sábado, 17 de janeiro de 2004

Estou me aproximando do limite da inteligência humana!

Não tenho muito o hábito de entrar na internet para pesquisar coisas sérias. Acostumado a bate-papo, joguinhos e páginas de bandas, às vezes me surpreendo com o conteúdo da rede. Hoje foi um desses dias em que me vi entrando em boas páginas desconhecidas. Estava eu buscando algo sobre a Taxa Tobin, pra escrever uma crônica sobre a grande proposta do nosso grande demagogo, digo, presidente, Lula, de criar uma CPMF mundial contra a fome (que fica para uma outra crônica), e achei várias páginas interessantes. Empolgado, fui cadastrando meu e-meio em várias listas (economia, direito, ongs, entre outras).
Mas não adianta, como eu disse, a internet pra mim é antes de tudo besteira e porcaria, questão de hábito (que aos poucos eu tenho mudado). Primeiro foi a página do PRONA argentino, el Partido Nuevo Triunfo – una nación, un pueblo, un líder, de clara e gritante inspiração nazista (pnt.libreopinion.com). Não perdi muito tempo ali, e o que me chamou a atenção foi que não entendi porque no lugar da suástica eles puseram um 7, afinal, o Maradona não jogava com a 10? (com todo respeito aos argentinos – quem me conhece sabe que não tenho nada contra, pelo contrário).
Não tardou muito eu achei A página. Página pra quem gosta de encarar os limites humanos. No caso o limite da tapadisse, burrice, imbecilidade e não sei mais o que dizer. Eu imaginava que tinha chegado perto com a honrosa TFP (Tradição, Família e Propriedade, www.tfp.org.br), com seus artigos alertando para o “agro-reformismo igualitário”, e que considera FHC um esquerdista, mas estava enganado. Imagine uma mistura de TFP, com os falcões da Casa Branca, com mais prepotência americana, com economistas da FEA-USP, com Fukuyama, com doses de nazi-fascismo, e pra dar o gosto no caldo, com cubano-americanos. Aqui, ó! Uma tetéia! A página chama-se... tchan nan nan nan... “En defesa del neoliberalismo” (www.neoliberalismo.com), e é algo extraordinário, pra quem curte coisas toscas (precisava dizer?).
Tem duas fotos de Havana, mostrando o antes e o depois de Fidel que é impressionante como alguém faz uma comparação dessas, e pior, ainda põe na internet! Na primeira, a Havana de 1958 (que era então literalmente um bordel dos estadunidenses, como é bem sabido) numa foto aérea, colorida, iluminada. Na segunda, uma foto com cores pálidas, coitada, um pedaço de um predinho de três andares mal conservado (nada comparado com muitas cidades históricas brasileiras), com um andaime sustentando a sacada do terceiro andar (talvez fossem reformá-lo?). “Tosco no talo”, como costumo dizer. Deixa “claríssima” a decadência cubana. Sensacional!!! Mas bons mesmos são os artigos. Não tive tempo de ler muitos, pois são muitos artigos, e a maioria é bastante extenso. Tem um, de um indiano que vive nos EUA, que pérola! Chama-se “Dos vivas al colonialismo”, de um tal de Dinesh D’Souza, e o que ele faz no artigo não são dois, mas são muitos vivas ao colonialismo. A argumentação dele se baseia em que os países ricos não são ricos porque exploraram os países pobres, mas a exploração já foi conseqüência da evolução desses países. Exploraram porque eram evoluídos. Evolução baseada no tripé ciência-democracia-capitalismo (muito cômico!). Diz ainda que é um preconceito a visão que há hoje em dia do colonialismo. O colonialismo levou evolução aos países colonizados, não fosse isso hoje eles seriam países muito piores; e pra provar que o colonizador é evoluído ele nos trás o exemplo das nações africanas, que entraram em guerras tribais depois de independentes. Imperdível!
De um outro artigo, “Una ONU anti-americana” copio dois trechos: “la ONU es esencialmente hostil a los intereses y valores americanos. Sería algo sin precedentes en la historia humana que una nación cediera el control de su política exterior, voluntariamente, a un grupo de naciones extranjeras hostiles”, e “la ONU es, como Gedrich lo describe, ‘una institución corrupta y moralmente en bancarrota porque sirve como refugio y vitrina de algunas de las fuerzas más siniestras del mundo.’ ¿Por qué debíamos permitir que una organización hostil dicte nuestra política exterior?”. Precisa comentários? No máximo preciso dizer que não fui eu que inventei isso, não. Tem gente que pensa assim, e não são poucos. Costumo entrar em salas de jogos na internet pra provocar os estadunidenses, e essa é mesmo a visão deles. Primeiro que numa discussão dessas você não pode dizer que é do Brasil, senão tudo o que você fala eles desqualificam como dor de cotovelo por ser de um país pobre. Também não dá pra falar que é da Suécia ou Noruega, que eles não fazem idéia de onde ficam, e acham que são países de terceiro mundo (sabe como um estadunidense médio é: um pouco menor que a sua porta). Descobri que era razoável ser holandês. Se você falar em Chomsky pra um estadunidense, eles não conhecem. Em Michael Moore (autor do livro “Stupid White Man”), o argumento é ele é um mentiroso. No resto, o principal argumento pra qualquer coisa que você fale é que eles salvaram a Holanda dos “nazis”, no dia D (a URSS não combateu o exército alemão). Uma vez um cara foi mais sincero: “nós ganhamos a guerra, nós ditamos as regras”, é certo que ele não soube me dizer que regra era a do 11 de setembro. Outro disse algo como “ninguém pode com a gente, somos os mais ricos, e o que quisermos é nosso, veja o petróleo do Iraque”. Mas enfim, só pra mostrar que a pretensão estadunidense é difícil de medir (e mesmo de acreditar).
Mas voltando á página campeã. As coisas ali escritas são inacreditáveis. E muito divertidas! Apesar que dá aquele ar de tristeza: pensamento divergente é bom que haja, mas burrice? Porque o pessoal que tem artigo ali é burro, mas burro “de marca maior”. Um primeiro e forte sinal é o de que eles são mais dogmáticos que a turma da TFP (e ser dogmático já é um incontestável sinal de burrice). Diz o artigo “Académicos Vs Bush” que Bush não só acredita que há uma única verdade, como tem certeza de conhece-la (e que isso é bom, pois assim é o mundo). Nesse mesmo artigo, uma bela pincelada nazi-fascista: “O bien prevalece la cordura en el mundo islámico en cuyo caso los musulmanes van a abrazar la verdad y rechazar el fundamentalismo islámico, o se impondrá la demencia, en cuyo caso los musulmanes abrazarán la mentira…y sufrirán las consecuencias.” Assim como Mussolini levou a civilização à Abissínia com suas bombas, os EUA vão levar a civilização aos islâmicos, por imposição ou por Tomahawk. É a democracia, a liberdade de escolha que a “América” tanto defende, e que foi um tripé da evolução da cultura ocidental: liberdade para escolher entre ser como um estadunidense ou morrer.
Acho que me alonguei demais nesta crônica. Por fim, o que falta na página (e que eu já mandei a sugestão) é um estudo mais aprofundado sobre o Papai-Noel e o coelhinho da Páscoa (afinal se eles ainda acreditam no neoliberalismo); algumas sugestões de leituras mais inteligentes, como Recruta Zero, Riquinho, Mickey Mouse, Superman; e alguns cálculos matemáticos avançados, poderia começar com 2+2=4 (coisa que aparentemente eles não sabem fazer) e terminar com a célebre matemática neoliberal: 2+2=7 (para países ricos) e 2+2=-1 (para países pobres). Até lá a gente se diverte com as baboseiras deles!

