terça-feira, 10 de julho de 2007

Barricadas em três tempos (e-meio para o Fernando Lourenço)

Olá professor Lourenço, tudo bem?

Quinta passada você falou sua opinião sobre a greve e as barricadas, as “cadeiradas”, como chamou. Abriu o espaço para expormos nossas opiniões, mas, como não gosto de falar em público, preferi não comentar nada. Depois de hesitar se ainda estava em tempo, resolvo fazê-lo agora, por e-meio. Espero que não se incomode por não ter falado antes, no espaço aberto. Não é meu interesse contrapor diretamente minha opinião à sua, antes apenas apresentar a minha.

Na minha visão, de estudante um tanto distante do movimento estudantil, mais um espectador – assistia às assembléias, mas não falava nada, nem participava ativamente do movimento –, acho que as barricadas tiveram três momentos principais. O primeiro foi quando, decida a greve dos estudantes, optou-se por essa forma de coação dos professores, forçando todos a pararem. Acho que foi uma ação importante – diria até mesmo acertada –, e uma forma interessante de chamar a atenção, além de ter aflorado uma série de questões recalcadas – que resultaram, creio, depois de todo o desenrolar, no clima não-amistoso comentado por você em sala.

Digo acertada porque quebrou um pouco – um pouco! – com a rotina de greve do IFCH: todo ano, no fim do mês de abril, início de maio, é hora de falar em greve e entrar em greve. Este ano não foi diferente: fim de abril, início de maio, fala-se em greve, ainda que os decretos sejam de janeiro e fevereiro! Volta e meia entramos em greves pífias, quase que exclusivas do IFCH, cuja adesão é de apenas alguns professores, geralmente os mesmos. Este ano, ainda mais com a entrada dos alunos da pós, tivemos um movimento mais forte dos estudantes. Mas muito provavelmente alguns professores continuariam suas aulas, forçando os alunos a assistirem, mediante as formas de controle que possuem, enquanto outros entrariam em greve porque todo ano, no mês de maio, é assim. As barricadas, nesse aspecto, me fizeram lembrar certos poemas (cujo nome não consigo lembrar), como “o operário disse não”, do Vinícius de Moraes, “a flor e a náusea” ou “stop”, do Drummond: quebraram a rotina, o tédio, alguns velhos hábitos, tornou a greve consciente. Por que exatamente estamos aqui, fazendo greve, protestando?

Outro ponto porque julgo necessárias as barricadas foi o “despreparo” (não achei termo melhor, apesar de não achar despreparo adequado) dos alunos e funcionários (e dos professores também). Como falou a professora Yara, da filosofia, na primeira assembléia: “tirem as barricadas e elaborem um discurso para convencer”. Por quase dez dias não havia um discurso capaz de justificar a greve! Havia alguns fragmentos perdidos, sem muita consistência e sem densidade, ou o velho pregar para os convertidos. “Os decretos são ruins”, mas ninguém era capaz de explicar o porquê! Por que prestar conta era o atentar contra a autonomia universitária? Depois, para mim, ao menos, conseguiu-se elaborar argumentos mais claros e consistentes, capazes de incitar um diálogo inteligente. As barricadas mostraram uma fragilidade do movimento, necessária de ser reparada para que tivesse sucesso, acredito que de outra forma esse “pequeno” lapso iria sendo levado, talvez até o final, sem se dar a devida importância.

O terceiro ponto foi, como disse, aflorar certas questões recalcadas, como as relações professor-aluno, professor-funcionário e aluno-funcionário (tanto é que os terceirizados foram “proibidos” de seguirem limpando os banheiros durante a greve). Foram poucos os professores, inclusive, que se mostraram abertos ao diálogo franco, dispostos a responder as colocações – muitas vezes ingênuas ou estúpidas – de alguns alunos. Cito dois que me chamaram a atenção: o Bianchi e a Yara.

As barricadas foram um ato “violento”? Se usarmos violento aqui em um sentido amplo, pode-se dizer que sim. Mas creio que foi muito mais um “violento” no sentido da desobediência civil em Rawls: um ato extremo que visa pequenos acertos em uma estrutura (assim digamos) à qual não se opõe de todo, uma estrutura justa. Tanto é que ela aconteceu, não por acaso, no IFCH, onde a abertura para o diálogo existe e acredita-se (julgo) estar em um caminho razoavelmente justo, dentro das possibilidades de uma estrutura universitária.

