segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Internet x imprensa nas eleições [Eleições 2014]

Li em algum formador de opinião da auto-proclamada Grande Imprensa que o impacto da internet nestas eleições está abaixo do esperado. Não sei quanto esperavam, mas me parece que esse impacto, se não é positivo, no sentido de construir uma candidatura, tem tido forte papel negativo, em desconstruir discursos, em especial os discursos da Grande Imprensa. Desde a ascensão do PT ao executivo federal, a mídia corporativa assumiu - velada mas explicitamente - o papel de partido oposicionista - como aponta Maria Inês Nassif. Veladamente nas suas capas e reportagens, explicitamente em discursos internos. 
Goebbels dizia que uma mentira repetida mil vezes se transforma em uma verdade. A Grande Imprensa tupiniquim desde longa data tenta isso (as repotagens da Rede Globo sobre a eleição no Rio de Janeiro, em 1982, sobre a campanha das Diretas Já, em 1984, a edição do último debate de 1989, a crise quebra do país antes das eleições de 1998, por exemplo), e diante de recentes fracassos, aumenta a dose a cada eleição, atuando cada vez mais como sistema. Mesmo assim, sua tática não tem dado muito certo - não sei se errado estava o ministro nazista ou se nossa Grande Imprensa é que é de uma incompetência constrangedora.
Desde o mensalão o PT é acusado diuturnamente. Nos últimos dois anos e meio, a dose foi cavalar. Mesmo depois de longo período de fogo cerrado, diário, o PT segue forte, e Dilma Rousseff ainda lidera a corrida presidencial, é favorita, e já se volta a cochichar em vitória no primeiro turno (possibilidade que creio publicidade mal-feita por jornalistas de má-fé e bons salários). 
A campanha anti-petista nível hard, em que a indústria cultural agiu como sistema, atacando por todos os lados - imprensa editorial, televisiva, radiofônica, hebdomadária, diária, blog -, teve início em 2012, no julgamento do chamado mensalão, no STF, em cronograma feito sob medida para o veridicto sair na semana anterior às eleições municipais - não fosse uma pedra no caminho que o atrasou. Findo o julgamento, vieram os tais embargos infringentes, na ânsia de garantir direito posto inicialmente de lado, o de ampla defesa. Isso tomou todo o ano de 2013 e parte do 2014. Julgados os embargos, qualquer coisa virava notícia, de pacote de sanduíche no lixo da penitenciária a eventuais falsos laudos médicos, passando por depoimentos de vizinhos de parentes de conhecidos de carcereiros da Papuda sobre privilégios. 
Ao se dar conta que o discurso do mensalão não se convertia em mais votos à oposição, buscou-se novo bode expiatório, encontrado na Petrobras e nas acusações de irregularidades e perda de competitividade - vale lembrar que dependesse do PSDB e da Grande Imprensa se chamaria Petrobrax e pertenceria há muito tempo a algum grupo estrangeiro, ou ao amigo do rei Daniel Dantas. Mais de meio ano de capas, manchetes, notícias e reportagens sobre os eventuais desmandos na estatal. No rádio, nas principais notícias do dia a cada meia hora, ou de vinte em vinte minutos, onde tudo pode mudar (menos a ladainha contra o governo), ou no rápido giro de quinze minutos, sempre há algo a ser dito sobre o assunto, que seja notícia velha ou irrelevante, ou suspeita sem fundamento.
E aqui, imagino, possa ser sentido o impacto da internet nas eleições: mesmo ao se utilizar de todos os seus meios, a Grande Imprensa não tem mais o domínio da informação como tinha antigamente: portais alternativos de notícia, reportagens compartilhadas em redes sociais, blogs de analistas independentes, tudo isso permitiu que boa parte da população pusesse em suspeição as notícias divulgadas pelos Marinho, Civita, Saad, Frias, Mesquita e afins. O Jornal Nacional amarga perdas sucessivas de audiência. Diários e hebdomadários amargam vendas declinantes - vejo pelo edifício em que moro, sou o único assinante de jornal, a porcaria do Valor Econômico, e um dos cinco assinantes de revista semanal, a Carta Capital. 
É nessa quebra do quase monópolio da verdade e da mentira pelo Quarto Poder (que se sabe um, mas recusa se submeter ao guarda-chuva legal e de contra-poderes democráticos) que a internet têm tido relevância nestas eleições. Perde muito da efetividade manchetes nos jornais, capas nas revistas, notícias nos telejornais, se o eleitor menos interessado se fia pela notícia compartilhada por conhecidos que têm em alguma estima. Sim, a Grande Imprensa também está presente nesse espaço, com seus portais e versões on-line, porém não tem a força pré-internet.
Mas nesse ponto concordo com o tal formador de opinião que não me recordo quem é: o impacto da internet é pequeno, contudo demonstra a necessidade urgente de uma lei da mídia que desoligarquize os canais midiáticos tradicionais e submeta esse quarto poder ao crivo da lei e da democracia.

