terça-feira, 29 de julho de 2014

Jorge C. [Retratos feitos de memórias]

Reconheço que eu possuía um pouco de preconceito com historiadores da arte. Conheço alguns alunos tranqüilos, fazem sua pesquisa, não se acham nem mais nem menos por isso. Conheço outros, em compensação, que arrotam em francês, tão finos e cultos são. Conheço professores assim também - que aliviam um pouco essa postura, passado o contato inicial. É certo que conheço alunos, professores e profissionais de outras áreas do conhecimento que agem do mesmo modo, mas meu foco agora é em história da arte. Ainda que não achasse que todo historiador da arte seria um chato-prepotente, estava sempre preparado para me deparar com um desses. E foi com esse preparo que entrei na sala de aula para assistir ao curso de história de arquitetura um, com o professor Jorge C. Ele havia lecionado na França, escrevia livros (eu havia lido um, bem introdutório), escrevia em jornal. Imaginava que aprenderia muito nesse curso, apenas precisaria tolerar seu mau humor em ter que dar aula para um bando de adolescente de dezessete, dezoito anos. Logo na primeira aula, me dei conta de que me equivocara: qual não foi minha surpresa ao ouvi-lo dizer sobre o quanto gostava de dar aula para calouros - e não era só uma forma de tentar ganhar os alunos, era perceptível seu ânimo, durante o curso todo. Mais: chegou a propôr uma excursão para Paris: aulas de história da arte sem slides, direto na fonte: nas ruas, nos museus da capital francesa (não aconteceu, por desorganização nossa, dos alunos). Apesar de eu não ter mais dezoito anos, sabia tanto ou menos que meus colegas, e aprendi bastante (esqueci boa parte, mas isso é outra história) sobre arquitetura greco-romana e um pouco mais. Mas o que mais aprendi foi ver como aquele homem que poderia se pôr no alto de um pedestal e só dar aula para pós-graduação, assumia que aula para primeiro-anistas não era nenhum rebaixamento, e que a possibilidade de erro, típico da ousadia jovem que ainda não tem o traquejo de mundo, traz junto a possibilidade de descobertas inusitadas e que, como os versos de Pessoa que tanto gosto, "é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta,/Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta,/E nada que se pareça com isso devia ser o sentido da vida...". Dias atrás li um artigo seu sobre um concerto. Seus cabelos eram brancos e não desbranquearam nesse ínterim, como não mudou seu espírito jovem: não rejeita um programa confortável e sem surpresas, conduzido por um regente escolado, porém não deixa de prestigiar jovens orquestras e jovens maestros, em uma récita sujeita a erros - parece, inclusive, preferir estas.


São Paulo, 29 de julho de 2014

sábado, 26 de julho de 2014

Unidos x cindidos

Em um país em que a democracia engatinha, quando muito, e o dissenso típico de uma sociedade democrática é visto como crise - ou então calado na base de balas de borracha e prisões arbitrárias -, colunas que pipocaram nos jornais do grupo Folha no início da semana podem significar algo mais do que informação: podem ser uma tentativa um pouco menos explícita de influenciar o voto de quem está em dúvida, ou mesmo dar subsídio para a época de campanha na tevê - "não somos nós quem estamos dizendo: saiu na imprensa, que é imparcial".
Não que não tenha havido desentendimentos no comitê de Dilma, e não que não possa haver uma união tucana em São Paulo em torno de Aécio. O pertinente é se questionar qual é, exatamente, a relevância disso e o porquê de tamanho espaço.
Na Folha de São Paulo de segunda, Valdo Cruz comentava que a campanha de Dilma foi tomada por conflitos, dado o medo de perder a eleição no segundo turno. A disputa entre "lulistas e "dilmistas" teria estourado quando Franklin Martins fez críticas à CBF. A revista Carta Capital (que não subestima seus leitores e é declaradamente favorável ao governo) dá a pista da importância dessa tensão: Martins é tido como O inimigo da Grande Imprensa corporativa, por ter diminuído, quando ministro de Lula, o envio de verbas governamentais a tais veículos e preparado uma lei dos meios de comunicação - a exemplo do que há em países desenvolvidos e tem sido implementando em países subdesenvolvidos, como México e Argentina. Diante da mera possibilidade de Martins ter algum papel relevante num enventual segundo mandato de Dilma, vale tudo para queimá-lo.
No dia seguinte, no Valor Econômico, é a vez de Raymundo Costa informar que o alto tucanato está unido como nunca, arestas aparadas e sem pontos de atritos: "PSDB de São Paulo se rende a Aécio". O tom do artigo é louvatório às pretensas qualidades conciliatórias e agregadoras do mineiro (perto do Serra, qualquer um é conciliador e agregador), e o próprio título pode ser encarado assim, dentro da mentalidade de que todo e qualquer desentendimento é pernicioso. Olhado de fora, o título é um tanto comprometedor: rendição é um termo militar, que não implica em conciliação e sim em sujeição. Ou o título foi infeliz, ou o artigo está equivocado, ou o PSDB paulista sofre da síndrome de Estocolmo - pois quem se engajaria "efetivamente" no projeto de um inimigo ao qual foi subjugado? -, ou, mais provável, pode ser um pouco de cada: Aécio calou a boca de alguns com o apoio e engajamento de outros.
Colocar as candidaturas petista e tucana em dois pólos bem antagônicos - um em crise, outro em lua-de-mel -, serve para tentar explicar por causas internas o que seria a queda da presidenta e a subida do oposicionista nas pesquisas. Ademais, serve para, discretamente, reforçar o discurso tucano, de que o PT divide o país, enquanto o PSDB se propõe a governar para todos: "se internamente já são rachados, imagina com relação à sociedade". Eis um discurso difícil de ser quebrado pelo PT, visto que a união tucana se baseia numa cisão velada, enquanto o PT se une ao explicitar essa cisão - periferia-centro, norte-sul, pobres-ricos, empreendedores-rentistas.
A moral da história óbvia dos artigos é que "a união faz a força", por trás, contudo, há a mentalidade pouco afeita à democracia do brasileiro médio: mais que a força, a união sem oposição seria o fundamento da democracia.


São Paulo, 26 de julho de 2014.