sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

É tempo de festa?

E começou minha temporada anual de mau-humor crônico. Não, não se trata de inferno astral, ou qualquer alteração hormonal, nem mesmo carnaval – festa que, admito, não gosto, mas também não odeio. Meu incômodo é com a tradicional boas-vindas aos alunos nas universidades brasileiras, o chamado “trote violento”, o que é uma redundância: o termo trote já traz consigo o conceito violento. Coisa que pouca gente aceita, uma vez que se acredita que a violência só comece quando surgem hematomas. Da minha parte, encaro como violência tudo aquilo que atenta contra a liberdade e a dignidade do homem. De modo que as experiências positivas de boas-vindas prefiro chamá-las de recepção aos ingressantes.

Pois bem, junto com os trotes, começaram, claro, notícias de alguns extremos. Ainda não tivemos nenhum assassinato de “bicho” por parte de estudantes de medicina da USP, nem espancamento de pedinte por alunos de direito do Mackenzie – ao menos nenhum sabido. As universidades fingem que se mobilizam: a Unicamp, por exemplo, encena uma campanha “diga não ao trote”, como se um adolescente de vinte anos, acuado ao ser cercado de veteranos que pulam e gritam ao seu redor, tivesse a real possibilidade de dizer não. Após passar a essa primeira (de muitas) iniciação, pode se juntar aos seus alegres pares, sujos de tinta dos pés à cabeça, o que lhes dá um ar de idiotice na sua (merecida) alegria.

Daqui a pouco, passado o carnaval, surgirão em maior volume jovens sujos nas esquinas “fazendo pedágio”, no fundo, escarnecendo de parte da população brasileira que tira daí o seu sustento (mas já não houve ministro do turismo que via na pobreza produção de Carlitos em massa?). O dinheiro que levantarão será gasto todo em drogas, mas isso não é problema, problema é dar dinheiro pra mendigo comprar bebida. Depois vem os trotes nas repúblicas, ápice da coação e da violência – eu mesmo, na vez que acabei caindo na mentira que encoberta essas “festas”, fui ameaçado e por quase duas horas me impediram de sair da casa.

As universidades se eximem dizendo que o que acontece fora dela muros não são de sua responsabilidade, por mais que tenha sido planejado, tenha tido o início da sua execução dentro dela, e seja feito em seu nome. Mas talvez tenham razão: as universidades o tempo todo dão as costas àquilo que acontece fora dos seus muros, por que se preocupariam com uma coisinha qualquer, como trotes? Afinal, as universidades têm como função habilitar cientistas, técnicos, e não formar cidadãos, não é?

Campinas, 12 de fevereiro de 2010.


publicado em www.institutohypnos.org.br

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Tempo para leituras

Gosto de ler e leio bastante. Sei que leio mais livros do que a média nacional , o que não é nenhuma honra. Mas comecei a desconfiar que lia bem mais do que o normal quando meus amigos – eles também leitores bem acima da média – se mostraram surpresos com o tanto de livros que anualmente dou cabo. “Como consegue tempo para ler tanto”, perguntam, “Não sei, vou lendo, apenas, e dá nisso”.

De “férias” na casa dos meus pais, na quarta-feira, pouco depois das dez da noite, estou com um romance embaixo do braço, pronto para meus quarenta minutos diários de leitura antes de dormir. Antes de começar a ler, resolvo dar uma olhada no jogo que passava na tevê. Num dos canais, Cascavel e Atlético. Gostaria de vitória do Cascavel, mas resolvo ser realista e não perder tempo a toa. No outro canal, Monte Azul e Palmeiras. Depois do penalti duvidoso que resultou no gol do Palmeiras, decido ir ler, finalmente. Só dou uma passada nos outros três canais disponíveis. Nada de útil (como se assistir jogo do Palmeiras ou do Atlético fosse algo útil, ou mesmo agradável, enfim). Nessa passada pelos programas inúteis, me prendo no “Um contra cem”, nova versão do show do milhão. O programa é chato, perguntas bestas, pessoas agindo feito chipanzés na platéia, suspense de quinta categoria a cada resposta. Para não me aborrecer, volta e meia passo pelos jogos, para ver se mudou o placar, se algum jogo está mais interessante. Nada. No “Um contra cem”, um professor põe 400 mil que já tinha ganho em disputa e perde. “E daí”, me pergunto, apenas para reforçar a mim mesmo minha perda de tempo. Findo o programa, mudo de canal, para acompanhar o fim do jogo do Cascavel. Empate. Ainda faltam uns minutos do jogo do Monte Azul. Derrota. É quase meia noite. Depois de uma hora e meia sem ter feito nada – de útil ou de divertido ou de agradável ou de enriquecedor – desligo a tevê e vou dormir sem ler.

Em Campinas não tenho tevê: entendi porque consigo ler esse tanto que espanta meus televisionados (ainda que leitores) amigos.


Pato Branco, 29 de janeiro de 2010


publicado em www.institutohypnos.org.br