terça-feira, 11 de março de 2003

Na educação, oxigênio

Finalmente, depois da mais pura treva, da mais assustadora ignorância, o Ministério da Educação tem a frente um ser pensante, que pode ser classificado sem ressalvas como humano. Não que Cristóvão Buarque seja perfeito, muito pelo contrário, mas ele já mostrou que é humilde a ponto de voltar atrás quanto a algumas posições defendidas. Algo diametralmente oposto ao seu antecessor, neoliberalóide de quinta categoria, egocentrista, autoritário, orgulhoso, ambicioso inescrupuloso e anti-ético (ufa!), e que teria sido melhor que ministério permanecesse vazio enquanto ele era ministro.
As boas novas escutei pelo rádio: Cristóvão Buarque pretende aumentar o ensino médio de três par quatro anos. Acho que somente isso não é solução para o despreparo com que os estudantes têm entrado na universidade, mas já é um começo. Outra proposta dele é oferecer bolsa de estudos a alunos carentes (bolsas de estudos, não financiamento, tal como ocorre hoje), em troca de trabalho comunitário, em especial os de alfabetização. Domenico de Masi, sociólogo italiano, em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, sugeria exatamente isso para acabar com o analfabetismo no Brasil: a utilização dessa mão de obra ociosa e potencialmente questionadora que são os universitários.
Pode ser que desse ponto surja uma idéia ainda melhor, por que não? Só da questão ser posta em debate (e o que é mais importante: as idéias daí surgidas serem pensadas e pesadas pelo governo) já é uma enorme evolução, comparado aos anos despóticos de FHC e sua corja.
Se na economia Antônio Malan Palocci nos decepciona e nos enoja, nas demais áreas o governo começa a mostrar a mudança prometida.

Campinas, 11 de março de 2003

sexta-feira, 7 de março de 2003

Deixar uma marca

O mundo anda uma coisa tão sem graça hoje em dia que é preciso ser criativo para conseguir se divertir. Pior, hoje todo mundo é famoso, todo mundo vive seus quinze minutos de fama, seja no programa do Ratinho, seja no Big Brother, a vida só passa a valer a pena depois que nos tornamos famosos, nem que seja por um curto tempo, nem que nosso rosto não apareça.

Deve ter sido mais ou menos esse o raciocínio dos sete estudantes do Distrito Federal que incendiaram um quarto de uma pousada em Nova Viçosa (Bahia). Dos sete estudantes, três cursam direito (Fernando Henrique Rocha, Fabiano Henrique dos Santos e Allan Guilherme de Brito Mota), um veterinária (Rafael Seiça), um relações internacionais (Rodrigo Fernando dos Santos) e dois o ensino médio (menores de 15 e 17 anos).

Infelizmente os sete amigos tiveram muito azar. Haviam construído uma bomba caseira para “deixar uma marca na cidade” que deveria explodir somente depois que eles já estivessem longe de Nova Viçosa, mas um atraso de dez minutos na partida do ônibus fez com que a bomba explodisse ainda quando se encontravam no hotel. Outro azar foi que o incêndio foi controlado a tempo, não se alastrando aos demais quartos da pousada, onde estavam hospedados 280 pessoas. Shit happens, como dizem na metrópole.

Eu sei que falar em valores hoje em dia é caminhar por um campo minado: são grandes as chances de cair ou num niilismo desesperançado ou num conservadorismo tosco, no melhor estilo TFP (Tradição, Família e Propriedade), mas vale questionar quais valores norteiam nossas vidas hoje em dia.

Os jovens, ao que tudo indica – eram estudantes universitários, estavam numa excursão de carnaval –, não eram de classe baixa, não devem ter crescido nos morros e tido “bandidos” como heróis e paradigmas de vida.

Eu já costumo ficar estarrecido de pensar que no mundo de hoje é preciso detonar bombas para ser ouvido, para reivindicar um mínimo de dignidade, agora, explodir bombas para deixar uma marca? Deixar marca? Caio novamente no dito ‘vazio’ que está a vida hoje em dia: estamos tão sem objetivos, esse “dinamismo” do mundo moderno nos dá a impressão de que tudo o que faremos irá se desmanchar, virar pó e cair no esquecimento, tão logo viremos as costas. Então busca-se deixar marcas, marcas que ninguém saberá que fomos nós, mas que nos tornarão famosos, por um instante nos tornaremos como os vilões de um filme de suspense, antes de voltarmos à nossa modorrenta rotina. E como pichar é lugar-comum, e como quase não há mais locais para pichar (pelo menos nas grandes cidades), deixemos nossa marca de outro jeito: explodindo bombas em pousadas, queimando mendigos que dormem sob viadutos, depredando telefones públicos, casas vazias, e o que mais que se imaginar. Tudo para vermos o resultado de nosso “trabalho” e nos sentirmos orgulhosos com isso.

Há, sem dúvida alguma, uma grande distorção de valores nos dias atuais. É preciso urgentemente restituir o verdadeiro valor à vida, às pessoas. Mas como faze-lo sem cair no conservadorismo liberalóide – estilo TFP ou Bush – sem ser etnocêntrico, respeitando a pluralidade de opiniões, é algo que ainda precisa ser pensado e discutido. Que estamos esperando para começar?


Pato Branco, 07 de março de 2003.