quarta-feira, 10 de março de 2010

O fim do encarte

Minhas ex-namoradas, depois de terminarem comigo, costumavam me dar um cedê do Pato Fu. Não, não se tratava de uma dose extra de sadismo: eu gostava mesmo da banda e acontecia deles lançarem álbum novo mais ou menos na mesma época – todo mundo costuma ter uma queda por coisas de qualidade questionável, como Pato Fu, Girls Against Boys, Del-O-Max ou comida do bandejão. Minha última namorada rompeu com esse hábito: bem que eu esperei, mas nada dela me presentear com o último disco da banda – isso já faz dois anos.
Retomo o lançamento de um disco já velho (para os parâmetros da sociedade atual) porque só lembrei disso dia desses. Fui ver de comprar o disco: R$ 25,00. Já há um bom tempo que não pago mais do que dez reais por um disco – desde que descobri as promoções da gravadora Trama. Optei, então, por baixar da internet, como é o mais comum de se fazer hoje. Admito que fiquei um tanto chateado por isso. Não por estar cometendo um “crime”, definitivamente. Um artista viver da arte é para poucos e em poucas épocas: se um artista diz que vai se sentir desestimulado a produzir por conta da “pirataria”, é de se questionar se se trata realmente de um artista, ou não seria apenas um operário da indústria cultural – daí, até melhor que pare mesmo de (re)produzir.
Minha chateação se deu, primeiro, por causa da qualidade do som: o som do computador, a não ser que se tenha excelentes acessórios, é bem mais fraco do que o de um aparelho de som mediano (os entendidos dizem que a diferença do cedê pro vinil já é uma queda medonha de qualidade). Segundo, por não ter o encarte. Há encartes e encartes. Muitos – a maioria – são dispensáveis. Mas há aqueles que são imprescindíveis: o disco possui uma concepção estética que vai além do som e das letras, passa também pelo visual. Ok computer, do Radiohead, de 1997, para mim é o melhor exemplo. Em mp3, essa outro aspecto do disco, da banda, se perde. Por fim, não sei se é só comigo – creio que não –, computador é um aparelho multi-tarefas compulsório: não consigo ficar parado em frente a ele apenas aproveitando a música.
Não lamento a emergência do mp3 e o fim do cedê, o que me pergunto é se não haveria como transpor para o mundo virtual essa outra dimensão dos artistas musicais, perdida com o fim dos encartes.

Campinas, 10 de março de 2010.

publicado em www.institutohypnos.org.br

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Trote de elite

Novamente me surpreendo ao chegar na PUC-SP no início do ano letivo: ainda é segunda semana de aula e os trotes já acabaram! Mais impressionante foi ano passado: no segundo dia e já não se sentia mais o clima de trote! Acostuma com a USP e Unicamp - onde a primeira semana é dedicada quase que exclusivamente a isso, e de que a parte mais radical não se encerra em menos de um mês, tendo os veteranos direito a abusar dos calouros até o dia 13 de maio - chego a me perguntar se não e uma evolução essa condensação do trote.

Mas leio no jornal de hoje que calouros de uma uniesquina qualquer, a Unifeb, de Barretos, sofreram queimaduras durante uma brincadeira nas comemorações de recepção dos bichos. Me dou conta, então, de que o trote durar um dia ao invés de um mês não é avanço: é necessidade. Porque boa parte desses acadêmicos trabalha e não tem tempo para perder com o ócio. E imagino que já sendo lesados uma vez por pagarem por um direito constitucional, duas ao pagarem por algo precário (não é o caso da PUC-SP, claro), não se animam em serem lesados uma terceira vez, perdendo aulas (não que eu pense que aulas, via de regra, não sejam perda de tempo).

Já nas universidades públicas, uma semana, um mês, três meses de trote não servem apenas para marcar a hierarquia interna: servem também para mostrar aos excluídos desse Olimpo que quem está ali é elite.


Campinas, 24 de fevereiro de 2010.

publicado em www.institutohypnos.org.br