Pato Branco, 17 de janeiro de 2004

quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

Os doutores anencéfalos

Acho que nem vale a pena comparar aqui o Brasil com a Holanda, afinal,trata-se de países muito diferentes, com a diferença primordial que na Holanda pensa-se, enquanto no Brasil pasta-se ou, na melhor das hipóteses, rumina-se. E não falo do povão, das pessoas sem dentes e sem escola, que esperam todos os dias acordar com a notícia da volta de São Sebastião. Falo dos doutores letrados, desses de anel no dedo, que usam ternos importados e falam a língua da metrópole.
Não, não estou me queixando aqui do ministro da economia e dos economistas em geral, analfabetos na própria língua mãe e que não podem ser chamados de míopes porque não têm visão (vale ressaltar que há economistas que não só enxergam como pensam, mas esses estão longe do poder e da mídia). Falo da turma do direito, mesmo.
Um advogado (cujo nome não foi divulgado) entrou no Superior (ó!) Tribunal de Justiça pedindo para que um aborto de um feto anecéfalo (sem cérebro) não se realize. O ministro Feliz Fishcer concedeu a liminar impedindo o aborto. Desculpa dada pelo advogado, e aceita pelo ministro, é de que o feto estaria na iminência de sofrer uma ameaça de morte, o que contraria aquele livrinho de piada que pra ralé tem poder de lei chamado Constituição, que tem como um dos pilares a defesa do direito à vida. Claro
que não é o advogado que tem que agüentar na coluna, por nove meses, o peso de um monte de carne prestes a ser jogada fora, não muito depois de ser parida.
A questão do aborto é polêmica, sem dúvida. No Brasil, nem isso: a questão sequer é abordada. Talvez isso se explique pela religião. Na Holanda, como em outros países da Europa, a religião predominante é a protestante, que não quer dizer muita coisa vide exemplo de Bush Jr , mas que tem no momento da sua fundação todo um movimento de contestação. Isso talvez ajude a
circular um pouco as idéias. O contrário do Brasil, em que predomina a igreja católica e ascende as seitas neo-pentecostais, que são pra lá de reacionárias (vale lembrar que pregam abstinência sexual e são contra camisinha e outros anti-conceptivos), não sobra muito espaço para se refletir e discutir. Se dependesse das igrejas, não sobraria espaço algum pra se pensar! Como muitos seguem à risca as diretrizes da igreja (pelo menos no aspecto pensar), resulta que a gente é obrigado a conviver com absurdos como essa liminar.
Fosse um feto sadio e normal, até dá pra entender o porquê de vozes se levantarem contra o aborto. Afinal segundo a carcomida e decrépita ética cristã trata-se de uma vida, e o aborto é um assassinato (para um debate mais aprofundado sobre aborto, e a ética cristã em geral recomendo o livro Vida Éticado filósofo australiano Peter Singer, editora Ediouro. Sobre o aborto também vale a música do Gabriel O Pensador, Pátria que me pariudo disco Quebra-Cabeça). Agora, pra que gestar durante nove meses um feto que nascerá sem cérebro e não tardará muito para morrer (se é que dá pra chamar de vida o que ela terá)? Matar um feto que não viverá é um atentado à vida? E todo o desgaste e custo e inconvenientes que terá a progenitora, isso não é um atentado à sua vida? Vai ter de parar com suas atividades rotineiras, perder nove meses da vida, por causa de um monte de carne que vai direto pro lixo? A decisão do STJ é simplesmente revoltante. Falta um mínimo de bom senso. Estudam tanto pra continuarem tapados como uma porta! E o movimento feminista do Brasil, onde está?

Pato Branco, 14 de janeiro de 2004