sexta-feira, 22 de junho de 2012

Moças no mercado ou balconistas?

Amigo meu colocou em seu Facebook, dias atrás, que havia visto uma moça bonita no mercado que, segundo ele, bem poderia ser sua namorada, e concluía: “gente interessante mesmo a gente encontra é no mercado". Em partes me vejo obrigado a concordar com ele. Lembro uma época, quando ainda era estudante da Unicamp, que se eu fosse no mercado às sete da noite do sábado, grandes chances de encontrar uma guria muito bonita que bem poderia ser minha namorada – é certo que era sempre a mesma, uma das minhas duas paixões platônicas. Isso era no tempo de Barão, que é uma cidade pequena, ou menos que isso.

Em São Paulo, a coisa muda de figura. Mercado segue sendo um bom local para se deparar com moças bonitas – citei em crônica antiga uma ruiva, e ontem mesmo vi uma sardenta de olhos castanhos claros e um olhar de bicho assustado, toda delicada, linda!, apesar de que o que mais me chamou a atenção foi o fato d'ela estar calçando All-Star e ser mais alta do que eu –, o problema são as chances de reencontros: raros, raríssimos (salvo com Camila, a moreninha da balada)! Logo, a possibilidade de virarem ao menos uma paixão platônica ou um mote para crônicas é pequena. Se for pensar em algo mais real, então, exige uma abordagem de primeira – e não consigo lembrar de nada que eu consiga fazer de primeira, muito menos me aproximar de alguém. Ademais, há o problema de como puxar assunto num mercado: reclamar do preço da alface não parece muito sedutor, dar uma de entendido em vinho sem sê-lo pode te pôr em apuros, se ela resolver comentar algo do buquê ou do retrogosto. Pior: pode ser que você descubra que ela é uma enochata logo na primeira conversa – evitemos esse tipo de decepção de cara.

Por isso sigo preferindo as balconistas: essas você sabe onde e que horas encontrá-las – e pode até fingir para si próprio que estão te esperando não para atendê-lo, mas para te fazer um convite para sair. Francoy, se não fosse hoje um homem compromissado, certamente concordaria comigo.

Hoje caminhava pela Liberdade em busca de algum lugar pra almoçar: eram quase três da tarde e estava difícil achar algum restaurante aberto. O negócio era um PF numa cantina, mesmo. Foi quando passei em frente a uma portinha que se dizia fast-food oriental. Acabei entrando por causa da atendente, uma bochechuda bonitinha – que se mostrou de grande simpatia. Anotou meu pedido, yakissoba; pedi também a nota fiscal, até pra ver se ela se animava em puxar papo por causa do meu cpf (007). Às vezes dá certo – nunca quando eu quero. Ela preencheu a nota à mão, com uma letra bonita – tranqüila, eu diria –, plenamente legível. Como o outro fast-food oriental que eu conheço, esse também exigiu tempo e paciência – e estranhei o yakissoba com ovo de codorna e champignon, mas enfim.

Entretanto, por mais que a atendente fosse bonitinha, nada que se compare a Ruth, a balconista da farmácia. O problema da Ruth é que ela é de Campinas, não de São Paulo (nem de Barão, apesar de hoje isso não importar mais). Para ajudar na minha falta de sorte para com ela, quando eu começava a preparar o terreno pra convencer minha ex a sondar se Ruth tinha marido, namorada, compromisso, facebook, eis que ela me conta das novidades, que acabam por me impedir de qualquer pedido esdrúxulo. Argunta que é, pode ter percebido minhas intenções e usou de subterfúgios para não ter que assumir qualquer compromisso bizarro. Creio, contudo, que é sincera, não tinha porque mentir... a não ser que tivesse mentido também quando disse que Ruth não era do gênero que ela curtia.

São Paulo, 22 de junho de 2012.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Politicamente correto e preconceituoso

Quem me conhece sabe que não sou afeito ao politicamente incorreto: encaro-o como, via de regra, um verniz modernex utilizado como subterfúgio para ocultar uma inteligência limitada e um moralismo encruado. Se ficarmos nos exemplos dos humoristas que seguem essa linha, não lembro de nenhum que, quando chamado a falar sério, se mostrou digno de respeito por sua inteligência – podem ser espertos, vivos, mas capacidade de reflexão é algo que passa longe. Talvez alguém pudesse sugerir o Marcelo Tas, raposa esperta (que oculta muito bem sua plumagem), mas ele antes coordena seus miquinhos amestrados do que ele próprio apela para esse tipo humor. Exemplo do moralismo dos adeptos desse pensamento, dou sempre o mesmo: uma noite, passava em frente ao teatro Comedians, especializado em stand up comedy, e havia a tradicional enorme fila de pessoas descoladas que esperavam para rir de piadas de pretos, pobres, putas, gordos e gays. Estava havendo ali um forrobodó porque um dos espectadores insistiu em furar fila. Chamaram a polícia e o homem foi preso. Politicamente incorreto só com os outros, porque para si o mais tacanho respeito à ordem.

