sexta-feira, 14 de maio de 2010

Planos

Por uma questão de época e de classe social, cresci lendo não Monteiro Lobato, como a presidenta da Argentina, mas Maurício de Souza e a turma da Mônica. Daí que toda vez que ouço falar em planos tenho a impressão que algo errado há, por mais infalível que seja. Certo, há planos que são feitos para dar errado: os planos de vida são um caso típico. Uma das maiores intelectuais do século XX, Mafalda, do Quino, comenta, certa feita, que “para não viver ao acaso, estou traçando um plano que me ajude a organizar minha vida com clareza”, e completa, “teoricamente, é claro”. O problema é que na teoria a prática é simples – como sempre digo, inclusive na assinatura do meu emeio.

Mas há aqueles planos que, se não são apresentados como infalíveis, estão quase lá: te dão as chaves para o paraíso na terra. Necessários, imprescindíveis, vitais, têm todas as vantagens e nenhum problema. Não, não estou falando dos planos de governo dos candidatos – até porque, pelo visto, passaremos a eleição sem ter visto um de verdade. Tampouco vou falar de religião hoje. Falo dos diversos planos que são anunciados a rodo em todo local a toda hora, ocupando espaços que antigamente eram dedicado a quinquilharias diversas – de pipoqueira elétrica a carro de luxo. Aparecem principalmente nas datas importantes – dia das mães, dos namorados, dos pais, das crianças, natal –, mas não só. Há os planos de televisão, de internet, de telefonia – tem até um que se anuncia como infinito, apesar de ter limites bem estreitos. Há também os de saúde, que dizem estar preocupados com sua saúde – o que não duvido, dado os custos de operação –, e que não raro te complicam a vida na doença. Deve ser uma tática para as pessoas se preocuparem, elas também, em não adoecerem.

Exemplos mais há muitos, não vou cansar o leitor e a leitora em reprisar o exaustivamente repetido. O que ressalto é que para quem, como eu, cresceu vendo o Cebolinha e o Cascão apanharem por conta dos planos infalíveis do primeiro, me pergunto o que não haveria de profético nos gibis da turma da Mônica; e se talvez não seja esse excesso de planos que têm dificultado tanto a nossa vida.

Campinas, 14 de maio de 2010.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Os suspeitos de sempre

O ônibus estava na rodovia Castello Branco, menos de cem quilômetros de São Paulo, quando teve que parar para revista da Polícia Rodoviária Federal. Normal, é trabalho da polícia, ainda mais quando o veículo vem da região de fronteira com Argentina e Paraguai. Mas os policiais pareciam desconhecer esse detalhe, a rotina era de rotina. Normal, de qualquer forma.

Estávamos em uns vinte e cinco passageiros. No meio do ônibus, dois policiais se detêm diante do primeiro suspeito: um negro. Pedem documentos, mandam ficar em pé, revistam, abrem a bagagem de mão, perguntam o que faz da vida, o que pretende fazer em São Paulo. Outros dois policiais entram e seguem para o fim do ônibus, em busca de novos suspeitos. Encontram-no no banco ao lado do meu: um rapaz moreno. Mesmo procedimento acima descrito. Para não parecerem preconceituosos, repetem uma vez mais, agora com um branco, amigo do moreno. Os dois são obrigados a descer, para uma geral mais bem dada.

Nisso um dos policiais vê um volume suspeito em meu bolso e põe logo a mão. Era um spray de mel com própolis para a garganta. Pergunta se sou brasileiro, o que levo na mochila, o que faço da vida, se fumo. Respondo secamente. Sim, pertences pessoais, estudante, não. "Nem do fumo bom". Me recuso a responder tal pergunta, ainda que a vontade fosse devolver com outra pergunta "por que, está com vontade", e ele se afasta. Os dois amigos voltam, pouco depois recebem seus documentos, eram joões ninguém sem nada suspeito. A viagem segue, "vai com Deus", diz o policial que devolveu os documentos aos dois, não sei se numa tentativa de consertar a antipatia ou se por mero cacoete religioso, mesmo.

Falta de respeito, de educação, de cordialidade, grosseria, preconceito, escárnio (esqueci de contar que os policiais se divertiram com a foto em um documento do primeiro suspeito). Isso que era Polícia Federal abordando pessoas de classe média. Não preciso tentar imaginar o que não seria a Polícia Militar na favela. Muito se fala em melhorar a imagem das polícias frente a população. Não sei se o percurso é longo ou curto, sei apenas que não começaram sequer o óbvio.


Campinas, 06 de maio de 2010.