domingo, 29 de janeiro de 2012

Adeus, Campinas!

Finalmente me mudei, depois de dez anos no mesmo endereço – nove na mesma casa! Casa que nesse longo tempo foi ocupada por amigos, ex-amigos, ex-namoradas, marrecos, sabiás, lagartixas, ratos, gatos e por último, sapos. Ah, sim! E por pessoas desconhecidas, uma vez, que levaram duas caixas de bombom e um walkman antigo. 

Depois de dez anos de Campinas, cidade que cheguei maldizendo, que no meio do caminho criei não digo simpatia, mas tolerância – depois de ler o livro A cidade – Os antros e os cantos, do historiador Amaral Lapa, que me permitiu imaginar muito do que Campinas poderia ter sido e não é –, saí dela falando mal – mas com retorno combinado já para o próximo final de semana. Deixei a periferia pacata e rica (e ilustrada?) de uma cidade provinciana para morar perto da principal avenida de uma das cidades mais cosmopolitas do mundo – uma mudança brusca, e que eu sentia como sendo mais do que necessária.
 
Enquanto empacotava meus apetrechos, desempacotava lembranças – involuntariamente. Lembranças que simplesmente brotavam, ou então que eram despertadas por algum objeto – como um cedê da banda Zwan, mofado, que jazia embaixo de um monte de revistas que nunca mexo. Esse rememorar já havia começado antes, quando fora levar a um amigo minha bicicleta, há anos encostada, talvez justo pelas  recordações que ela pudesse trazer –  lembranças amargas de amigos que tentaram se matar, ou que conseguiram.
 
Na última noite de Campinas, chamei os amigos para uma festa despedida. Alguns apareceram. Parece que foi só então que me dei conta do que acontecia: naquele instante, mais do que um futuro prenhe de novidades, eu largava um passado pejado de possibilidades, mas que eu não soubera aproveitar. Me senti como Francoy, ao relembrar dos beijos que não teve de Beatriz: esse passado prenhe de possibilidades desperdiçadas era “algo como perder um dia de sol simplesmente por não ter achado a chave que abria a porta de casa”, ensimesmado por conta de alguma crise existencial, ou, mais comum, por não ter aonde ir para poder aproveitar o dia – o programa campineiro, shopping, convenhamos, não serve para aproveitar o sol, ou a lua, quando muito a chuva.
 
Ao se irem todos e eu ficar sozinho naquela casa vazia (de futuro), abarrotada por caixas cheias de livros e sentimentos, bateu uma sensação de nostalgia, de melancolia. Não tinha mais internet para fingir acompanhado na minha solidão, e o futuro do pretérito ressoava alto, a ponto de fazer esmorecer o futuro simples. 

Assim foi toda a sexta-feira. 

Ao aportar em São Paulo, numa noite fria, sob uma garoa fina, senti-me em casa antes mesmo de chegar no apartamento.


São Paulo, 29 de janeiro de 2012.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

PT, PSDB e direito humanos

Como não tinha laços afetivos com o PT, não tive problemas em aceitar que o partido não oferecia para o país uma alternativa de fato ao programa de modernização-conservadora posta em prática nos anos de tucanato no governo federal. Não precisei, portanto, fazer como muitos dos meus amigos, nutrir um ódio irracional ao PSDB para ter que justificar o voto no PT: não voto em nenhum dos dois, e em ninguém, diante do próprio arcabouço institucional que rege nossa política.

Por não ter aderido ao Fla-Flu PT-PSDB, sempre encarei ambos os partidos como primos – para não dizer irmãos (gêmeos?) –, que disputavam, via de regra, o mesmo eleitorado, o mesmo nicho, com pequenas nunces – importantes, mas não fundamentais. Ainda que PSDB caia para a direita, e PT, para a esquerda no espectro político; dentro dos partidos, a depender da corrente ou do cacique, o PT está à direita do PSDB. Para ficar apenas em um exemplo de como os partidos não possuem lá suas grandes diferenças: os programas de inclusão social postos em prática durante o governo Lula eram ações já defendidas por muitos adeptos do neoliberalismo, diante do desmonte do consenso de Washington: políticas compensatórias à massa de excluídos da bonança do capital financeiro, com o intuito de evitar eclosões sociais severas, que pusessem o status quo em risco.

Encarava como partidos próximos, mas preciso admitir, contudo, que desde a última eleição, quando Serra escancarou de vez a caixa de Pandora do pensamento mais reacionário do país, PT e PSDB começam a demarcar suas diferenças de modo mais significativo. Infelizmente, tais diferenças não se encontram no campo da economia, de programas para o país, ou mesmo em uma disputa para ver qual o mais moderno: tais diferenças têm se marcado no campo dos direitos humanos. A proposta de país é a mesma, a mesma modernização-conservadora, com alguma nuance mais desenvolvimentista aqui, mais liberal acolá, mas sempre se pautando num grande pacto com elites regionais de todas as nuances, no crescimento da produtividade e nas parcerias público-privadas – nova roupagem para as privatizações dos anos 1990.


Ainda que o PT não venha se mostrando um ferrenho defensor dos direitos humanos, na atuação da polícia e nos planos de segurança, fica evidente a diferença de tratamento para com as questões sociais, e isso não é de agora. Vale lembrar que durante os anos do governo FHC, como o governo não conseguiu cooptar o MST, o movimento passou a ser encarado como caso de polícia (mesmo de exército) – e isso foi posto em prática também por governadores aliados, como Jaime Lerner (então PFL), do Paraná, ou Antônio Britto (PMDB), do Rio Grande do Sul, com direito a assassinatos por parte da polícia.

As recentes ações da Polícia Militar paulista, uma polícia com boa reputação internacional no quesito desrespeito dos direitos humanos – vale lembrar que este anos comemoramos 20 anos do massacre do Carandiru que, dizem, matou 111 pessoas –, mostram uma vez mais a diferença entre os partidos: enquanto o PT tenta, pelas bordas, diminuir a força da PM via guardas-municipais (necessidade para aspirar a uma cadeira no conselho de segurança da ONU), o PSDB endurece a linha-dura, disposta a agradar parcela significativa da população que apóia o “atire antes, pergunte depois”, com base no precário silogismo “quem não deve não teme”.

Se na ação contra jovens de classe média, membros da elite intelectual-acadêmica do país (não necessariamente econômica, mas cientes de muitos dos seus direitos), Estado e polícia não tiveram peias em se utilizar de truculência, pode-se dizer que, diante do que ela está apta, para seus padrões, a PM paulista agiu quase que com delicadeza nos recentes grandes casos (norme$ ca$o$) em que esteve envolvida, desta vez contra miseráveis que parte da população gostaria de ver exterminada: o expurgo da Cracolândia, a limpeza de Pinheirinho. Melhor não tentar nem imaginar como ela não atua diariamente, em casos isolados, na periferia pobre, e melhor fingir acreditar que as rebeliões nas cadeias acabaram mesmo, e que isso se deu por convencimento na base do discurso-racional aos presos e ao PCC.


Campinas, 24 de janeiro de 2012.