quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Woody Allen agência de viagens (e de publicidade) apresenta: Roma (a os programas de celebridades)

Já quase saindo de cartaz, amiga me chamou para assistir ao último filme do Woody Allen, Para Roma com amor. Já sabia que o diretor estava no esquema de fazer filmes promocionais de cidades, mas ainda guardava alguma esperança – e não esperava o bombardeio de merchandising. Saí do cinema achando um filminho pop-cult, minha amiga foi da opinião que era pop, ponto; e pensando um pouco depois, me vejo a concordar com ela. O que não o impede de ser uma comédia boazinha, sem apelação, e que autoriza até certa crítica da sociedade (e me fez lembrar que eu deveria estar estudando, o que atrapalhou um pouco meu cinema).

São quatro histórias, cujo cenário é Roma.

Por um tempo imaginei que as histórias, a la Inárritu-Arriaga, iriam se cruzar – o que seria um razoável desafio, já que elas possuem temporalidades muito distintas. Não se cruzaram: são quatro histórias distintas, nas quais único ponto em comum é o local. E é Roma como poderia ser Veneza, Milão, Paris, qualquer cidade que concilie alguma fama de romântica e cosmopolita – isso para uma das histórias, a do casal em lua-de-mel; as outras três poderiam se passar em qualquer cidade que não fosse um fim de mundo.

Da parte agência de viagens, esperava que as paisagens de Roma seriam mais exploradas e, quando apresentadas, que fosse feito com um pouco mais de calma, com a cidade tendo um relevo maior tanto na trama quanto nos planos. Tem uma participação bem modesta. Em Anjos e demônios, filmeco de Ron Howard, tive a impressão da cidade ter um destaque maior.

Como quem patrocinava o filme, além de uma série de empresas, era a própria cidade, o filme, apesar de fazer humor com o estilo italiano, perde a oportunidade de fazer o mesmo com Roma. Pior, a apresenta de uma maneira idealizada a ponto de parecer cidade cinematográfica: quem já foi à capital italiana sabe o caos que a referida urbe é: o trânsito é insano, é preciso se pôr na frente dos carros para cruzar a rua (ao menos eles não te atropelam), o transporte público é lotado; o filme se passa, se não no verão, em período de clima ameno: a cidade é um formigueiro de turistas nessa época. Para não falar na ausência de artistas de rua e de pedintes, que há aos borbotões – eu, que comprava o discurso da social-democracia européia, me choquei com isso quando a visitei.

O ponto crítico do filme – e talvez o mais engraçado também – é a história do Leopoldo Pisanello (interpretado por Roberto Benigni). Trata-se de um homem comum, que vive uma vida absolutamente banal, beirando o chato com suas opiniões sobre tudo, que não fogem ao senso comum. De repente, ao sair de casa numa manhã, se vê cercado por repórteres e fãs, perseguido por paparazzis, é chamado para entrevistas na televisão, instado a fazer qualquer pronunciamento. Nas entrevistas, o que comeu, como prefere o pão, que cueca usa; reportagens sobre como faz a barba, pronunciamento sobre a possibilidade de chover, casos com atrizes famosas. Nenhum minuto de paz desde que põe o pé fora de casa. O motivo para ser famoso, conforme seu motorista é a tautologia "famoso por ser famoso": para a sociedade do espetáculo (não estava estudando, mas não me desliguei do mestrado, viu só?) não é preciso razões que não simplesmente ser – sendo que ser nela é aparecer. Depois de consideravelmente dilapidado pela indústria cultural, sua fama some como apareceu: uma hora se interessam por um outro transeunte, Aldo Rodani, e Leopoldo volta a ser um absoluto zé ninguém, de quem ninguém se lembra, já no dia seguinte.

Crítica às celebridades instantâneas. Mais do que isso: crítica à futilidade do espetáculo e suas vedetes: o engraçado dessa história está no fato das reportagens de fofocas de famosos deslocadas para a vida de um homem banal. O questionamento que sobra é: o que há de diferente da vida dele para a de um ator de cinema ou tevê? Um aparecer sempre, o outro nunca, basicamente. Por que o aparecer o faria superior aos anônimos do espetáculo, de modo a torná-lo importante para o quotidiano de pessoas comuns? O que há de original em qualquer um dos dois, no dia-a-dia, nas opiniões? Nada. Simplesmente um foi eleito pelo espetáculo, o outro, não: por isso é influente na sociedade do espetáculo. Há apenas a fama, e os convites para esse círculo dos famosos, que alimenta... a fama. A tautologia de ser famoso por ser famoso não nos assusta porque o espetáculo anda em círculos: nós é que imaginamos vislumbrar novidades nas modas retrô.


São Paulo, 23 de agosto de 2012.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sinceridade de mãe

Amigo meu, leitor de Montaigne, comentou, dia desses, que o ensaísta francês fala que virtude em excesso deixa de ser virtude. É o que estou tentando explicar para minha mãe esta semana: sinceridade em excesso pode não ser algo muito legal – ainda mais ser sincera com um filho espírito-de-porco como este escriba.

A primeira resvalada de sinceridade de minha estimada progenitora se deu há uns cinco anos. Conversávamos pelo skype e uma hora ela solta: “teu irmão é inteligente, você é esforçado”. Além de sincera, foi também uma mostra de ingenuidade da minha mãe, ao crer que eu seja esforçado – a não ser que ela encare positivamente o fato de eu me esforçar para fugir da labuta. Agradeci pela sinceridade e pela parte que me cabia. Ela quis se explicar, não deixei: a frase estava boa assim; se explicasse, estragava! Até hoje ela tenta se explicar, toda vez que relembro que meu irmão é inteligente, enquanto eu, eu sou esforçado.

Nova mostra de sinceridade ela me deu esta semana, que passo na casa dos meus pais. Ao contar de uma amiga deles, que depois de falar as agruras com seu filho, concluiu: “vocês que tiveram sorte com os filhos”; minha mãe olhou para mim e comentou: “não sei se foi sorte”. Não deixei que terminasse a frase: estava ótima! Novamente, quis se explicar, que ter dito que não sabia se fora sorte não significava que estava dizendo que tiveram azar, pelo contrário, mas eu já tinha entendido o que precisava.

Por sorte, sou um rapaz bem resolvido, e a sinceridade de minha mãe uso como piada (e agora como crônica – "claro", diria ela). Ela, por outro lado, parece estar começando a se traumatizar com o filho...


Pato Branco, 15 de agosto de 2012.

PS: além de me achar esforçado, e que não sou um caso de sorte, minha mãe, como boa mãe, também reiteradamente repete que me acha bonito: sinal que ela vê sempre o lado positivo, ou que não tem um discernimento lá muito grande?