sexta-feira, 8 de julho de 2011

Sinais dos tempos

Não é apenas da minha densa cabeleira que eu sinto falta. Bons (e saudáveis) os tempos em que eu ia ao médico uma vez por ano, para ele olhar os numerosinhos dos exames, botar o estetoscópio nas minhas costas e dizer que eu estava bem – no máximo que eu apresentava uma anemia e que precisava engolir uns comprimidos de ferro do tamanho de uma castanha-do-pará.

Comecei há pouco tempo a fazer tratamento com acupuntura. Para quem quase desmaiou da última vez que fez exame de sangue, ser toda semana espetado por uma dúzia de agulhas e não passar mal é um avanço. Já vinha de outros carnavais a minha vontade de me aventurar por essas terras, mas sempre me esquecia de pedir referências ao Aílton, o médico homeopata que há um par de anos me assiste. Lembrei finalmente no início de maio quando, por conta de estresse com o mestrado, fisgadas que se tem na coxa quando se tem uma distensão eu estava tendo na cabeça. Isso passou junto com a entrega do texto da qualificação, e eu nem precisei ir à acupunturista. E tudo parecia se encaminhar para um organismo mais saudável: minha “pangastrite severa com três úlceras” do início ano (dava nome de banda, conforme um amigo), por exemplo, tinha dado lugar a uma mera gastrite crônica. Oficialmente eu até poderia me aventurar a comer pizza novamente (não livre de riscos).

Mas eis que fiquei sabendo que possuía uma disfunção, cuja causa talvez seja o estresse. Não é a erétil, por enquanto, e sim hipoglicemia.

Hipo, pouco, glicemia, açúcar. Oba! Dieta à base de chocolate, leite-condensado e pipoca doce, pensei. Que nada: lá estou eu, no alto do meu obsceno peso, pedindo adoçante, por favor. Doeu mesmo ter que restringir queijos e chimarrão. Porque os doces, no fim estou comendo mais do que antes, por ter que comer cada duas horas (o que eu já vinha mais ou menos fazendo por causa da gastrite) e frutas secas serem uma das melhores opções. O mais curioso é a possibilidade de, quem sabe, vir a ganhar peso agora que parei de comer doces.

E esta semana ficou bem marcado o sinal desses novos tempos. Num dos potes em que guardava uma das variedades de erva-mate, esvaziei-o para pôr as frutas secas: banana, tâmara, pera, figo, damasco, abacaxi. Ficou bonito, parece um pote de doces sortidos. Uma hora o pus ao lado do pote em que ainda resta os velhos tempos, a erva-mate. Analisava-os, degustando os prazeres de cada um e me perguntava: qual será minha doença do fim do ano?

Campinas, 08 de julho de 2011.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Paulo Renato e o desastre na educação nacional

Uma coisa ainda perturba boa parte dos acadêmicos das duas principais universidade brasileiras (ao menos): a popularização do ensino superior e o conseqüente fim do seu elitismo. Justificam seu posicionamento com argumento nobres e verdadeiros, mas tanto para quem está dentro como para quem está fora é possível perceber o preconceito para com quem não é ou foi aluno de USP, Unicamp, Unesp ou alguma federal, e sim de Uniesquinas, Anhembis, Mackenzies, Fatecs da vida. E eis o mérito enquanto homem público nos últimos vinte anos do recém falecido Paulo Renato de Souza: tirar o diploma universitário de uma elite, atendendo a uma grande demanda da sociedade. Com isso e a tímida nacionalização do Bolsa-Escola do Cristóvão Buarque, creio que se esgota o que há de bom (e relevante) a dizer sobre ele. Seu reinado à frente do Ministério da Educação foi um desastre que só não se tornou uma tragédia porque Lula venceu em 2002. Mas ele fez o estrago tão bem feito que não tem como reparar no curto e médio prazo.

A popularização do ensino superior e a universalização do ensino fundamental tiveram como verdadeiros beneficiários as estatísticas oficiais e os bolsos dos mercenários da educação.

No ensino básico, a escola pública não mereceu sequer uma lápide, o ensino técnico foi desmantelado – trazendo problemas inclusive para a indústria brasileira, ou o que sobrou dela –, e não houve discussão séria sobre educação, pelo contrário, a concepção de ensino regrediu para algo próximo de Pavlov – adestramento estímulo-resposta-punição para responder corretamente a testes e vestibulares (Saeb, Enem, vestibular e provão já no fim da faculdade).

No ensino superior, a universidade pública só não teve o mesmo fim da escola graças à sua excelência na pesquisa e na formação de quadros e ao seu poder de resistência, o qual vinha sendo sufocado por inanição, sob a justificativa de enxugar a máquina pública e diminuir gastos com funcionalismo. O golpe de misericórdia já havia sido anunciado: a substituição do modelo de financiamento, não mais por instituição, mas por aluno, o que poria Unip e USP em pé de igualdade na busca por verbas públicas.

Fora o desmonte da educação pública, do abandono da idéia de educação como algo que deve ter em vista os interesses da coletividade tanto no curto quanto no longo prazo e a submissão do sistema educacional ao ensino privado, não houve mudança no conceito de educação ou escola, diferentemente dos CIEPs do Brizola – copiados por Collor e seus CAICs –, ou dos CEUs da Marta. Ou melhor, houve sim: educação passou a ser um negócio cujo único objetivo é o lucro, dos donos das escolas e faculdades com a oferta de “ensino”, e do aluno, que ampliaria seu “capital humano”, com o que teria melhor “alocação” no mercado de trabalho (não parece coincidência que Dimenstein, do quadro capital humano na CBN, fez uma elegia cheia de meias verdades sobre Paulo Renato na Folha do dia 27). Não por acaso que quando Paulo Renato saiu do governo virou consultor para empresas do ramo de “ensino”, e não um “amigo da escola” a tentar com seu “know-how” ajudar os diretores das falidas escolas públicas brasileiras. Eis uma boa síntese da sua vocação de homem público e do seu interesse pelo futuro da nação. Que lamente sua morte apenas parentes e amigos.


Campinas, 30 de junho de 2011.