Já quase saindo de cartaz, amiga me chamou para assistir ao último
filme do Woody Allen, Para Roma com amor.
Já sabia que o diretor estava no esquema de fazer filmes
promocionais de cidades, mas ainda guardava alguma esperança – e
não esperava o bombardeio de merchandising. Saí do cinema achando um
filminho pop-cult, minha amiga foi da opinião que era pop, ponto; e
pensando um pouco depois, me vejo a concordar com ela. O que não o
impede de ser uma comédia boazinha, sem apelação, e que autoriza
até certa crítica da sociedade (e me fez lembrar que eu deveria
estar estudando, o que atrapalhou um pouco meu cinema).
São quatro histórias, cujo cenário
é Roma.
Por um tempo imaginei que as
histórias, a la Inárritu-Arriaga, iriam se cruzar – o que seria
um razoável desafio, já que elas possuem temporalidades
muito distintas. Não se cruzaram: são quatro histórias distintas, nas quais único ponto em comum é o local. E é Roma como poderia ser
Veneza, Milão, Paris, qualquer cidade que concilie alguma fama de
romântica e cosmopolita – isso para uma das histórias, a do casal
em lua-de-mel; as outras três poderiam se passar em qualquer cidade
que não fosse um fim de mundo.
Da parte agência de viagens,
esperava que as paisagens de Roma seriam mais exploradas e, quando
apresentadas, que fosse feito com um pouco mais de calma, com a
cidade tendo um relevo maior tanto na trama quanto nos planos. Tem
uma participação bem modesta. Em Anjos e demônios,
filmeco de Ron Howard, tive a impressão da cidade ter um destaque
maior.
Como quem patrocinava o filme, além
de uma série de empresas, era a própria cidade, o filme, apesar de
fazer humor com o estilo italiano, perde a oportunidade de fazer o
mesmo com Roma. Pior, a apresenta de uma maneira idealizada a ponto
de parecer cidade cinematográfica: quem já foi à capital italiana
sabe o caos que a referida urbe é: o trânsito é insano, é preciso
se pôr na frente dos carros para cruzar a rua (ao menos eles não te
atropelam), o transporte público é lotado; o filme se passa, se não no verão, em período de clima ameno: a cidade é um formigueiro de turistas nessa época. Para não
falar na ausência de artistas de rua e de pedintes, que há
aos borbotões – eu, que comprava o discurso da social-democracia
européia, me choquei com isso quando a visitei.
O ponto crítico do filme – e
talvez o mais engraçado também – é a história do Leopoldo
Pisanello (interpretado por Roberto Benigni). Trata-se de um homem
comum, que vive uma vida absolutamente banal, beirando o chato com
suas opiniões sobre tudo, que não fogem ao senso comum. De repente,
ao sair de casa numa manhã, se vê cercado por repórteres e fãs,
perseguido por paparazzis, é chamado para entrevistas na televisão,
instado a fazer qualquer pronunciamento. Nas entrevistas, o que
comeu, como prefere o pão, que cueca usa; reportagens sobre como faz
a barba, pronunciamento sobre a possibilidade de chover, casos com
atrizes famosas. Nenhum minuto de paz desde que põe o pé fora de
casa. O motivo para ser famoso, conforme seu motorista é a
tautologia "famoso por ser famoso": para a sociedade do
espetáculo (não estava estudando, mas não me desliguei do
mestrado, viu só?) não é preciso razões que não simplesmente ser
– sendo que ser nela
é aparecer. Depois de
consideravelmente dilapidado pela indústria cultural, sua fama some
como apareceu: uma hora se interessam por um outro transeunte, Aldo
Rodani, e Leopoldo volta a ser um absoluto zé ninguém, de quem
ninguém se lembra, já no dia seguinte.
Crítica
às celebridades instantâneas. Mais do que isso: crítica à
futilidade do espetáculo e suas vedetes: o engraçado dessa história
está no fato das reportagens de fofocas de famosos deslocadas para a
vida de um homem banal. O questionamento que sobra é: o que há de
diferente da vida dele para a de um ator de cinema ou tevê? Um
aparecer sempre, o outro nunca, basicamente. Por que o aparecer o
faria superior aos anônimos do espetáculo, de modo a torná-lo
importante para o quotidiano de pessoas comuns? O que há de original
em qualquer um dos dois, no dia-a-dia, nas opiniões? Nada.
Simplesmente um foi eleito pelo espetáculo, o outro, não: por isso é influente na sociedade do espetáculo. Há
apenas a fama, e os convites para esse círculo dos famosos, que
alimenta... a fama. A tautologia de ser famoso por ser famoso não nos assusta porque o espetáculo anda em círculos: nós é que imaginamos
vislumbrar novidades nas modas retrô.
São Paulo, 23 de agosto de 2012.
Sem comentários:
Enviar um comentário