sábado, 26 de setembro de 2009

Relatos de viagem

Há quem diga que uma imagem vale mais do que mil palavras. Em alguns casos, quem sabe, até pode ser. Mas eu, amante das palavras, penso antes que uma palavra é capaz de evocar mil imagens.
Comparava os relatos de viagem de duas amigas que há pouco estiveram na Europa. Ambas formadas, ambas gostam de fotografar, ambas escrevem bem – ainda que uma delas, não só pelo título de jornalista como pelas vivências extra-acadêmicas, possua um estilo mais solto. Os relatos da primeira foram feitos principalmente por meio de fotografias: a vemos nas cidades que visitou, em barzinhos, em festas, em restaurantes, no teatro; as fotos geralmente seguidas por alguma breve legenda para não ficarem totalmente aéreas aos amigos que resolviam dar uma passada pelo blog ver quais as últimas. Já a segunda, a formada em jornalismo, a Helô, fez seus relatos inteiramente em texto, ainda que não tenha poupado sua máquina durante a viagem. A diferença entre ambos é enorme. Com as fotos vemos, ah, legal, algumas cenas, paisagens. Mas que na internet achamos mais bem tiradas – em dia de sol, em visão panorâmica –, e que com o Photoshop podemos nos pôr nesses lugares. Já com o texto, passeamos junto com a Helô, sua mochila de doze quilos e a minha encomenda de mil e novecentas páginas, na direção errada para o albergue na madrugada parisiense.
Infelizmente relatos como os da Helô estão por baixo hoje em dia. Não somente porque demandam mais tempo de quem escreve, como de quem os lê. E penso que o principal motivo seja a superdependência do olhar que atualmente vivemos. Tudo precisa ser visto, ainda que pouca coisa seja realmente olhada, observada. E a nossa experiência – cada dia mais parca, rasa – se confunde com esse olhar. Não nos damos conta de que a experiência de estar em Paris ou Londres ou São Paulo, mesmo, vai além do que se vê, exige muito mais da visão: nosso estado de espírito, o estado do tempo, as expectativas carregadas e as sensações despertadas. Quem sabe mil imagens dêem conta de parte disso – como um texto –, mas precisarão ser trabalhadas e ir além de algumas fotografias.
Termino esta crônica com um pedido aos amigos que vão passar um tempo além-mar para mandarem seus relatos em garrafas virtuais. Ainda mais quando são observadores sarcásticos e escritores espirituosos – até por ser uma forma de diminuir a saudade. Seja em Granada ou alhures. Sim, Hugo, é para você: uma boa viagem, mande notícias, relatos, e até fotos, de vez em quando!

Pato Branco, 26 de setembro de 2009

Publicado em www.institutohypnos.org.br

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A sensação de insegurança

Este domingo uma amiga, a Aline, me chamou para uma festinha bicho-grilo na república de uns amigos dela que fica a trinta metros da minha casa. De bicho-grilo nada tenho. O mais próximo que chego é meu ethos de habitante de cidade pequena: gosto do silêncio, de ouvir os sons da natureza, de assistir a pores-do-sol. Talvez outro ponto comum seja minha preferência por música andina. De qualquer forma, aceitei o convite de bom grado e passei momentos agradáveis escutando o pessoal tocar. Mas não é da festa que quero falar.
A república fica numa casa de quartos grandes e janelas pequenas, sala e cozinha espremidas e um enorme quintal cheio de árvores. Antes desse pessoal havia ali a república de uma outra amiga. A diferença na atmosfera da casa é impressionante - e não falo aqui da decoração.
O portão sempre trancado; à noite, cadeado extra. No meio do terreno holofotes para certificar que não havia ninguém à espreita. Na casa, a chave garantia a segurança. Isso na época em que minha amiga morava lá.
Agora, durante o dia, ao menos, o portão fica destrancado. Os holofotes não estõa mais lá. Um puxado que acumulava entulho foi reformado e virou o quarto de um dos moradores - quarto sem portas nem janelas e com um fogão à lenha. Os carros desocuparam a grande garagem, que virou a sala, local de ensaio e de convívio.
Antes a casa transpirava medo na sua busca por segurança; hoje passa tranquilidade, grande receptividade (é comum bichos-grilos em andança pararem um tempo ali). Ainda que Barão Geraldo seja um bairro bastante visado por assaltantes, a sensação de segurança é maior agora do que antes.
Ao voltar da festa, destrancar-trancar os dois portões que separam minha casa da rua, senti inveja deles. Juntou uma saudade da minha infância, o portão de casa escancarado (ainda hoje é assim) e o maior risco ser o de perder o relógio ou um tênis vermelho por tê-los esquecidos a madrugada toda no pátio da frente.

Campinas, 14 de setembro de 2009

Publicado em www.institutohypnos.org.br