difícil arriscar um favorito. A grande imprensa fará seu papel: desinformação, boatos, mentiras, acusações e reportagens e entrevistas tendenciosas, com o principal objetivo de tirar os dois candidatos de esquerda do segundo turno. As campanhas oficiais louvarão os pontos positivos de seus candidatos, e na internet, padrão-Veja de ataques e boatos deve ser a norma. Esta é, contudo, uma eleição extremamente peculiar, seja pelo contexto nacional, seja pelo contexto dos candidatos - poderia fomentar um rico debate político, mas tudo o que os donos do poder querem agora é política nos debates. A esperar se e como Haddad e Erundina contornam essa interdição, e são capazes de ventilar um mínimo de inteligência num ambiente marcadamente neofascista.

22 de agosto de 2016



terça-feira, 10 de maio de 2016

A extrema-direita brasileira em busca de um Trump pra chamar de seu

A extrema-direita brasileira ainda se bate atrás de um nome viável de assumir o executivo federal - mas também os estaduais e municipais. Seu movimento legislativo é clarividente e tem dado resultados: via bancada BBB (boi-bala-bíblia) deixou de ser uma força capaz de barrar propostas contrárias às suas bandeiras e hoje é capaz de impôr sua pauta - cujo ápice, por enquanto, vem desde que assumiu a presidência do Congresso Federal, com Eduardo "Capone" Cunha. Para o executivo, contudo, os nomes alentados não têm força para ganhar uma majoritária no curto prazo - conforme comentei em crônica passada [http://j.mp/cG160430]. Esse desfilar de nomes de alto impacto e pouco resultado, entretanto, tem servido para desviar a atenção de uma extrema-direita que cresce, se organiza e que se não ganhar o poder agora, via impeachment-golpe, deve ganhar em breve via golpe branco em parceria com a sempre presente Globo e demais veículos da Grande Imprensa, e com setores do judiciário que fazem justiçamento e não justiça - quando não fazem simplesmente gangsterismo, como é o caso de notório ministro do STF. 2022 é o mais provável, porém pode acontecer já em 2018. A forma como reverteram as chamadas "jornadas de Junho de 2013", de um movimento contestatório de esquerda para uma marcha reacionária de direita, mostra seu poder de organização: eles precisam apenas de um rosto que encarne um Führer tropical e pós-moderno.
Enquanto o PSC de Feliciano e Bolsomico se apresenta já sem quase nenhum disfarce como o partido neofascista do Brasil - mas tem seu teto baixo para o curto prazo, até por questões culturais [http://j.mp/cG160506] -, outra corrente neofascista se arma em um partido mais bem estruturado e com discurso mais palatável à cordialidade brasileira. Trata-se do PSDB, em especial da corrente paulista ligada ao atual governador Geraldo Alckmin.
Alckmin é o bom moço de fala firme mas sem extremismo (aparente), que vai à igreja (católica), defende a meritocracia (que seleciona sempre os mesmos e seus filhos, por coincidência), sem mácula de corrupção (como nos bons tempos do militares) e tem o dedo sempre no gatilho para matar quem reagir (e quem é da periferia sabe que se entregar é reação punível com execução sumária). Tudo bem ao gosto das viúvas de 64 mais recatadas, e dos incautos que viram na educação um meio e não um fim, e hoje desfilam com o mesmo orgulho sua ignorância diplomada, suas viagens para roteiros turísticos kitsch e seus carros importados blindados.
A Alckmin, entretanto, falta presença midiática: se seu banho publicitário fez com que superasse seu carisma de picolé de chuchu, ele se mostra pouco viável para discursos inflamados, como os seguidores do grande pato fascistas sinalizam buscar. Aécio Neves sonhou ocupar esse espaço e até ensaio vôos mais altos: com ajuda da Grande Imprensa, desde a eleição têm levantado uma cortina de fumaça para disfarçar seu passado, fez um "recall" no seu visual, em 2015, surgindo mais modernex, ao estilo playboy collorido, e radicalizou o discurso moralista-salvacionista, apesar das eleições terem