São Paulo, 22 de setembro de 2014

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Apenas outro momento da intifada brasileira.


Início da noite, me encaminho para a avenida São João, ao trecho que freqüento ao menos uma vez por semana, onde fica a Galeria Olido, um dos palcos da dança paulistana. Ficara sabendo do ataque militar - amparado pela justiça - aos trabalhadores sem teto no meio da tarde. Praticamente uma quadra antes da São João, na Ipiranga, carros dos bombeiros e da polícia ocupam a pista da esquerda. Alguns militares têm armas em punho, de guarda para abater algum maluco suicida que resolva atacar a tropa. Outros estão em rodas, como se fosse intervalo de trabalho, conversam, fumam e gargalham. A banalização do mal me vem à mente. Dou uma de joão sem braço e tento entrar na São João. "Está interditado, não está vendo?", fala um guarda, arma em punho. Obedeço e atravesso a rua. Havia visto imagens na tevê e fotos na internet. Justiça, reintegração de posse, ataque de objetos por parte dos sem-teto, revide da polícia militar - o roteiro é banal nestes tristes trópicos, tal como a cobertura da Grande Imprensa seguir a linha da polícia militar pacífica se defendendo de uma turba violenta. Era esse o discurso inicial sobre as manifestações do Passe Livre, ano passado - banderneiros, violentos, vagabundos. E onde estão aqueles milhares de homens-gado e mulheres-vaca a gritar "sem violência" e pedir mudanças? Ou o fato da PM não ter agredido aquela massa de chimpanzés mal-adestrados que gritavam "sem violência" é prova de que os sem-teto fizeram por merecer? Lembro dos manifestantes - "manifestantes" - vestidos com as cores do Brasil, tirando foto com os militares. Esse pessoal não veio para a São João, aqui estão só os chatos e os jornalistas. As imagens de mais essa intifada tupiniquim me dão mais que raiva, me dão vergonha: aqueles pobres-coitados fardados agem em meu nome. Não têm meu respaldo, mas têm o da maioria da população de São Paulo, que elege Maluf (estupra mas não mata), Alckmin (quem não reagiu está vivo), Aloysio (pela redução da minoridade penal, enquanto crimes de bilhões de reais são ocultados pelo seu partido), Serra (higienização social do centro de São Paulo) e tantos outros violadores dos direitos humanos, criminosos lesa-humanidade. Quando era ocupado por prédios abandonados, esperando valorização, e moradores abandonados à própria sorte pelo poder público, o centro era tido por um lugar sem vida, apesar da profusão de línguas, culturas, cores e sabores que o marcavam. Agora que pululam empreendimentos imobiliários e dinheiro floresce onde antes era quase um aterro social, as pessoas que nunca deixaram o centro morrer são tirados a bomba e balas de borracha para "revitalizar" com a vida de quem tem direito de viver. Na internet, fotos da depredação dos sem-teto: curiosamente, em mais de três anos que freqüento aquele local, à noite, com aquela e outras ocupações, nunca tive problema algum, nunca presenciei cenas de violência, que não a de seguranças privados e policiais militares. Dizem que a diplomacia é a guerra por outros meios, no Brasil, a justiça é a violência por seus próprios meios: que língua tão incompreensível falavam aquelas muitas famílias que não foi possível dialogar, negociar com elas? Por que a elas o único diálogo legítimo é o de obedecer as ordens dadas pela justiça, para favorecimento de um, em detrimento de muitos, em detrimento da cidade? Isso é diálogo? Resolver problemas na base da porrada é democrático? Os cinqüenta mil assassinatos por ano, as agressões gratuitas, por coisas pequenas, mesquinhas, insignificantes, a violência simbólica disseminada de alto a baixo da sociedade, tudo isso nos veio em mais uma epifania neste dia dezesseis de setembro, no centro de São Paulo. Vêm os carros do choque, já cumprida sua missão de garantir a propriedade. Reproduzo um gesto que os governantes do Estado mais rico da nação e seus eleitores fazem inconscientemente em suas salas de estar (e nas seções de votação): levanto o braço direito, em saudação nazista. Os carros passam, talvez por sequer entenderem o significado do meu gesto, talvez por não terem visto, talvez por estarem ocupados segurando suas armas, nenhum soldado me saúda de volta - assim como nenhum parece ter se sentido ofendido.

São Paulo, 16 de setembro de 2014.