segunda-feira, 11 de outubro de 2010

E se legalizar o aborto?

Conversava com um grande amigo que trabalha na saúde pública e que já atendeu em posto de saúde da periferia, e acabamos entrando no famigerado tema do segundo turno: legalização do aborto. Ele me trouxe uma experiência sua interessantíssima, e que dá uma mostra do que pode acontecer no caso de legalização.

Uma moça, cerca de vinte anos, chegou ao posto de saúde onde trabalhava e falou que queria fazer um aborto. Coisa que pouca mulher faz, por toda a carga negativa do ato e pelo medo de ser presa ou processada. Ele não a repeliu, pelo contrário, a acolheu, e pediu que explicasse o porquê da sua decisão. Ela disse que seu parceiro iria achar que ela era uma oportunista, por engravidar quando estavam juntos há pouco tempo; que os seus pais não iriam aceitar que ela tivesse um filho sem que estivesse casada e, assim sendo, não via outra alternativa. Ninguém ainda sabia da sua gravidez e ela, ao invés de pedir a uma conhecida onde havia a clínica de aborto mais próxima, ou qual o método abortivo mais eficiente, resolvera ir direto ao posto de saúde – talvez com medo do que poderia ocorrer com ela, ou por desinformação.

Meu amigo pediu para que ela voltasse para casa e esperasse a poeira baixar, que pensasse um pouco mais, analisasse melhor a conjuntura. Explicou que ainda havia tempo para realizar o aborto, caso ela realmente quisesse, e se fosse essa sua vontade, não poderia fazer ali, mas ele daria as sugestões e indicações para que fosse o menos traumático e o mais seguro possível – dentro das possibilidades de um aborto ilegal para uma mulher da periferia.

Ela voltou algumas vezes ao posto para conversar, pesar os vários aspectos em manter ou interromper a gravidez, até o dia em que foi para comunicar sua decisão e agradecer meu amigo e a enfermeira que também a assistiu pela atenção e sugestões: conversara com o parceiro, com os pais, e resolveu que dava, sim, para levar em frente a gravidez.

Isso ilustra um pouco a “carnificina” que o novo arauto do conservadorismo reacionário brasileiro, José Serra, anunciou no caso de vitória da infanticida Dilma Roussef.

Legalizar o aborto não significa “chega deita expele”. Significa que a mulher poderá ir ao posto de saúde sem medo de dizer que pretende fazer um aborto, ser acolhida por profissionais capacitados – enfermeiro, assistente social, psicólogo, médico –, que com ela pesarão e se certificarão da sua decisão, para só então chegar às vias de fato: extrair um punhado de células que nada são, ou começar com a assistência e os exames pré-natal necessários.


Campinas, 11 de outubro de 2010.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O segundo turno é do mal

O título acima não foi só para chamar a atenção ou para chocar. Se acaso você se sentiu chocado, sinal de que não acompanhou a campanha eleitoral deste ano. Ou se acompanhou, o fez de maneira impressionantemente displicente ou cega – escolha. Antes do início da campanha, até o comecinho, eu até torcia por um segundo turno – afinal, as três principais forças eram oriundas da esquerda, duas delas do nacional-desenvolvimentismo –, pois havia a promessa de um debate político quente. Promessa de político tem má-fama no Brasil, essa não foi diferente.

O primeiro turno foi algo como temeroso e lastimável. Dilma pedia para esquecerem seu passado, ainda que pouca gente, praticamente ninguém, soubesse quem ela tinha sido. No máximo sabiam que ela era “a mulher do Lula”, sendo que a mulher do Lula é a Marisa Letícia.

Serra, por seu turno, não pedia para esquecerem nada, mas reescrevia sua história, assumindo um discurso neo-udenista tosco, que apelava aos órfãos da marcha pela família, com deus, pela liberdade.

Já Marina… bem, Marina é a boa moça, a moça para casar, a conservadora de fala firme que não diz nada, o discurso moderno no modelito retrógrado, um sabonete político feito por publicitários sem cor com ingredientes amazônicos (biopirateados pelo vice?). Em suma: o Alckmin de saias, com a diferença que este é da Opus Dei, aquela, da Assembléia de Deus.

O segundo turno, recém terminado o primeiro, mostrou que tinha tudo para ser muito pior. Não precisava ser assim: bastava que os dois candidatos agissem como políticos e não como fantoches – desprovidos de vontade e idéias próprias – nas mãos de publicitários. Um acordo entre os dois para evitar baixar (ainda mais) o nível da campanha e até, quem sabe, trazer um pouco de política ao debate (que ficou por conta do velhinho punk do PSOL), mostraria a estatura de ambos e que seriam realmente dignos de serem presidentes da república. Não são. Ganhe quem ganhar, será uma farsa no poder.

Excluído o lado conservador da disputa, Serra e Dilma brigam não só pelo seu apoio como para ocupar seu espaço. Não se trata de atrair os eleitores para suas idéias, trata-se de ir até onde os eleitores estão, de se camalear para ser o que querem que eles sejam. Serra agradece a Deus o resultado do primeiro turno. Mas o Estado não é laico? E não seria mais condizente agradecer aos seus eleitores, visto que Deus não tem título de eleitor no Brasil? Dilma é contra o aborto, mas não era uma questão de saúde pública até pouco tempo atrás? Agora virou sem-vergonhice?

A cereja do bolo ficou por conta do novo slogan de campanha de Serra: “Serra é do bem”. Jogada publicitária fantástica: tenta desqualificar a adversária sem falar diretamente mal dela. Afinal, se Serra é do bem, pelo silogismo precário que impera no nosso ambiente social, importado pelas campanhas políticas, Dilma só pode ser do mal. Ademais, cria outra boa identificação: quem mais é do bem? Sim, Deus e Jesus Cristo. A divisão do mundo em bem e mal é o discurso que se ouve nas igrejas neopentecostais (ligue a tv e confira), nos extremos políticos burros – à direita e à esquerda. Serra, ao aceitar essa grande jogada publicitária mostra sua diminuta estatura. Dilma, ao menos, é o fantoche de Lula, não de Luiz Gonsalez.

PS: apenas para deixar claro meu voto: justifico e me nego a legitimar nosso tratante sistema democrático-político-partidário-eleitoral. Faço isso desde que tirei meu título.

Campinas, 08 de outubro de 2010.