Nestes tempos de informática, zero e um, quem não me conhece vai achar que, por não coadunar com o politicamente incorreto, automaticamente defendo o politicamente correto. Equivocam-se. O politicamente correto soa como um mar de boas intenções para o século XXI em uma mentalidade pré-moderna, que não aceita a diversidade, a alteridade, e nega a democracia mais radical: aquela fundada no dissenso. Para não dizer que ainda não conseguiram se adaptar a contento no Estado democrático de direito – por mais precária e limitada que seja esta forma de organização da sociedade. Dizer o que pensa deveria ser livre, assim como arcar com os custos de suas opiniões: como disse Renato Janine Ribeiro em um dos casos envolvendo o comediante Rafinha Bastos: deixa ele falar, ele que não se faça de vítima depois, que tenha responsabilidade por aquilo que fala, diante de quem ofende, e responda judicialmente. Parênteses: utilizar de concessão pública – emissoras de rádio e tv – para divulgar preconceitos e racismos é outra história, porque aí entra a anuência do Estado. Fecha. Em entrevista à Folha, a advogada Janaína Conceição Paschoal traça bem as limitações (intelectuais e de concepção de mundo) da onda do politicamente correto que vivemos: enfatizar a prisão, ao invés de penas alternativas, serve para transformar ladrão de galinhas (ou torturador de galinhas, vá lá, agora que aprovaram a lei que pune quem maltrata animais com retenção) em homicida profissional (de gente) [http://bit.ly/2GTxaLc]. Como André Dahmer, dos Malvados, diz em uma tira: “um sistema penal preocupado com a segurança das galinhas”.


É no campo semântico que ocorrem dos mais quixotescos gládios – alguns dos quais, assumo, eu encampo, ao menos para meu próprio uso. E não só no Brasil. Denys Arcand em seu filme A idade das trevas (traduzido horrorosamente como A era da inocência) retrata o absurdo (e ridículo) do politicamente correto no Canadá. Isso para não dizer das feministas e sua luta contra o latim.

Foi uma amiga minha, cujo pai é angolano, que me fez me dar conta do tamanho do preconceito que o politicamente traz embutido: e traz como pressuposto positivo, e não como algo a ser combatido. Politicamente correto não diz “negro” ou “preto” para “pessoas de cor”, e sim “afro-descendentes” ou “afro-brasileiros”. Como o próprio termo diz, se trata de pessoas cujos ancestrais vieram da África. Oculta está a idéia de que tais ancestrais eram necessariamente negros. Vem daí a questão da minha amiga: ela é filha de um angolano não negro, mas moreno claro: deixa de ser afro-descendente? Pior se eu lembrar do porteiro do prédio que eu morava em Ribeirão: era moçambicano, e bem mais branco do que eu, que sou bem branquelo. Alguém tentando manter a pureza das boas intenções do termo pode argumentar que antes de serem africanos, eles têm origem européia: ótimo, voltaremos à questão de etnia, ligada ao solo, a uma tradição cultural – e só não falaremos em raça porque é politicamente incorreto. Mas mesmo a esse há argumentos: o mar Mediterrâneo não banha só a Europa: na outra margem está a África, a África branca (geralmente islâmica): Zidane, para ficar apenas num exemplo famoso, é neto de argelinos, e a Argélia fica na África. Se trata de branquelão tanto quanto eu. Deixa de ser afro-descendente por não ser negro?

Vão me acusar de má-fé, pois eu sei bem o que quer dizer afro-descendente, e apenas quero confundir as coisas. É verdade: abuso da má-fé com o termo e sua acepção politicamente correta. Acontece que a África não possui só negros, como não é feita só de savanas com leões e girafas. Nem tudo está perdido, contudo. Minha mãe deu uma boa sugestão de como combater esse preconceito dos politicamente corretos sem abandonar o termo “afro-descendentes”: basta chamar aos que tem origens na África negra de “afro-negro-descendentes”.


Pato Branco, 19 de junho de 2012.