Como não tinha laços afetivos com o PT, não tive problemas em
aceitar que o partido não oferecia para o país uma alternativa de
fato ao programa de modernização-conservadora posta em prática nos
anos de tucanato no governo federal. Não precisei, portanto, fazer
como muitos dos meus amigos, nutrir um ódio irracional ao PSDB para
ter que justificar o voto no PT: não voto em nenhum dos dois, e em
ninguém, diante do próprio arcabouço institucional que rege nossa
política.
Por não ter aderido ao Fla-Flu PT-PSDB, sempre encarei ambos os
partidos como primos – para não dizer irmãos (gêmeos?) –, que
disputavam, via de regra, o mesmo eleitorado, o mesmo nicho, com
pequenas nunces – importantes, mas não fundamentais. Ainda que
PSDB caia para a direita, e PT, para a esquerda no espectro político;
dentro dos partidos, a depender da corrente ou do cacique, o PT está
à direita do PSDB. Para ficar apenas em um exemplo de como os
partidos não possuem lá suas grandes diferenças: os programas de
inclusão social postos em prática durante o governo Lula eram ações
já defendidas por muitos adeptos do neoliberalismo, diante do
desmonte do consenso de Washington: políticas compensatórias à
massa de excluídos da bonança do capital financeiro, com o intuito
de evitar eclosões sociais severas, que pusessem o status quo em
risco.
Encarava como partidos próximos, mas preciso admitir, contudo, que
desde a última eleição, quando Serra escancarou de vez a caixa de
Pandora do pensamento mais reacionário do país, PT e PSDB começam
a demarcar suas diferenças de modo mais significativo. Infelizmente,
tais diferenças não se encontram no campo da economia, de programas
para o país, ou mesmo em uma disputa para ver qual o mais moderno:
tais diferenças têm se marcado no campo dos direitos humanos. A
proposta de país é a mesma, a mesma modernização-conservadora,
com alguma nuance mais desenvolvimentista aqui, mais liberal acolá,
mas sempre se pautando num grande pacto com elites regionais de todas
as nuances, no crescimento da produtividade e nas parcerias
público-privadas – nova roupagem para as privatizações dos anos
1990.
Ainda que o PT não venha se mostrando um ferrenho defensor dos
direitos humanos, na atuação da polícia e nos planos de segurança,
fica evidente a diferença de tratamento para com as questões
sociais, e isso não é de agora. Vale lembrar que durante os anos do
governo FHC, como o governo não conseguiu cooptar o MST, o movimento
passou a ser encarado como caso de polícia (mesmo de exército) –
e isso foi posto em prática também por governadores aliados, como
Jaime Lerner (então PFL), do Paraná, ou Antônio Britto (PMDB), do
Rio Grande do Sul, com direito a assassinatos por parte da polícia.
As recentes ações da Polícia Militar paulista, uma polícia com
boa reputação internacional no quesito desrespeito dos direitos
humanos – vale lembrar que este anos comemoramos 20 anos do
massacre do Carandiru que, dizem, matou 111 pessoas –, mostram uma
vez mais a diferença entre os partidos: enquanto o PT tenta, pelas
bordas, diminuir a força da PM via guardas-municipais (necessidade
para aspirar a uma cadeira no conselho de segurança da ONU), o PSDB
endurece a linha-dura, disposta a agradar parcela significativa da
população que apóia o “atire antes, pergunte depois”, com base
no precário silogismo “quem não deve não teme”.
Se na ação contra jovens de classe média, membros da elite
intelectual-acadêmica do país (não necessariamente econômica, mas
cientes de muitos dos seus direitos), Estado e polícia não tiveram
peias em se utilizar de truculência, pode-se dizer que, diante do
que ela está apta, para seus padrões, a PM paulista agiu quase que
com delicadeza nos recentes grandes casos (€norme$
ca$o$) em que esteve envolvida, desta vez contra miseráveis que
parte da população gostaria de ver exterminada: o expurgo da
Cracolândia, a limpeza de Pinheirinho. Melhor não tentar nem
imaginar como ela não atua diariamente, em casos isolados, na
periferia pobre, e melhor fingir acreditar que as rebeliões nas
cadeias acabaram mesmo, e que isso se deu por convencimento na base
do discurso-racional aos presos e ao PCC.
Campinas, 24 de janeiro de 2012.
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