terminado há tempos e ele ter sido derrotado. Sua tática tem virado pó: passou a disputar o mesmo nicho que Bolsomico, e é evidente que vai sendo sugado pelo neofascista puro-sangue. O outro nome do partido, José Serra, é outro político muito tradicional e pouco midiático, mas não convém subestimá-lo, pois para atingir seu objetivo pessoal de se tornar presidente do Brasil, não teria problemas em adotar o modelito nazi-fascista, stalinista, verde e até mesmo democrático, conforme o que melhor couber para a ocasião - é capaz de implodir o PSDB, se isso for necessário, para ser candidato à presidência.
Em suma, tirando o nome-hecatombe tucana de José Serra, o nome-chave do futuro do PSDB é Geraldo Alckmin. Como havia comentando em outra análise, a eleição paulistana deste ano "pode ser uma verdadeira refundação do partido, ou selar o seu fim enquanto opção política democrática para o país (João Doria seria a assunção do papel de legenda proto-fascista, a espera de Luciano Huck para presidente) [http://j.mp/cG160201]. Doria Jr, apadrinhado de Alckmin, levou, e é o nome a ser observado com muita atenção nestas eleições: é o primeiro ensaio de um Trump tupiniquim. Como seu colega estadunidense, para além de empresário de sucesso, já buscou a fama na indústria cultural - na versão brasileira do programa que consagrou Trump. Seu discurso é um equilíbrio publicitário entre Alckmin e Bolsonaro, a fala firme, mas sem extremismos do primeiro, e o discurso de ódio do segundo. Mais up-to-date que Bolsomico, Doria Junior não perde tempo em lamentar o fim da ditadura civil-militar e do Comando de Caça aos Comunistas, mas seu programa modernizador consegue, em certa medida, andar ainda mais para trás, sem por isso deixar de ser atual: reafirma o mito do vencedor brasileiro, identificado, primeiramente, com o automóvel próprio; a seguir, reafirmar esse brasileiro vencedor através do desdém com a urbe e tudo o que é público: o tal "Estado mínimo" por ele defendido não é outra coisa que redução de tudo que o que é público - inclusive o espaço público, a convivência pública, o debate público - ao seu mínimo, na impossibilidade de reduzi-lo a zero. Mais do que eventual cabo-eleitoral para Alckmin em 2018, Doria Junior é um teste de candidato-midiático por um partido estruturado e sem limitações de credo religioso - como o caso de eventuais candidatos por PSC ou PRB.
Alckmin é o nome-chave desse neofascismo com sede no PSDB do Tucanistão (outrora São Paulo, a locomotiva do Brasil, que hoje parece buscar novamente essa alcunha, restando apenas achar um Auschwitz paulista), também por o que tem demonstrado em seu governo: uma política militarizada até o limite que a ordem democrática suporta (ou já não suporta), tratando movimento sociais e reivindicatórios como criminosos, populações periféricas como culpadas (e passíveis de serem executadas legitimamente por seus comandados) - a ponto de seu secretário de segurança, Alexandre de Moraes, um nome à altura de Fleury (o delegado ou o governador), ser cotado para a pasta da justiça e direitos humanos de um eventual e temeroso governo Temer  -, e com ampla conivência da Grande Imprensa - é de se imaginar como não será a anti-cobertura de um eventual governo de um empresário, ou então de um egresso da própria Grande Mídia.
Bolsonaro e o PSC não devem ser tratados como irrelevantes ou folclóricos, mas estão longe de ser o principal perigo a todos aqueles que defendem a efetivação da democracia e os direitos humanos nestes Tristes Trópicos. O conluio entre forças reacionárias, Fiesp, grande capital internacional, Grande Imprensa e PSDB de Alckmin promete muita instabilidade política e social para os próximos anos - percam ou ganhem as próximas eleições. A mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais precisa ser de grande intensidade e permanente, sob o risco de retrocessos perigosos nos pequenos avanços conquistados desde o fim da ditadura civil-militar.

10 de maio de 2016