O segundo momento das barricadas foi o de quando os professores aderiram à greve. A oposição veemente e sem justificativa de certos professores às barricadas (a Yara foi uma das poucas a aceitar participar de um debate com os alunos e argumentar tudo o que podia e não podia sobre fins que justificam os meios, princípio da diferença, respeito às liberdades, etc, para pedir a retirada delas), chegando a extremos de mandar aluno calar a boca; ou então na “condicional” dos professores para abrirem diálogo quando, eles também, entraram em greve (ao menos assim foi entendido pelos estudantes aquele comunicado feito em frente o prédio das secretarias, em que você também estava), acabaram por dar razão a muitas das reclamações dos estudantes sobre a questão da hierarquia, de que os professores se negam a tratar todos como iguais, não importa a situação. Foi aí, creio, que houve a grande cisão dos alunos com os professores, justificada mas difícil de ser justificável. Minha opinião nesse momento foi – e segue sendo – em cima do muro. Acho que deveríamos ter retirado as barricadas sob condições (não expostas de maneira direta): já que estávamos todos em greve, não haveria mais coação para os alunos voltarem às aulas, os funcionários ao trabalho; caso houvesse, seria justificável o retorno das cadeiras, pois os professores não seriam capazes de cumprir com os acordos, não eram dignos da confiança necessária para o diálogo e a democracia. Mas também havia um pouco essa vontade – talvez mesmo necessidade – de enfrentamento. De exigir, como condição para o diálogo, o fim da condicional dos professores para o diálogo. Foi como um grito, desçam!

O terceiro momento foi o retorno das barricadas. Esse foi um ato que julguei equivocado, aí sim, dando justificativa para acusar as cadeiras de violentas, de atentado contra a liberdade. O diálogo que as barricadas poderiam fazer aflorar já haviam aflorado; o foco da discussão sai dos decretos para, novamente, ser as barricadas. “Porque deu certo” era a justificativa do que, para mim, se tornou um ato de rebeldia despropositado. Era um momento de “refluxo do movimento”, como os figurinhas de sempre das assembléias gostavam de chamar, aquele empolgante movimento de estudantes diminuía, os professores fora da greve já era uma pressão para o retorno, os decretos ainda estavam lá, apesar do decreto declaratório: vitória ou engodo? será que não conseguiríamos mais, a revogação dos decretos? começamos a greve, não deveríamos encerrá-la? Ainda tínhamos a ocupação da DAC, feita inicialmente em solidariedade com a ocupação da USP e para tentar reanimar o movimento. A USP desocupou, e aqui o reitor não aceitava dialogar – ato óbvio do reitor, uma vez que já havia negociado na ocupação da reitoria, ridícula, boçal, por sua pauta de reivindicações. O movimento chegou a reanimar – até ano passado nunca tinha visto assembléia do DCE com mais de 100 alunos, ver uma com 1200 assusta! - mas já estava no fim. Aquele movimento que começou com as barricadas já não se sustentava mais, por mais que voltassem as barricadas. Havia também um considerável ressentimento com os professores, por se oporem inicialmente às barricadas, por porem condicionais para o diálogo, por saírem antes da greve: de pouco adiantou o Bianchi dizer que era momento de evitar cisões para permitir a união de forças em um possível embate futuro. Creio que esse terceiro momento ajudou muito as barricadas a perderem legitimidade para aqueles que estavam em cima do muro.

Acho que me estendi além do que seria de bom tom - e só falando das barricadas. Não creio ser oportuno ainda querer palpitar sobre a greve, o antes da greve, os professores, etc. Apenas ressalto uma coisa que muito me agradou no movimento dos estudantes deste ano: tanto os partidos políticos, PSTU, PCO, DCE-PSOL, quanto os grupelhos organizados não conseguiram impor uma direção ao movimento, pelo contrário, o tempo todo tiveram que ir aonde os estudantes “desorganizados” decidiam ir. Falavam, ocupavam espaço, tentavam direcionar. Mas perdiam.

Fico por aqui.

Um abraço,

Daniel Dalmoro

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Educação: hora de aprofundar o debate (a quatro mãos com a Mari)

