domingo, 24 de março de 2024

Minha beleza peculiar [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Meu Brotinho tenta ser uma boa pessoa e sincera, sempre que possível - e nem sempre é possível, aí ela acaba ficando calada. Já eu, também tento, mas muitas vezes deixo a sinceridade falar mais alto. E o Broto tem como um de seus principais defeitos a dificuldade em aceitar críticas, o que faz com que discutamos seguidamente sobre os mesmos assuntos, em especial, sobre seu mau gosto.

A primeira vez aconteceu pouco depois de ela me mostrar fotos de alguns de seus ex: era um mais feio que o outro. Não disse nada de início, mas ao me ver no espelho, no fim daquele mesmo dia, vi que ela seguia um padrão, e precisei admitir que eu também sou provido de marcado comedimento estético. Comentei com ela no nosso encontro seguinte, da minha sorte por ela ter mau gosto para homens, ao que ela se ofendeu. E segue se ofendendo, sempre que a recordo disso - quando ela quer mudar a decoração da minha casa, por exemplo. A história parece esquete de humor repetida à exaustão, sempre que recuso alguma sugestão ligada à estética por parte dela.

Vai dizer que agora você não confia no meu bom gosto?

Olha para ela com meu olhar 46, aquele assim, meio de lado, já descrendo, indo embora (sim, fugi da métrica), fazendo meia careta, apesar da admiração, e ela sempre pergunta:

Que foi?

Bom gosto, meu Broto? Desculpa...

Ela se emputece (fica até mais bonita nessas horas), enfileira filmes ou peças de teatro que me indicou e eu gostei, como se isso fosse prova de bom gosto. 

Claramente ela acredita nessa história de cara-metade e, pior, que a tal cara metade é seu espelho e não seu negativo. Como eu disse, apesar da sinceridade, tento também ser bonzinho, então evito constrangê-la, e nunca perguntei no que eu seria esteticamente belo - e ela também, além de dizer genericamente que eu sou bonito, nunca conseguiu fazer nenhum outro elogio: seu amor à sinceridade a impede. Claro, isso não quer dizer que eu não tenha minhas belezas interiores, ou não seguiria comigo - mesmo eu sendo um baita mão de vaca que já fez ela subir a Augusta de salto agulha, sob a desculpa de que o trânsito ali nos faria ficar parados e vulneráveis a assaltos, quando era óbvio que o problema era gastar para andar tão pouco (e, confesso, esse nível de emputecida não deixa ela mais bonita).

Mas as coisas mudaram, e após mais de um ano, finalmente ela me elogiou por algo específico! Sei lá o que estávamos fazendo (na verdade, eu sei, mas deixa quieto), sei que ela pegou meu braço e quase o torceu:

Olha isso!

Que foi?!

Perguntei assustado, imaginando que havia algum problema, um furúnculo, um osso fora do lugar, uma pinta que mostra um melanoma avançado.

Que cotovelo hidratado!

Hein?

E você nem passa creme, né?

Não...

Pois, então, é muito difícil ter um cotovelo hidratado assim!

Pois é, ela achava finalmente o que me elogiar: meu cotovelo hidratado. Achei que estava tirando sarro, mas não estava. E ficou tão empolgada com isso que, dias depois, quando encontramos com Fernández FDT, ela fez questão de mostrar meu cotovelo para ele.

Olha, olha que cotovelo hidratado ele tem!

Ele concordou, ainda que sem entender muito o porquê daquilo. Até perguntou se o dele não era também, ao que meu Broto fez uso de sua sinceridade sem abandonar sua boa pessoa:

Até é hidratado, perto do normal, mas nada se compara ao do Sérgio!

Tive a impressão de que Fernandez ficou com inveja de meu cotovelo. Já eu, agora sei do que posso me gabar esteticamente: de meu cotovole hidratado.



24 de março de 2024.


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

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