e Mariana Oliveira do Nascimento Teixeira

Em artigo publicado no espaço “Tendências e Debates” desta Folha no dia 8 maio, a socióloga Maria Alice Setubal, comenta em seu texto “Um falso dilema para a educação” da sua satisfação em perceber que a educação entrou para a agenda das discussões quotidianas do país, e levanta o que ela chamou de falso dilema na educação básica pública: se sua melhoria passa pela gestão eficiente ou por mais recursos. Se embasando tanto em exemplos da iniciativa privada quanto da escola pública, ainda que de maneira geral, a socióloga nos apresenta que o bom funcionamento de uma escola depende tanto de recursos quanto da gestão desses recursos.
Concordamos com aquilo que ela apresentou e fazemos coro à sua satisfação de ver a educação ganhando destaque – ainda que tarde e aquém do que imaginamos ser necessário – nos círculos de formadores de opinião.
Contudo, trazemos aqui nossa preocupação quanto ao debate que tem ocorrido e se intensificado nestes últimos tempos. Não parece haver grandes discordâncias quanto à necessidade de se garantir o acesso e a permanência das crianças e adolescentes do Brasil na escola, e que a educação por eles recebida seja uma educação de qualidade, independente de ser uma escola pública ou privada, da região norte ou sul, de um bairro pobre ou rico. Porém, não temos visto discussões quanto a que tipo de educação deve ser ministrada, tendo em vista que objetivos, como devem ser organizadas (não somente geridas) as escolas, as aulas, de que forma estas devem ser dadas.
Acreditamos que a busca por soluções para os problemas da educação brasileira passa, necessariamente, pela “boa governança”, levantada pela Maria Alice Setubal, mas demanda mudanças radicais a serem feitas. O problema de comportamento e indisciplina, apesar de geralmente mais visível nas escolas públicas, está fortemente presente também nas escolas particulares; ajuda a explicar este problema a caducidade do atual método vigente na maioria das escolas, de um professor na frente da sala recitando o conteúdo para alunos em formação militar, e a relação professor-aluno. A própria divisão das matérias em disciplinas estanques e separadas está obsoleta para as exigências da sociedade atual, algo que o MEC já tem notado, haja visto as mudanças introduzidas no Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, divido em três grandes áreas, linguagens, códigos e suas tecnologias, ciências naturais, matemática e suas tecnologias e ciências humanas e suas tecnologias.
Quanto à relação da escola com a comunidade, são várias as pesquisas que demonstram que as escolas onde a participação dos pais se faz mais presente o rendimento médio dos alunos é melhor do que aquelas em que o que ocorre dentro dos muros da escola é de responsabilidade exclusiva desta. A melhora da educação passa pelo comprometimento de todos e este é alcançado de maneira mais fácil e efetiva na medida em que a escola, mais do que se abrir à comunidade, passa a se integrar a ela, e deixa de ser um local onde as crianças e jovens vão para ter aulas, mas onde todos, professores, alunos, pais de alunos e não alunos vão para momentos de aprendizado, de lazer, de leituras, de debates, para palestras. A escola deve ser encarada como um dos pólos de socialização da comunidade, um local de vivência, troca de conhecimentos e discussões sobre o mundo atual.
Diante do que foi apresentado acima, cabe perguntar que pessoa será formada ao fim do ciclo básico de educação. Que tipo de cidadão esperamos e o Brasil necessita? Será cidadão respeitador da ordem – qualquer ordem – ou será um cidadão crítico e conhecedor dos meios legais para fazer valer os seus direitos? E que nação projetamos quando imaginamos os jovens formados pelas escolas no bicentenário da nossa independência? Qual a demanda principal do nosso país que projetamos para daqui quinze anos? Agronegócios, indústrias de alta-tecnologia, setor de serviços e turismo? É preciso ter em mente este aspecto até para poder ajustar os mecanismos de avaliação da educação ministrada: estamos dizendo que o ensino ministrado nas escolas está ruim em relação a que? O das escolas públicas está ruim em relação às escolas privadas, mas o ensino destas é bom? Não é o que mostram as avaliações internacionais, como o Pisa. Mas as demandas do Brasil serão as mesmas dos EUA e da Europa, por exemplo, para podermos nos comparar a eles sem qualquer ressalva?
Uma última questão se põe, ou melhor, não se põe: qual o papel da universidade na construção dessa educação básica universal e de qualidade? Concomitante à discussão sobre educação básica temos também a discussão da reforma universitária: não seria o momento de juntar – aproximar, ao menos – esses dois debates, já que ambos estão fortemente imbricados? Pois é absurdo tanto discutir a universidade sem levar em conta que formação terá o aluno nela ingressante, assim como discutir a educação básica sem considerar que espécie de professor é formado nos bancos da academia.
Sabemos, evidentemente, que todas essas perguntas não têm resposta fácil – teoricamente e mais ainda na prática. Entretanto, acreditamos que somente através de um debate que realmente questione visões sobre os objetivos e a forma da educação no Brasil caminharemos para respostas e sua implementação efetiva. Ficamos contentes, pois, que o assunto esteja ganhando espaço na agenda, o governo cobrado a assumir suas responsabilidades, e vemos que é chegada a hora para darmos um passo além no debate, questionando o ensino e o sistema educacional do país como um todo.

Campinas, 17 de maio de 2007